Polémica sobre expulsão de imigrantes não deve travar novo triunfo do UKIP

Mark Reckless, o segundo deputado conservador a passar-se para o lado dos populistas, diz que as suas palavras foram distorcidas. Com o debate centrado na imigração, tories preparam-se para derrota que pode abrir novas brechas nas suas fileiras

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Apesar das polémicas, Farage tem vindo a somar vitórias Reuters

Era a polémica que faltava na votação que está a concentrar todas as atenções da política britânica. Em vésperas da anunciada vitória, Mark Reckless, o candidato do Partido da Independência (UKIP) às eleições intercalares de quinta-feira, sugeriu que, caso o Reino Unido abandone a União Europeia, os cidadãos comunitários que ali vivem há menos tempo poderão ter de deixar o país. Mark Reckless disse depois que as suas palavras foram distorcidas, mas com a imigração a dominar de tal forma a campanha não é claro se o repúdio que as suas palavras geraram entre os políticos terá consequências no desfecho da votação.

“Uma vez mais um candidato do UKIP deixou cair a máscara”, acusou Yvette Cooper, porta-voz do Partido Trabalhista para a administração interna, dizendo que as palavras de Reckless “parecem retiradas do manifesto do BNP”, o Partido Nacionalista Britânico cujo eleitorado foi canibalizado pelos populistas, mesmo que estes recusem qualquer comparação com a formação xenófoba. Mesmo entre os conservadores – que não param de seguir o trilho da formação liderada por Nigel Farage para tentar evitar a sangria de votos –, poucos perderam a oportunidade de colar o antigo colega de partido à ala direita mais extremista. “Não estou surpreendido por ver o UKIP a encontrar uma vez mais um terreno de entendimento comum com a Frente Nacional”, escreveu no Twitter o deputado Ben Gummer.

Reckless, eleito por Rochester (Sudeste de Inglaterra), foi o segundo deputado conservador a abandonar a bancada dos tories e a aderir ao partido de Farage, na ressaca da derrota nas eleições europeias de Maio. Tanto ele como Douglas Carswell pediram aos eleitores para lhes renovarem o mandato, mas se a reeleição de Carswell em Clacton (Leste), em Outubro, não constituiu surpresa – é muito popular no círculo que representa –, os tories acreditavam que conseguiriam manter Rochester. Irritado com a deserção, o próprio primeiro-ministro, David Cameron, assegurou que iria empenhar-se pessoalmente para que Reckless não voltasse a sentar “o seu rabo gordo de novo nas cadeiras de Westminster”, e nas últimas semanas visitou o círculo por cinco vezes.

A cidade costeira é, afinal, um terreno muito diferente daqueles onde o UKIP, com as suas políticas contra a UE e a imigração, mais tem crescido, recordou o Daily Telegraph. O círculo, escrevia nesta quarta-feira o jornal, tem um eleitorado mais jovem e mais instruído, um rendimento per capita muito acima da média e uma taxa de desemprego inferior ao de Clacton, uma região envelhecida e mais atingida pela crise económica.

No entanto, com o avançar da campanha tornou-se claro que também ali a agenda dos populistas encontra eco, sobretudo o discurso cada vez mais agressivo em relação aos imigrantes europeus. “Não sou racista, mas há estrangeiros que vêm para cá trabalhar por metade do dinheiro”, disse à AFP um operário da construção civil no desemprego. Mesmo sem as tensões que se vivem em zonas mais desfavorecidas, há na cidade um clima de quase histeria com os efeitos da imigração. “A perda de identidade é o grande medo das pessoas”, disse à agência francesa Bob Peters, o dono de uma livraria na cidade.

É neste clima que surgem as declarações de Mark Reckless. Questionado durante um debate, na terça-feira à noite, sobre o que iria acontecer ao canalizador polaco – figura que entrou no imaginário britânico como o protótipo do imigrante de Leste –, no caso de o Reino Unido sair da UE, como defende o UKIP, o deputado disse que terá de existir “um período de transição e provavelmente as pessoas que já estão no país devem ter direito a um visto de trabalho, pelo menos por um período determinado”. “Quem está cá há muito tempo e está integrado deve ser tratado mais benevolentemente”, acrescentou.

Confrontado nesta quarta-feira pela BBC, Reckless acusou os opositores de manipularem as suas palavras, garantindo que em momento nenhum defendeu a expulsão dos cidadãos comunitários. Farage veio em sua defesa e assegurou que um governo em que o UKIP tenha voz “irá respeitar a lei britânica”. “Quem veio para o país de forma legal tem o direito de permanecer cá.”

Mas com as sondagens a atribuir uma vantagem de 12 a 15 pontos a Reckless, é pouco provável que a polémica impeça o UKIP de conquistar o seu segundo assento no Parlamento britânico. Até porque a candidata conservadora, Kelly Tolhurst, não foi mais meiga quando, num panfleto distribuído porta a porta, afirma ter confrontado Cameron com “os danos que a imigração descontrolada provocou na região”. “Disse-lhe que precisamos de acção, não apenas de palavras”, escreveu.

O primeiro-ministro prometeu revelar nas próximas semanas as suas propostas de reforma da União Europeia, incluindo a introdução de mecanismos que permitam a Londres restringir a imigração comunitária, mesmo que os parceiros tenham avisado que não vão aceitar nada que viole o princípio da livre circulação de pessoas. Mas o discurso chegará tarde para influenciar os resultados em Rochester. Em privado, escrevem os jornais britânicos, responsáveis do Governo dão o círculo como perdido e na bancada dos tories fazem-se já apostas sobre quem será o próximo deputado a desertar para o UKIP na esperança de reeleição nas legislativas do próximo ano. Porque, como escreveu o Telegraph, uma vitória em Rochester “provará que Farage pode atrair quase toda a gente”.

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