Em comum

Já se viu que este modelo consegue ganhar eleições. Agora chega o verdadeiro teste: conseguir governar melhor.

Afinal, o que têm em comum as realidades políticas de Portugal, Espanha, Itália e Grécia? Já perdi a conta a quantas vezes ouvi esta pergunta, nos últimos anos e meses. A resposta teria de ser dada por uma série de teses numa série de disciplinas (história, sociologia, economia, ciência política) e acabaria por ser algo como: tudo e nada, muito e muito pouco.

Vamos tentar algumas notas. O que estes países têm em comum — entre si e com muitos outros — é uma insatisfação com a falta de resposta que a política tem dado à crise. Ao contrário do século passado, essa insatisfação não se tornou anti-democrática. Pelo contrário: a insatisfação é com a falta de democracia dentro da democracia.

Isto não é único ao Sul da Europa, mas o que nós temos em suplemento é a noção de fazer parte de um conjunto. Nas eleições deste domingo em Espanha, a candidata vitoriosa da lista de convergência “Barcelona em Comum”, Ada Colau, disse no seu discurso que esperava que a mudança na sua cidade se estendesse a toda a Catalunha, à Espanha e ao Sul da Europa. Há uns anos esta consciência não era tão clara.

Estes países têm em comum também anos de hegemonia bipartidária nos seus sistemas políticas, e uma noção de que essa hegemonia tem beneficiado o centro e a direita. Pior: ao prolongar-se no tempo, essa hegemonia favorece a opacidade, a exclusão e a captura do estado por interesses privados.

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A partir daqui, as opiniões dividem-se. Qual é a melhor forma de superar isto? Através de uma substituição da hegemonia, ou através de um sistema político mais plural?

Na Grécia, a resposta do eleitorado foi a primeira. O PASOK implodiu e foi substituído pelo SYRIZA. Em Espanha, os primeiros sinais são de que o eleitorado pretende substituir o bipartidarismo por um sistema mais dinâmico, tirando partido da proporcionalidade para que os vários agentes políticos — mais tradicionais ou mais emergentes — se entendam.

Há ainda o modelo italiano, onde a incapacidade da oposição para se entender deu a Berlusconi a possibilidade de alterar o sistema eleitoral e atirar a esquerda para a oposição durante vinte anos. Possibilidade que não está nunca muito distante, em particular em Portugal, quando as elites institucionais começarem a ver que as maiorias absolutas são hoje quase impossíveis de obter.

Não basta, contudo, falar de entendimentos. Para nos entendermos teremos, primeiro, de nos libertar. Essa é talvez a lição mais interessante das eleições em Espanha, embora tenha passado despercebida. Mais do que assinalarem a vitória de um ou de outro partido, as eleições em Espanha marcaram o aparecimento de novas formas de fazer política, através de candidaturas de convergência construídas num modelo participativo, com primárias abertas para a escolha de candidatos e democracia deliberativa para a redação do programa.

Já se viu que este modelo consegue ganhar eleições. Agora chega o verdadeiro teste: conseguir governar melhor. E isso, neste caso, só será possível se a opção por mais abertura e mais democracia for genuína e se prolongar para lá das eleições. Esse é o último elemento em comum: não queremos só mais democracia, queremos mais responsabilização.

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