Barack Obama anuncia o envio de 300 conselheiros militares para o Iraque

O Presidente norte-americano optou por uma cooperação militar reduzida com Bagdad, em lugar de raides aéreos. Age com alguma relutância e sob a ameaça de implosão do Estado iraquiano

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Presidente confirmou que americanos não voltarão a combater no Iraque Kevin Lamarque /Reuters

O Presidente Barack Obama anunciou nesta quinta-feira, numa declaração na Casa Branca, que os Estados Unidos se propõem enviar 300 conselheiros militares para apoiar o Exército iraquiano no combate aos jihadistas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS). Mas frisou: “Os soldados americanos não voltarão a combater no Iraque.” Apostando na diplomacia, o secretário de Estado, John Kerry, fará uma digressão pela Europa e pelo Médio Oriente. De momento, não estão previstos raides aéreos, como tinha pedido o governo de Bagdad.

Os EUA darão prioridade à defesa do seu pessoal diplomático. Aumentarão o apoio às forças iraquianas e reforçarão a recolha de informação, a vigilância e o reconhecimento em particular do ISIS, propondo-se cooperar estreitamente com o Iraque neste campo. Propõem ainda uma parceria em matéria de contraterrorismo. Serão reforçados os meios militares americanos na região. O Presidente trabalhará com o Congresso para promover assistência militar ou no caso de “acção no estrangeiro”.

Obama apelou aos dirigentes iraquianos que “integrem” todas as comunidades do país no processo político para responder à ofensiva jihadista. Interrogado sobre a exigência da demissão do primeiro-ministro iraquiano, repetida nos últimos dias por congressistas, respondeu: “Não nos compete escolher os líderes iraquianos.”

O problema Maliki
Na quarta-feira, o governo iraquiano de Nouri al-Maliki pediu aos Estados Unidos uma intervenção aérea contra as forças do ISIS, forçando Obama a responder. Os americanos consideram que no Iraque há dois problemas: a ofensiva do ISIS mas também Maliki, a quem atribuem a responsabilidade pela marginalização política dos sunitas e, indirectamente, pelo actual e violento surto jihadista.

Dois senadores, a democrata Dianne Feinstein e o republicano John McCain, apelaram no mesmo dia à demissão de Maliki. Jay Carney, porta-voz de Obama, demarcou-se desta posição: “É algo que deve ser decidido pelo povo iraquiano e não pelos Estados Unidos ou outra nação estrangeira.”

Esta quinta-feira, Maliki garantiu que não tenciona demitir-se como condição para conseguir os raides americanos.

Nos últimos dois dias a Casa Branca pressionou o primeiro-ministro xiita a mudar a sua política. O vice-presidente Joe Biden falou com ele por telefone, insistindo na necessidade de um governo de unidade, englobando os políticos de todas as comunidades — xiitas, sunitas e curdos. Assegurou-lhe em troca “a solidariedade dos Estados Unidos com todas as comunidades na luta contra o ISIS”. Biden conversou também com o líder parlamentar sunita, Osama Nujaifi, e com o presidente curdo, Massud Barzani.

Numa audição no Senado, na quarta-feira, o general David Dempsey, chefe do Estado-Maior Interarmas, não se coibiu de declarar: “Não se pode esquecer o grau em que o governo do Iraque negligenciou os seus. É isso que está na origem do problema actual.” O Governo de Bagdad tem ignorado todos os avisos americanos e de países árabes, frisou. O mesmo disse o secretário da Defesa, Chuck Hagel.

O papel americano
Os americanos querem evitar um afrontamento generalizado entre xiitas e sunitas, porta para a guerra civil e uma crise em toda a região. A ofensiva do ISIS não se traduz apenas em terrorismo brutal e num projecto de Estado islamista. Está a funcionar como detonador do conflito entre xiitas e sunitas. A formulação mais brutal do problema americano coube ao general David Petraeus, o antigo comandante americano no Iraque: “Os Estados Unidos não podem ser uma força aérea por conta das milícias xiitas ou de um xiita no seu combate contra árabes sunitas.” O “xiita” no singular é obviamente Maliki.

Tanto Dempsey como analistas militares assinalaram as limitações e riscos dos raides aéreos. Mas a questão não é militar. É política. Uma acção militar terá previsivelmente efeitos opostos consoante a natureza do governo de Bagdad. No entanto, Maliki tem uma sólida base de apoio entre os xiitas e o Iraque está numa situação de emergência. A tese de condicionar o apoio militar à prévia mudança do governo tornou-se irrealista. Mas permanece “em cima da mesa”.

Escreve, na Foreign Affairs, o analista iraquiano Omar Al-Nidawi, um crítico de Maliki: “A melhor solução seria uma vitória militar do governo central a curto prazo, para lançar uma reforma política a médio prazo. Maliki tem de concordar tanto com uma partilha do poder com os sunitas como aprovar a descentralização e o federalismo previstos na Constituição.”

Sublinha Al-Nidawi que os Estados Unidos terão um papel essencial não apenas para ajudar a preencher o actual “vazio de segurança” e para conter as tentações de intervenção dos vizinhos, designadamente o Irão, a Arábia Saudita ou a Turquia.

A opinião pública americana é hostil ao “regresso” ao Médio Oriente. Mas o Iraque está em risco de guerra civil ou de implosão, o que não permite a Washington a indiferença. É o sentido da intervenção de Obama.

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