Revólver ilegal que atingiu criança foi escondido da polícia na casa do padrinho

Rapaz de nove anos, baleado na cabeça, continua em estado crítico com prognóstico muito reservado. Padrinho da vítima que tinha sido detido pela posse ilegal da arma, saiu em liberdade após ser ouvido pelo MP.

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O disparo foi acidental e a criança que disparou não é, de qualquer modo, criminalmente responsável perante a lei João Silva
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O padrinho da vítima não tinha cadastro anterior e é agora arguido no processo indiciado por posse ilegal de arma João Silva

O revólver ilegal que atingiu, na cabeça, uma criança de nove anos na tarde desta sexta-feira, em São Paio de Merelim, Braga, foi escondido da polícia logo após o tiro. Durante mais de duas horas, os militares da GNR procuraram a arma por toda a casa onde ocorreu o incidente pelas 16h. Mas não o encontraram e as perguntas que fizeram aos proprietários da casa, um deles o padrinho da vítima e dono da arma, também não ajudaram inicialmente.

Era evidente que a criança prostrada no chão tinha sido alvejada na zona da testa, mas a arma inocentemente disparada pelo amigo de 12 anos, numa brincadeira de miúdos feitos polícias, não estava em lado algum, apesar de ter caído no chão logo após o disparo. Depois do impacto, o amigo da vítima repetiu até exaustão, desassossegado com o que acontecera, que estavam apenas a brincar. O INEM teve de enviar equipas de psicólogos para assistir o rapaz e os familiares da vítima.

Foi só quando os inspectores da Polícia Judiciária de Braga chegaram que a arma foi descoberta. Os investigadores, chamados ao local várias horas depois, encontraram-na na gaveta de um móvel da habitação. Quem terá conseguido, e por que motivo, ter a argúcia suficiente para esconder a arma, enquanto a criança permanecia deitada no chão de um quarto inanimada com uma bala alojada na cabeça, é uma das questões centrais na investigação que a PJ levará a cabo.

Além do destino dado à arma durante aquelas horas, os investigadores estão também intrigados com a origem desconhecida do revólver calibre.22 que não estava registado e legalizado. O padrinho da vítima, um homem com mais de 50 anos e que será mecânico aposentado, é conhecido por ser um amante de armas e teria, aliás, uma dezena delas espalhadas pela habitação. Uma boa parte ilegal e algumas legalizadas, explicou fonte da PJ.

Um verdadeiro pai para a vítima

Por outro lado, para a investigação não há dúvidas de que aquele homem era como um verdadeiro pai para a vítima, apesar de não existirem laços familiares entre eles. As duas crianças iam com frequência no final das aulas para aquela moradia situada na zona residencial da freguesia de São Paio de Merelim. Eram bons amigos e brincavam quase todos os dias juntos. A vítima ficava na casa do padrinho, numa rua sem saída, ladeada por vivendas de dois andares, até que a mãe, que tem um cabeleireiro nas proximidades, terminasse o trabalho e o fosse buscar.

Ao contrário do que foi noticiado, o homem não é tio da criança, mas apenas padrinho, garantiu fonte da PJ ao PÚBLICO. Ao final da tarde de sexta-feira, horas depois do disparo e já depois de a criança ter seguido para o hospital, o padrinho estava na garagem da sua casa, onde os dois rapazes tinham sido surpreendidos pelo achado que os levou à brincadeira trágica. Cabisbaixo, olhava o chão da garagem onde tudo começara, rodeado de militares da GNR, inspectores da PJ e técnicos do Laboratório de Polícia Cientifica que recolhiam vestígios.   

Foi detido pela PJ por posse ilegal de arma ainda na noite de sexta-feira e saiu este sábado em liberdade depois de ser inquirido por um procurador nos serviços do Ministério Público de Vieira do Minho. Começou a ser ouvido pelas 10h e saiu pouco antes das 14h com termo de identidade e residência, a medida de coacção menos gravosa que é, aliás, inerente à condição de arguido. O procurador considerou que não seria necessária outra medida mais pesada e decidiu, por isso, não requerer o seu interrogatório por um juiz. A PJ não tem dúvidas de que a arma estava nas mãos do amigo da vítima quando disparou e que o tiro foi acidental. A criança não é, porém, criminalmente responsável perante a lei.

Armas em casa têm de estar num cofre

Além de as armas terem de estar registadas e de ser necessária uma licença para o seu uso e porte, o regime jurídico das armas e munições sublinha que "os portadores de armas são permanentemente responsáveis pela segurança das mesmas, no domicílio ou fora dele, e devem tomar todas as precauções necessárias para prevenir o seu extravio, furto ou roubo, bem como a ocorrência de acidentes".

A lei estabelece que em casa a arma deve ser colocada num cofre ou num armário de segurança. Outra opção prevista pela lei é a retirada de uma peça à arma que deve ser guardada separadamente e "cuja falta impossibilite o seu disparo". Em caso de não cumprimento destas regras, os detentores de armas ficam sujeitos a coimas. Quando a posse de arma é ilegal, a pessoa arrisca uma pena entre um a cinco anos de prisão.

O padrinho da vítima, que não tinha cadastro anterior, é agora arguido no processo indiciado por posse ilegal de arma, mas poderá também vir a ser responsabilizado por não ter as armas guardadas num cofre ou num armário de segurança como obriga o regime jurídico das armas e munições.

A vítima continuava internada ao final da tarde deste sábado no Hospital de São João, no Porto, na unidade de cuidados intensivos pediátricos em estado crítico com prognóstico muito reservado, segundo fonte daquele hospital. Chegou àquela unidade de saúde apenas pelas 20h depois de ter primeiro passado pelo Hospital de Braga. O INEM chegou a equacionar o seu transporte mais rápido através de um helicóptero que estava estacionado em Macedo de Cavaleiros, mas essa solução representava perigo de vida devido à maior pressão intracraniana que iria resultar do voo e a única solução foi o recurso a ambulância especializada em transporte pediátrico inter-hospitalar.

 

 

 

 

 

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