Manuel Valls vai formar novo Governo em França após críticas internas à austeridade

Primeiro-ministro apresentou demissão do executivo e tem instruções para formar uma nova equipa "coerente com as orientações" definidas pelo Presidente.

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A queda do Governo de Valls surge depois de críticas do ministro da Economia ao Presidente Hollande AFP/ PATRICK KOVARIK

Divisões sobre a política de austeridade levaram a uma crise política em França: depois de ninguém menos do que o ministro da Economia criticar a política económica do Governo, o chefe do Executivo apresentou a demissão de todo o Governo, sendo de seguida encarregado de formar uma nova equipa. Os ministros deverão ser apresentados esta terça-feira e analistas sublinham que o desafio do Presidente, François Hollande, é conseguir a sua aprovação na Assembleia Nacional.

As declarações do ministro da Economia, Arnaud Montebourg, foram fortes e repetidas. Sábado, numa entrevista do diário francês Le Monde, criticou “a redução dogmática do défice, que nos conduz à austeridade e ao crescimento contínuo do desemprego”, disse que era preciso “levantar a voz” contra a política de austeridade e ainda declarou que a Alemanha estava refém dessa política “que impõe a toda a Europa”. Mas a França, continuou, “não tem vocação de se alinhar pelos axiomas ideológicos da direita alemã”.

Domingo, responsáveis diziam que Arnaud Montebourg tinha ultrapassado “uma linha amarela”. Mas ele não desarmou. No encontro que marcou a rentrée dos socialistas, voltou ao tema: “Chegou a altura de termos uma liderança alternativa, um motor alternativo”, defendeu.

Nesta segunda-feira, em declarações à radio Europe 1, disse que não se arrependia do que dissera e evocou “apelos mundiais à correcção de erros de política económica.”

Pouco depois, quando o cenário era o de remodelação do Governo, surge a surpresa: afinal o executivo demite-se, e o primeiro-ministro recebe a incumbência de escolher “uma equipa coerente com as orientações” de Hollande, segundo uma mensagem do Eliseu.

O Governo de Valls será um dos mais curtos tirando os casos em que a queda foi forçada por eleições, nota a revista Nouvel Observateur: neste caso, o motivo foi uma crise política.

Valls, um popular ministro do Interior, foi nomeado por Hollande para a chefia do Governo após o desastre dos socialistas nas eleições locais e regionais em Março, onde a direita e sobretudo a extrema-direita acumularam vitórias.

No entanto, a maldição da baixa popularidade parece ter-se apoderado também do primeiro-ministro. O Presidente Hollande tem batido recorde após recorde de baixa popularidade, com uma taxa de aprovação de apenas 17%, um mínimo histórico, e Valls está com uma aprovação de 36% (menos 20 pontos percentuais do que tinha há três meses). França está incapaz de respeitar os limites do défice, não regista qualquer crescimento há meses, e o desemprego está a bater nos 10%, um recorde.

Hollande tinha acabado de dizer, na semana passada, que iria manter o seu “pacto de responsabilidade”, um plano de três anos que prevê cortes no investimento público para financiar um alívio fiscal para as empresas. Mas os críticos dizem que as empresas não usaram o que pouparam com os cortes nos impostos para investir, e a economia mantém-se estagnada.

Analistas dizem que Hollande poderia ter optado por uma remodelação do Governo, mas não o quis fazer para minimizar as hipóteses de Montebourg levar consigo os deputados rebeldes. Ao serem chamados a aprovar o Governo, os deputados ficam com uma maior responsabilidade, a de forçar o Presidente a ordenar a dissolução do Parlamento. Algo que já foi pedido pela oposição, tanto da UMP (União para um Movimento Popular), do antigo Presidente Sarkozy, e pela Frente Nacional, de Marine Le Pen.

O maior desafio é agora a manutenção da maioria na Assembleia Nacional, já que muitos deputados do PS se revêm nas críticas do ministro da Economia e querem uma mudança de rumo.

“A crise não acabou, está agora a começar”, comentou o perito constitucional Dominique Rousseau em declarações ao Libération. “Não podemos excluir que o Governo seja chumbado por uma maioria no Parlamento.”

Muitos deputados poderão, por outro lado, não querer forçar a queda do Governo. Hollande enfrenta de qualquer modo a possibilidade de Governar os próximos dois anos e meio “sem uma maioria clara e estável”, avisava o economista do BNP Paribas Dominique Barbet.

É preciso ainda ver este assomo retórico do ministro da Economia (embora não seja a primeira vez que é crítico) no contexto da preparação às presidenciais de 2017, com Montebourg, que já disputou a liderança do PS em primárias, a perfilar-se como um candidato dos socialistas.

Já depois do anúncio da demissão de Valls, Montebourg voltou a criticar as políticas de austeridade e subiu o tom: “São injustas porque atacam as classes média e popular que não são responsáveis pela crise”. “Continuar, insistir nesta via, é pôr em perigo a República”, dramatizou.

O ainda ministro agradeceu a dois colegas, Aurélie Filippetti (Cultura e Comunicação) e Benoît Hamon (Educação), no que foi visto como um sinal de que estes não fariam parte do novo Executivo.

Alvo das críticas de Montebourg, a chanceler alemã, Angela Merkel, de visita a Espanha esta segunda-feira, recusou-se a comentar o assunto por ser uma “questão interna” da França, desejando sucesso ao Governo francês com o seu programa “corajoso” de reformas. Já na conferência de imprensa conjunta, o primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy defendeu que “é preciso continuar as políticas de rigor orçamental” e Merkel concordou com a necessidade de “combinar o rigor orçamental com as reformas”. 

 

  

 

  

  

  

  

 

  

  

  

  

 
 


 

 

   


 

 

 

 

 

 
 

 

 

 

 

 

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