Bairro de lata na capital da Libéria é o epicentro do pior cenário do ébola

Monróvia enfrenta o surto com cada vez menos comida, combustível, bens básicos e um sistema de saúde depauperado. Missionários norte-americanos que tiveram ébola saíram ontem do hospital.

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Polícia impede os habitantes de sairem de West Point, um bairro em quarentena na capital da Libéria Reuters
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À esquerda, lojas fechadas em West Point devido à quarentena para travar o surto Zoom Dosso/AFP
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Kevin Brantley na conferência de imprensa, nesta quinta-feira, com a sua mulher Amber, ao lado Tami Chappell/Reuters
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Uma equipa da Unicef em Freetown, Serra Leoa, numa acção de alerta sobre o vírus Issa Davies/Reuters (arquivo)
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Mercado de West Point vazio depois dos confrontos James Harding Giahyue /Reuters
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Polícia impede os habitantes de sairem de West Point, um bairro em quarentena na capital da Libéria Reuters
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Centro de tratamento do ébola nos arredores de Monróvia Ahmed Jallanzo/Unicef/Reuters

O vírus do ébola caiu no meio do medo, da desinformação e da desconfiança, e foi o rastilho para desacatos num bairro de Monróvia, capital da Libéria, o país onde o pior surto de sempre desta febre hemorrágica está a fazer mais vítimas. Dezenas de milhares de pessoas acordaram isoladas esta semana em West Point, um bairro de lata na capital que tinha sido posto em quarentena na noite anterior. Um grupo de pessoas tentou furar a quarentena, atirando pedras, e foi travada pela polícia que disparou balas e atirou gás lacrimogénio. Pelo menos quatro pessoas ficaram feridas, segundo a agência Reuters.

“Saímos de casa e não podíamos ir a nenhum local. Não ouvi de nenhuma autoridade o que aconteceu”, disse na quarta-feira um dos habitantes identificados pela Reuters apenas por Barry, de 45 anos. Algumas províncias no Norte da Libéria já estavam em estado de quarentena, e a capital tem recolher nocturno obrigatório. As medidas de quarentena estão contempladas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde que declarou, a 8 de Agosto, o estado de “emergência de saúde pública de âmbito internacional” em relação ao surto do ébola em África Ocidental.

Há já 2357 casos e 1350 mortes espalhados pela Guiné-Conacri, Libéria, Serra Leoa e Nigéria, segundo a OMS. Os surtos de ébola nunca tinham atingido uma capital no passado, mantinham-se normalmente em povoações mais ou menos remotas. A densidade populacional nas grandes cidades permite mais contactos entre pessoas e facilita o contágio. Há cerca de um milhão de pessoas em quarentena por causa do surto e a OMS já pediu ajuda alimentar ao Programa de Alimentação Mundial para todas estas pessoas.

Mas em West Point há uma enorme desconfiança e surge todo o tipo de especulações. Um habitante disse à Reuters que o Governo tinha fechado o bairro para trazer a doença lá para dentro.

Shakie Kamara, um adolescente de 15 anos, foi ferido no tornozelo durante os desacatos no bairro de quem não queria cumprir a quarentena, de acordo com o jornal norte-americano New York Times. “Isto está um caos”, desabafou o tenente-coronel Abraham Kromah, chefe das operações da polícia da Libéria, ao olhar para o adolescente. “Eles feriram um dos meus polícias. Isso não é bom. É um grupo de criminosos que fez isto. Olhem para esta criança. Deus nos ajude.”

Cada vez menos companhias aéreas estão a voar para os países afectados pelo surto e a OMS alertou que o combustível, os alimentos e os bens básicos começam a faltar. Na capital da Libéria há outro problema. “A emergência dentro da emergência é o colapso do sistema de saúde”, explicou Joanne Liu, presidente dos Médicos Sem Fronteiras, citada pelo New York Times. “As pessoas não têm acesso aos cuidados de saúde básicos.”

Nesta quinta-feira, soube-se que os dois missionários norte-americanos infectados pelo vírus do ébola na Libéria, e que voltaram depois para os EUA no início de Agosto, já tiveram alta do Hospital da Universidade de Emory, em Atlanta. “Estou agradecido a Deus para sempre por me ter poupado a vida”, disse ontem Kent Brantly, médico de 33 anos, aos jornalistas. Nancy Writebol, de 59 anos, já tinha deixado o hospital na terça-feira, e encontra-se com o marido em local não divulgado.

Os dois norte-americanos receberam um medicamento experimental chamado ZMapp contra o vírus do ébola, nunca antes testado em seres humanos. Outros três médicos africanos, na Libéria, também receberam o ZMapp, e têm tido melhoras. Ainda é cedo para dizer que Kent Brantly e Nancy Writebol conseguiram ver-se livres do vírus devido ao medicamento experimental. “A resposta honesta é que não fazemos ideia”, disse Bruce Ribner, director da unidade de doenças infecciosas do hospital de Atlanta, aos jornalistas. Para o médico, a “chave” de qualquer tratamento do ébola é um acompanhamento médico agressivo. Ostocks do ZMapp já estão esgotados

A OMS revelou nesta quinta-feira uma reunião para 4 e 5 de Setembro sobre tratamentos e vacinas em fase muito experimental para o ébola. A organização deu o aval ético para o uso de tratamentos experimentais contra o ébola.

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