Governo desperdiça consenso parlamentar espontâneo sobre Lajes

CDS, PS e BE defenderam aposta na cooperação científica com EUA para criar “pólo de excelência” nos Açores. Ministros afastaram possibilidade.

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José Pedro Aguiar-Branco NUNO FERREIRA SANTOS

Por momentos, deu a impressão de que se estava a formar um consenso alargado na Assembleia da República que agregava partidos tanto de direita como de esquerda. A proposta foi colocada por mais de um grupo parlamentar, mas os dois ministros deixaram claro que não será essa a linha de actuação do Governo nas negociações com os Estados Unidos da América sobre a redução de efectivos militares na base das Lajes.

CDS, PS e BE defenderam esta terça-feira, no Parlamento, durante a audição conjunta dos ministros dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, uma “nova relação”, “outros mecanismos de cooperação” ou “soluções alternativas” que tirassem partido da localização dos Açores e beneficiassem o arquipélago e o país.

Foi o socialista Marcos Perestrello o primeiro a questionar os ministros sobre se não “seria de reforçar outros mecanismos da nossa cooperação” com os EUA, mas foi o deputado da maioria, Filipe Lobo d’Ávila, quem concretizou. Classificando a decisão dos EUA como uma “oportunidade para olhar para a relação de um forma diferente que não se limite ao plano militar”, o centrista avançou com a ideia de criar “um pólo de excelência universitária nos Açores”, que focasse nos sectores do Mar, da Energia e da Segurança.

A bloquista Mariana Aiveca retomou o tema para sustentar o interesse de explorar “a situação geográfica dos Açores noutra dimensão”, capaz de “de ser factor de desenvolvimento civil e económico” através do desenvolvimento dos “clusters existentes”.

Momentos antes, tanto Aguiar-Branco como Rui Machete haviam sublinhado a “importância” do “nível de concertação e articulação” que se havia criado entre Governo nacional e regional. Este último que, no seu Plano de Revitalização, defende a criação desse mesmo “pólo” de investigação e desenvolvimento ligado ao Mar na Universidade dos Açores.

Também o PSD, através de António Rodrigues, destacara a necessidade de “uma plataforma de entendimento” no Parlamento capaz de dar “suporte político” ao Governo nas negociações. Anunciaram mesmo uma resolução a apresentar para concretizar esse apoio.

Mas a resposta dos dois governantes refreou as expectativas. Embora admitindo mérito na ideia, Rui Machete fez questão de frisar que o foco do Executivo estava nas Lajes e no acordo bilateral. “Deveríamos e deveremos aproveitar para aumentar e expandir a cooperação”, começou por dizer o ministro dos Negócios Estrangeiros.

Só que, segundo Machete, introduzir essa questão nas reuniões bilaterais “seria dar a ideia de que estávamos à procura de contrapartidas”, avisou, antes de reconhecer que “outros aspectos” poderiam ser debatidos “depois” de fechado o dossier das Lajes. Também o ministro da Defesa defendeu que debater “novas oportunidades” de cooperação com os EUA “pode ser entendido de forma errada”.

E assim ficou claro que, do lado do Governo da República, essa não será matéria da próxima ronda da comissão bilateral que deverá realizar-se “entre Maio e Junho” – conforme precisou Machete – em Washington.

Para essa reunião, Machete e Aguiar-Branco apenas adiantaram de modo vago que pretendiam negociar o “fasear do calendário de saídas” de trabalhadores portugueses, abrira a porta ao financiamento da “requalificação” destes e impor o alargamento da rescisão por acordo mútuo a mais trabalhadores. Que tencionava exigir a “responsabilidade dos EUA pela descontaminação” das infraestruturas e espaços devolvidos. Que se debatessem mecanismos de “mitigação” do impacto sócio-econmómico da redução.

E acrescentaram que, para a “capacidade negocial” de Portugal, tinha sido muito importante o adiamento, por despacho do ministro da Defesa, de vários anteprojectos dos Estados Unidos para alterar a sua estrutura de edifícios na base das Lajes. Esses só seriam aprovados caso houvesse acordo para uma "solução global para todas as infraestruturas consideradas excedentárias".

A humilhação a Panetta
Os deputados da oposição não se mostraram satisfeitos. De forma subliminar, os socialistas Perestrello e Miranda Calha acusaram o Governo de gerir mal o dossier e até mesmo de tratar os EUA de forma sobranceira, prejudicando todos os esforços seguintes. Foi notório o embaraço de Machete depois de Miranda ter lembrado que em 2012 – quando o secretário de Defesa norte-americano, Leon Panetta, fez um périplo pelo Velho Continente, anunciando as reduções – “foi recebido por todos os primeiros-ministros da Europa”. “Menos em Portugal”, rematou. Branco justificou a situação com “dificuldades de agenda”.

Antes, já Perestrello havia questionado os governantes sobre porque é que que, apesar do acordo bilateral admitir “conversações anuais” entre ministros, estas não tinham acontecido ao “alto nível”.

Também a comunista Carla Cruz manifestou a sua impaciência sobre o mero “conjunto de intenções” com que o Governo partia para as negociações. “Não há nada de concreto”, concluiu depois de não ver respondida a questão sobre “que exigências em concreto” o Governo tencionava fazer aos EUA sobre a protecção dos trabalhadores.

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