Três ataques em três dias alarmam França apesar dos apelos à calma do Governo

Uma pessoa morreu e nove ficaram feridas num segundo atropelamento, desta vez em Nantes. Primeiro-ministro afirma que incidentes são actos isolados e que a melhor resposta passa por "manter o sangue-frio e reforçar a vigilância".

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O Governo prepara-se para reforçar a segurança da polícia GEORGES GOBET/AFP

Um homem ao volante de uma carrinha atropelou intencionalmente 11 pessoas, matando uma, num mercado de Natal em Nantes, na segunda-feira à noite, no terceiro ataque em outros tantos dias em França. O Governo afirma que, tal como o condutor que na véspera atropelou 13 pessoas em Dijon, o atacante tinha problemas mentais e alega não existirem indícios de que os incidentes estejam relacionados, mas no país cresce o receio de que estes actos façam parte de um novo padrão de acções terroristas.

“Não há qualquer ligação” entre os ataques de Joué-lès-Tours, Dijon e Nantes, assegurou o primeiro-ministro francês, numa entrevista pela manhã à rádio Europe 1. Manuel Valls disse compreender “as preocupações legítimas” da população e garantiu que o executivo “não minimiza” a ameaça terrorista que o país enfrenta, contrariando as acusações feitas na véspera por Marine Le Pen. Mas o seu objectivo é “compreender o que se passou e definir a resposta mais eficaz possível”, o que passa por “manter o sangue-frio e reforçar a vigilância”.

Numa reunião de emergência, em que esteve também presente o Presidente, François Hollande, o Governo anunciou que 200 a 300 militares vão juntar-se aos 780 já mobilizados no quadro do dispositivo de segurança antiterrorista, estando previsto um reforço do patrulhamento dos locais mais frequentados nesta época natalícia, incluindo zonas comerciais, estações de metro e comboio e aeroportos. A polícia recebeu ordens para redobrar o nível de alerta e fazer “uso sistemático de equipamentos de protecção”.     

Em Nantes (centro-Oeste) poucas horas depois do ataque, o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, afirmou, tal como na véspera, que o atropelamento “parece obra de um desequilibrado”, o que, reconheceu, “torna estes actos mais difíceis de prever” do que os ataques planeados por indivíduos ou organizações ligadas ao terrorismo.

O que aconteceu no mercado de Natal montado no centro da cidade é uma cópia do que aconteceu, quase 24 horas antes em Dijon. “Uma carrinha surgiu na rua, evitou uma barraquinha onde serviam vinho quente e continuou o seu trajecto durante uma dezena de metros, atingindo vários peões”, escreveu o jornal local Presse Océan. Dez pessoas ficaram feridas, quatro com gravidade e uma delas acabou por morrer ao início da tarde desta terça-feira.

Com o automóvel já imobilizado, o condutor desferiu vários golpes no seu peito com uma faca, antes de ser detido pela polícia. Dele sabe-se apenas que tem 37 anos e era, tal como os autores dos outros dois ataques, conhecido das autoridades por “pequenos delitos”, incluindo um caso de roubo em 2006. A procuradora de Nantes, Brigitte Lamy, revelou que ao lado do condutor foi encontrado um caderno que fazia alusão a problemas psicológicos ou familiares.

“Trata-se de um caso isolado” e “não podemos falar de um acto de terrorismo”, mesmo que “não haja dúvidas sobre o carácter deliberado” do atropelamento, disse a procuradora, afirmando que, ao contrário do que chegou a ser noticiado, o atacante não gritou “Alla’hu Akbar” (Deus é Grande).

A exortação da fé muçulmana foi o traço comum nos incidentes registados nos dois dias anteriores. Bertrand Nzohabonayo, um jovem de 20 anos nascido no Burundi e convertido ao islamismo, entrou sábado à noite na esquadra de polícia de Joué-lès-Tours, um subúrbio de Tours (Centro), golpeando com uma faca três agentes, antes de ser morto a tiro. As autoridades dizem que era conhecido por delitos menores, mas um irmão tinha já sido sinalizado por ligações a grupos extremistas e, nos dias anteriores ao ataque, Nzohabonayo deu ele próprio sinais de radicalização ao colocar na sua página do Facebook um estandarte do Estado Islâmico.

Mas se as informações conhecidas de Nzohabonayo o aproximam do perfil de “lobo solitário”, um indivíduo radicalizado que, seguindo apelos de extremistas, ataca num local que conhece bem, há mais dúvidas em relação ao condutor de 40 anos que, domingo à noite, atropelou 13 pessoas, duas das quais com gravidade, em várias ruas do centro de Dijon (centro-Leste). Ao ser detido, gritou “Alla’hu Akbar” e terá dito que pretendia vingar a morte o sofrimento das crianças palestinianas e tchetchenas. Mas o procurador local descartou a hipótese terrorista, afirmando que o atacante, filho de mãe argelina e pai marroquino, tinha um “historial antigo e pesado de patologias psiquiátricas”, tendo estado internado 157 vezes desde 2001.

Há centenas de franceses a combater nas fileiras dos radicais do Estado Islâmico, grupo que nos últimos meses exortou todos os que não conseguirem viajar para a Síria e o Iraque a atacarem, “por todos os meios” nos seus países de origem. Recordando que a procuradoria abriu investigações contra 1200 pessoas por suspeitas de ligações ao movimento jihadista, Valls admitiu que “nunca França enfrentou um perigo tão grande em matéria de terrorismo”, mas insiste que o país “deve manter-se unido” e não dar uma vitória “aos que querem fragilizar a democracia”. Também Hollande pediu aos franceses que “não cedam ao pânico”, num tom repetido pela generalidade da imprensa.

Mas o apelo não chegou a Marine Le Pen, líder da Frente Nacional (extrema-direita) que acusou o Governo de “minimizar ao máximo os factos” por trás dos três “atentados”, dizendo que esta atitude levanta dúvidas “sobre se tem condições para lutar” contra a ameaça jihadista. Também o jornal Le Figaro, próximo da oposição de direita, quebrou o consenso denunciando a recusa da “esquerda direita-humanista” em ver o mesmo padrão nos três ataques, perpetrados por “loucos de Alá”.

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