25.ª hora

A fragmentação europeia ainda é um risco. O destino da Grécia pode ser apenas o começo.

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1. Angela Merkel gostaria de presidir à cimeira do G7, no próximo fim-de-semana na Baviera, sem ter de enfrentar a pressão dos seus parceiros das democracias ricas para que resolva de uma vez a questão grega, de preferência mantendo a zona euro intacta. O Presidente americano fá-lo-á sem sombra de dúvida e com razões acrescidas. A economia mundial dá sinais de arrefecimento, com as economias emergentes a aproximar-se da recessão (Brasil) ou a rever em baixa as suas projecções de crescimento (China).

Um desastre grego teria um impacte negativo de grandes proporções. A agenda oficial do G7 inclui, como sempre, as grandes questões da agenda mundial, da pobreza ao clima, passando pela Rússia (que deixou de ter lugar à mesa depois da crise ucraniana) e pela segurança internacional. Mas, quer a chanceler queira quer não, será difícil evitar que um eventual Grexit ou até um eventual Brexit, pelas suas consequências não apenas económicas mas estratégicas, não venha a dominar o encontro.

2. A reunião de segunda-feira passada na chancelaria de Berlim, com François Hollande, os presidentes da Comissão e do BCE e a directora do FMI, foi vista como um sinal de que, do ponto de vista alemão, se esgotou o tempo para mais negociações com Atenas. Um porta-voz da chanceler falou em “oferta final”. Ao longo do dia de ontem esta mensagem foi-se diluindo em declarações mais ou menos contraditórias das instituições europeias. Mas os sinais vindos de Atenas também vão no sentido de que se aproxima a 25.ª hora. Alexis Tsipras anunciou o envio para Bruxelas de uma proposta “global e realista”, colocando também as coisa no tudo ou nada. Os seus ministros desdobraram-se em declarações garantindo que a Grécia não aceita “chantagem” nem “ultimatos”. Voltaram os rumores sobre novas eleições. O problema é que o dinheiro escasseia para os quatro pagamentos de Atenas ao FMI que vencem neste mês de Junho, ao fim do qual expira o prolongamento do segundo resgate concedido à Grécia. Se houver a perspectiva de uma solução, o governo de Tsipras tentará convencer o FMI a pagar as quatro tranches previstas para Junho ao mesmo tempo e só no final do mês. Sem um acordo que liberte os 7,2 mil milhões de euros da última tranche europeia, escreve Martin Wolf no Financial Times, “Atenas será forçada a entrar em default.” “Não tem outra fonte de financiamento”. A questão continua a ser o que vai fazer a chanceler.

Há duas teses em confronto entre os decisores europeus. A primeira, defendida pela Comissão e até pelo presidente do Eurogrupo, estaria disposta a exigir a Atenas apenas um “programa mínimo” com um compromisso em torno das grandes reformas que ainda não foram feitas, nomeadamente os cortes das pensões que hoje estão no centro do braço-de-ferro entre Atenas e os negociadores. A segunda, defendida pela Alemanha, quer já um “programa máximo”, com especificações e calendários. Merkel sabe que o problema não se esgota agora com um acordo que permita aos gregos sobreviver no curto prazo. Quer ir ao Bundestag com garantias suficientes para convencer os alemães a aceitar aquilo que parece cada vez mais inevitável e que é um terceiro resgate. Quem ganhou na segunda-feira? Normalmente, a chanceler não perde.

3. Charles Grant, o director do Centre for European Reform de Londres, escrevia em Abril que a Alemanha lhe parecia demasiado “descontraída” perante uma eventual saída da Grécia. “Desta vez [ao contrário de 2012], os responsáveis alemães acreditam que um Grexit não desestabilizaria a zona euro”. Mas há condições políticas para este cenário. “Um ponto-chave para a chanceler é que a Alemanha não seja vista como a responsável por um desastre grego”, diz o director do CER. “Se o Grexit acontecer, as pessoas terão de perceber que a causa está do lado grego, que não fez o seu trabalho de casa, e não na falta de solidariedade.” Berlim conseguiu reunir à sua volta mesmo aqueles países que criticavam o excesso de austeridade imposto à Grécia, ajudada pela forma por vezes desastrada com que actuou o governo grego.

Na verdade, ninguém sabe ao certo qual seria o impacte de uma saída grega. Era, porventura, tido mais fácil se a questão se resumisse à economia. O problema é político: as uniões monetárias não são reversíveis. Mesmo que as consequências não fossem imediatas, o euro passaria a viver com uma bomba ao retardador atada ao pescoço, apenas à espera da próxima crise para rebentar. E Portugal, mais uma vez, ficaria muito perto da zona de impacte. 

4. Outra fonte de preocupação por parte de alguns países europeus é o efeito da solução que vier a ser adoptada na paisagem política europeia, já de si em profunda mudança. Os partidos do sistema estão em perda praticamente em toda a parte. Um eleitorado descrente das virtualidades europeias, mesmo que por razões por vezes opostas (entre o Norte e o Sul, por exemplo) está a alimentar novos partidos de raiz populista cujo impacte na governação da zona euro começa a ser demasiado visível. O caso espanhol é evidente. Mesmo que sem as cores da xenofobia e do nacionalismo que predominam a Norte, o Podemos e o Cidadãos, com a sua mensagem “romântica” mas vaga contra a corrupção, o clientelismo e a austeridade, vão obrigar a mudanças no quadro governativo. Noutros países, partidos xenófobos e nacionalistas condicionam cada vez mais os governos. A fragmentação europeia ainda é um risco. O destino da Grécia pode ser apenas o começo.

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