Ex-administrador da Ferrostaal garante: "Não andámos a oferecer luvas"

Hans-Peter Muehlenbeck irritou-se com as referências à sua condenação, em Munique. O papel da Escom e do ex-cônsul Adolf dominaram esta longa sessão da comissão de inquérito à compra de material militar.

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Rui Gaudêncio

Ao fim de oito horas, o cansaço impera. Telmo Correia e João Semedo, sentados na sala 6 desde as 10 da manhã, chegaram a este ponto e envolveram-se numa querela. Afinal, como tinha sido tomada a decisão de prescindir dos serviços de tradução do parlamento? “Eu perguntei aos senhores deputados”, afirmou o presidente da comissão, deputado do CDS. “A mim não me perguntou”, queixou-se o coordenador do BE.

Esta foi, aliás, a razão para um atraso de cerca de hora e meia no início dos trabalhos da comissão que investiga as contrapartidas militares. Ainda não eram 10 horas e já o germânico Hans-Peter Muehlenbeck, 76 anos, acompanhado por duas advogadas e um advogado, esperavam para entrar.

Muehlenbeck é um ex-dirigente da Ferrostaal, empresa alemã que integrava o consórcio GSC que, em 2004, vendeu dois submarinos ao Estado português. Em Dezembro de 2011, foi um dos dois quadros da Ferrostaal condenados, em Munique, a dois anos de prisão, com pena suspensa, por suborno de responsáveis portugueses e gregos, precisamente no negócio dos submarinos.

Apesar de residir em Cascais, Muehlenbeck não só não fala português, como só recebeu a notificação “na segunda-feira”, esclareceu. Na manhã de sexta-feira, não havia tradutor para a inquirição.

Durante mais de uma hora, Telmo Correia tentou que os serviços do Parlamento encontrassem um tradutor. Até que sugeriu um “plano B”: pedir a uma das advogadas da testemunha, Raquel Valente, que traduzisse as perguntas dos deputados e as respostas do seu cliente.

E era isto, precisamente, que João Semedo questionava, no fim dos trabalhos: essa podia ter sido uma solução de recurso para evitar mais atrasos, mas não devia ter sido usada ao longo das seis horas que durou a sessão. A certo ponto, a advogada, alegou Semedo, devia ter sido substituída na tarefa da tradução por alguém ao serviço do Parlamento, porque “não faz sentido que as testemunhas providenciem a sua própria tradução”.

Este foi um dos episódios do dia. O outro foi a falta de quórum que, a certa altura, impediu os trabalhos de prosseguirem. Não estavam na sala os deputados suficientes (nove, de três grupos diferentes).

Enquanto durou - cerca de seis horas, com esta referida pausa forçada para almoço graças ao quórum - a audição esclareceu algumas dúvidas. Muehlenbeck negou qualquer corrupção em Portugal: “O caso alemão não tem nada a ver com a alegada corrupção de entidades oficiais portuguesas. Não é verdade.”

Para este ex-dirigente da Ferrostaal, que confessou os crimes por considerar “ser a melhor opção”, para si, “nesta fase da vida”, tudo se resume a um entendimento, “errado”, da procuradoria de Munique sobre o papel de um só dignitário do Estado português: Jürgen Adolf, o cidadão alemão, ex-cônsul honorário de Portugal em Munique, que foi contratado pela Ferrostaal, a troco de 1,6 milhões de euros, para ajudar a vender os submarinos em Portugal.

Muehlenbeck confirmou ter contratado Adolf, e que este tinha promovido vários encontros com responsáveis políticos portugueses. “Conseguiu uma reunião ao almoço em honra de Durão Barroso com o senhor Haun [Johann-Friedrich Haun, seu superior hierárquico na Ferrostaal, também condenado na Alemanha, no mesmo processo].” Nessa ocasião, continuou, a mensagem era clara: “Queremos vender estes submarinos, por favor dê-nos o seu apoio.”

O mesmo se terá passado quando Adolf “foi buscar o doutor Portas [Paulo Portas, na altura ministro da Defesa] ao aeroporto, em Munique, e o levou ao hotel”. Esse é o encontro que Portas, nesta mesma comissão, havia relatado, com algum sarcasmo, quando depôs, em 18 de Julho:  "O meu chefe de gabinete disse-me que o cônsul era uma pessoa especialmente maçadora e que não devíamos jantar com ele.”

José Magalhães, do PS, ironizou num aparte, para Filipe Lobo D’Ávila, CDS: “E o facto de ser maçador é até contra-indicado, porque pode irritar o comprador.”

Muehlenbeck admitiu ter tido uma única reunião com Paulo Portas, numa “fortaleza no Guincho”, em que não lhe foi sugerida nenhuma alteração no contrato de contrapartidas.

O terceiro encontro, organizado por Adolf, foi “uma reunião no escritório de Mário David [ex-eurodeputado do PSD e ex-assessor de Barroso, quando este era primeiro-ministro] para apresentar a este senhor uma solução financeira para o Estado financiar a aquisição dos submarinos”.

Sobre a Escom, e a razão para que tenha sido escolhida como consultora do GSC, a testemunha pouco adiantou, além de ligeiras contradições com os testemunhos de Miguel e Luís Horta e Costa. Sobre os pagamentos, de 30 milhões de euros, nada…

Em Março, uma investigação do Expresso encontrou o rasto do dinheiro pago pelos alemães à Escom UK (empresa do grupo Espírito Santo), que circulou por off-shores, e que os investigadores suspeitavam poder ter sido destinado a pagar “luvas” a políticos portugueses - ou a financiar ilegalmente o CDS.

Em Março passado, aquele semanário, citando fontes oficiais suíças, revelou que o dinheiro da Escom apareceu em contas “de três membros do Conselho Superior do Grupo Espírito Santo”. Esse Conselho é composto quase exclusivamente por membros da família Espírito Santo.

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