Pena de morte no centro do julgamento sobre atentados em Boston

Djokhar Tsarnaev é acusado de 30 crimes, 17 deles puníveis com a pena capital. Defesa diz que o jovem suspeito de ter feito explodir duas bombas em Boston não terá um julgamento imparcial.

Djokhar Tsarnaev esteve presente no início da selecção do júri
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Djokhar Tsarnaev esteve presente no início da selecção do júri Jane Flavell Collins/Reuters
Uma das pessoas que poderá ser seleccionada para o júri
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Uma das pessoas que poderá ser seleccionada para o júri Gretchen Ertl/Reuters

Mais de 1200 habitantes do estado norte-americano do Massachusetts começaram nesta segunda-feira a chegar à cidade de Boston para serem avaliados como possíveis membros de um júri, num complexo passo que marca o arranque de um dos julgamentos mais importantes dos últimos anos nos Estados Unidos.

No banco dos réus senta-se o jovem Djokhar Tsarnaev, acusado de ter feito explodir bombas artesanais perto da linha de chegada da maratona de Boston em Abril de 2013, num atentado que fez três mortos e 264 feridos entre os espectadores – e mais dois mortos e 16 feridos poucos dias depois, durante uma perseguição policial acompanhada em directo pelas televisões norte-americanas. O seu irmão, Tamerlan Tsarnaev, também suspeito de ter cometido o atentado, foi morto durante a fuga à polícia.

Os números do processo reflectem a sua importância, tanto pelo crime que está em causa como pela possibilidade de Tsarnaev, agora com 21 anos de idade, vir a ser condenado à morte.

Acusado de 30 crimes, 17 deles puníveis com a pena capital (entre os quais "conspiração para usar uma arma de destruição maciça"), o jovem terá um de dois destinos, se vier a ser considerado culpado – ou a morte por execução através de uma injecção letal, ou a morte numa cadeia por condenação a prisão perpétua sem hipótese de liberdade condicional. No caso de ser condenado à morte, a execução terá lugar noutro estado, já que o Massachusetts é um dos 18 estados norte-americanos (mais o Distrito de Columbia) que não aplicam a pena capital – Djokhar Tsarnaev pode ser julgado e condenado à morte no Massachussets porque foi acusado no sistema judicial federal, que prevê a aplicação da pena capital.

Nos documentos entregues ao juiz George O'Toole, do tribunal federal de Boston, Djokhar Tsarnaev diz estar inocente de todas as acusações, mas os seus advogados vão ser confrontados pela acusação com uma montanha de documentos, incluindo chamadas telefónicas, fotografias e vídeos, que apontam para o seu envolvimento – mais do que a condenação ou a absolvição, a defesa preparou-se para uma batalha contra a pena de morte, que só poderá ser declarada se houver unanimidade entre os 12 cidadãos do Massachusetts que vierem a compor o júri.

Sentença no Verão
Só a escolha dos 12 jurados já é uma dor de cabeça burocrática e logística que deverá demorar semanas a passar, mas que pode também ficar ainda mais forte e provocar o adiamento de todo o processo.

Até quarta-feira, mais de 1200 habitantes da região Este do Massachusetts (a região onde está localizada a cidade de Boston, palco dos atentados) vão ser avaliados em grupos de 200 ao longo de seis sessões, três de manhã e três à tarde.

De fora deste processo inicial ficaram bombeiros, polícias, funcionários do governo federal e outras pessoas que veriam a sua actividade profissional prejudicada para além do razoável, com prejuízo para a sociedade, se viessem a ocupar um dos 12 lugares do júri que vai determinar a sentença de Tsarnaev.

À capital do estado do Massachusetts estão ainda a chegar centenas de pessoas, algumas de locais remotos como Nantucket, uma ilha habitada por 10.000 pessoas a mais de 40 quilómetros do continente – e que é também um dos pontos centrais do épico Moby Dick, de Herman Melville.

Durante esta semana, os 1200 pré-seleccionados vão preencher um inquérito com algumas perguntas eliminatórias – a mais importante delas é se o pré-seleccionado admite aplicar a pena de morte; se a resposta for negativa, o potencial jurado deixa de o ser e pode regressar a casa.

As estimativas avançadas por vários jornais norte-americanos indicam que o julgamento poderá arrastar-se até ao Verão, mas tudo pode complicar-se ainda mais se o juiz de Boston considerar que não há condições para reunir um júri imparcial entre o universo de 1200 candidatos – nesse caso, a defesa poderá mesmo ver atendida a sua pretensão de mudar o julgamento para outro estado, algo que foi negado numa primeira instância pelo juiz que preside ao julgamento e também por um tribunal de recurso.

Julgamento imparcial?
O argumento da defesa é que Djokhar Tsarnaev nunca poderá ter um julgamento imparcial no estado do Massachusetts, e em particular na cidade de Boston, onde muitos dos habitantes foram vítimas directas do atentado ou testemunhas de "publicidade esmagadoramente prejudicial antes do julgamento".

Quando negou a transferência do julgamento para outro estado, o juiz George O'Toole mostrou-se confiante de que o tribunal conseguirá encontrar "um número suficiente de jurados imparciais", mas a questão não foi tão pacífica quando chegou ao tribunal de recurso que analisa decisões em cinco distritos judiciais norte-americanos, entre os quais o de Massachusetts.

Na deliberação anunciada no passado sábado, o recurso dos advogados de Tsarnaev foi rejeitado por dois votos contra e um a favor. No voto vencido, o juiz Juan Torruella disse que não se sentia capaz de manifestar uma opinião: "Devido à complexidade das questões que foram levantadas, às montanhas de documentos que têm de ser lidos (que o governo diz ter mais de 9500 páginas), e às dificuldades logísticas que tivemos na recepção das provas, julgo ser impossível ler sequer uma pequena parte de todas as provas, quanto mais dar a atenção que merece um caso que envolve a pena de morte."

"O que eu sei é que o argumento de Tsarnaev de que toda a cidade de Boston e as suas áreas circundantes foram vitimizadas – como o provam o cerco à cidade e as imagens de elementos das equipas de intervenção rápida a percorrerem as ruas e a baterem de porta em porta em Watertown – é convincente", escreveu o juiz Juan Torruella, que deixou ainda uma forte crítica: "Um processo tão apressado e frenético é a antítese de um processo justo."

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