OMS admite uso de tratamentos experimentais contra o ébola

Libéria vai receber soro experimental contra o ébola numa altura em que o número de mortes provocadas pelo vírus supera a barreira dos mil.

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A progressão do surto tem sido mais rápida na Libéria, onde só em 48 horas morreram 29 pessoas Reuters

A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera ético o uso de terapias e vacinas experimentais contra o ébola. Uma declaração divulgada nesta terça-feira pela OMS refere a necessidade de os tratamentos serem aplicados com total transparência e considera uma “obrigação moral” recolher e partilhar toda a informação dos resultados da utilização dos tratamentos para se compreender a sua segurança e eficácia.

“Dadas as circunstâncias particulares deste surto (…), o painel chegou a um consenso de que é ético oferecer intervenções que ainda não foram comprovadas com eficácia e efeitos adversos desconhecidos, como um potencial tratamento ou prevenção” do ébola, lê-se na declaração publicada no site da OMS.

O documento é o resultado de uma reunião de segunda-feira convocada pela OMS, em Genebra, com especialistas em ética de vários países, em resposta aos pedidos crescentes da utilização dos tratamentos experimentais disponíveis contra o ébola, numa altura em que mais de 1000 pessoas já morreram devido ao pior surto de sempre desta febre hemorrágica que afecta quatro países da África Ocidental.

A OMS definiu ainda critérios para o uso destes tratamentos como a “transparência sobre todos os aspectos de cuidado [médico], o consentimento informado, a liberdade de escolha, a confidencialidade, o respeito pela pessoa, a preservação da dignidade e o envolvimento da comunidade”.

A organização defendeu ainda ser uma “obrigação moral” recolher e partilhar toda a informação sobre os tratamentos e vacinas de modo a “compreender a segurança e a eficácia destas intervenções” e sublinhou o “dever moral” de se realizarem ensaios clínicos dos tratamentos e vacinas para “provar em definitivo a eficácia e segurança ou dar provas de que é necessário parar com a utilização”. Um documento mais completo sobre a reunião irá ser tornado público a 17 de Agosto.

Libéria vai receber tratamento experimental
A Libéria vai receber algumas doses do soro experimental que foi usado em dois pacientes norte-americanos infectados com o ébola, anunciou o Governo de Monróvia. Segundo um comunicado divulgado a noite passada pela presidência liberiana, o envio do soro foi aprovado pela Casa Branca e a FDA (a agência que controla os medicamentos nos EUA) e deverá ser entregue ainda esta semana em Monróvia por um representante do Governo norte-americano. 

No entanto, um responsável do Departamento de Saúde norte-americano assegurou à agência Reuters que Washington se limitou a mediar os contactos entre o Governo liberiano e a farmacêutica que produz o soro, conhecido pela sigla Zmapp. “Como o medicamento tinha de ser levado para fora dos EUA era necessário seguir os protocolos de exportação previstos”, explicou.

A Libéria acrescenta que recebeu autorização da directora-geral da OMS, Margaret Chan, para importar o medicamento, que planeia administrar a dois médicos que foram infectados quando tratavam outros doentes.

Não existe actualmente qualquer cura ou vacina contra o ébola, um vírus com elevada taxa de mortalidade, apesar de várias drogas terem sido testados nos últimos anos. No entanto, dois pacientes norte-americanos a quem foi administrado o soro — um cocktail de anticorpos destinado a bloquear o vírus — registaram melhorias significativas, o que levou as autoridades de vários países a pedir o acesso ao medicamento, ainda que ele não tenha sido sujeito previamente a testes em humanos nem a sua eficácia esteja comprovada.

Além dos dois norte-americanos, um médico e uma missionária infectados na Libéria, o soro foi também já administrado ao padre espanhol Miguel Pajares, que chegou na semana passada a Madrid num avião especialmente fretado por Madrid.

A Mapp Biopharmaceutical revelou na segunda-feira ter esgotado as doses disponíveis do soro depois de ter enviado as últimas que tinha em stock para um país africano. Antecipando as críticas, garante que está a fornecer o medicamento “em todos os casos sem custos”.

Apesar das expectativas, o uso de drogas que não foram sujeitas aos ensaios clínicos protocolares levanta sérias dúvidas — a BBC recorda que, em 1996, a Pfizer testou um medicamento contra a meningite durante um surto na Nigéria, mas acabaria processada depois de 11 crianças incluídas no ensaio terem sofrido danos cerebrais. No entanto, vários especialistas no ébola defenderam que, face à elevada mortalidade do actual surto, o uso de medicamentos não testados previamente em humanos deve ser equacionado pelos responsáveis de saúde.

A OMS anunciou, entretanto, que o surto surgido em Fevereiro na Guiné-Conacri matou já 1013 pessoas nos quatro países com casos já confirmados, com 52 novas mortes registadas apenas entre os dias 7 e 9 deste mês. A Libéria é o país onde o ébola mais se tem propagado nos últimos dias, com 45 novas infecções registadas e 29 mortos, a que se juntam mais seis vítimas na Guiné e 17 na Serra Leoa. Na Nigéria, o mais populoso país de África, a OMS não contabilizou novas infecções ou mortes durante este período, mas na segunda-feira o ministério da Saúde local confirmou três novos casos, elevando para dez os infectados em Lagos, a maior cidade do país.

 

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