No referendo de Donetsk só os "burgueses" vão votar "não"

O “sim” pode ter diferentes motivações. Governo de Kiev e Ocidente temem repetição do “cenário Crimeia”.

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Preparação de boletins de voto em Donetsk Genya Savilov/AFP

A crise na Ucrânia vive domingo mais um dia de tensão e nervosismo. Os pró-russos que controlam em grande medida as regiões de Donetsk e Lugansk convocaram um referendo que é mais um desafio à autoridade do Governo central e pode ter consequências importantes, quer para o futuro do país quer para as relações entre a Rússia e o Ocidente.

Os pró-russos do Leste da Ucrânia afadigavam-se este sábado nos preparativos. Até ao fim da tarde não tinham voltado a ocorrer confrontos violentos como os de sexta-feira em Donetsk e Mariupol – cidade onde foram mortas 20 pessoas, segundo o ministro do Interior, Arseni Avakov. Mas, apesar da aparência de calma relatada pelas agências, a tensão é grande. Além do mais, as autoridades de Kiev não renunciaram às tentativas de retomar o controlo das áreas sublevadas.

Um episódio revelador do nervosismo foi a detenção por pró-russos, em Donetsk, ainda na noite de sexta-feira, de sete elementos da Cruz Vermelha, incluindo um francês. O grupo foi acusado de espionagem mas acabou por ser libertado, na madrugada de ontem.

Os rebeldes do Leste da Ucrânia estão certos de que o escrutínio – que decidiram levar para a frente apesar de o Presidente russo, Vladimir Putin, ter falado em adiamento – irá ao encontro das suas pretensões e pode abrir caminho a uma ligação à Rússia da região industrial de Donbass, onde vivem 7,3 milhões de pessoas. Viatcheslav Ponomarev, auto-proclamado presidente da câmara de Slaviansk, um dos bastiões rebeldes, admite votos “não”, os dos “burgueses”.

O referendo na “República Popular de Donetsk”  e na de Lugansk é considerado ilegal pelo Governo interino de Kiev e pelos países ocidentais, que temem a repetição do “cenário Crimeia”, onde, em Março, um referendo que também consideram irregular “carimbou” a anexação da província por Moscovo.

O que se sabe sobre uma votação sem garantias de independência, e que o diário francês Le Monde assemelhou a um “golpe de força”, dá-lhe contornos surreais. A intenção dos pró-russos é, segundo informações prestadas à Reuters, instalar urnas em 53 lugares, onde os votos serão contados. Depois, as urnas serão levadas para as capitais regionais, tendo de passar por barreiras levantadas quer por militantes antigovernamentais quer por forças fiéis ao governo de Kiev, incumbidas de os desalojar. A divulgação de resultados está prevista para segunda-feira.

“Sim” pode ter vários sentidos

Repórteres da Reuters deram conta, este sábado, de incerteza sobre o real significado de um “sim” à pergunta feita a um número estimado em mais de três milhões de potenciais eleitores: “Apoia a declaração de autogoverno da República Popular de Donetsk?"  Para uns, em Donetsk como em Lugansk, o “sim” é um voto favorável ao reforço dos poderes locais. Para outros trata-se de dar força a uma solução federalista no seio da Ucrânia. Finalmente há quem olhe para o referendo como um passo para a integração na Rússia.

Roman Liaguine, presidente da comissão eleitoral, citado pelo Monde, explicou que em caso de vitória do “sim”, domingo, 12 de Maio, as regiões “soberanas” de Donetsk e Lugansk continuarão a fazer parte da Ucrânia mas reservam-se o direito de, caso o governo de Kiev não concorde com as reformas que consideram necessárias, pedir a integração a Moscovo.

O Presidente interino da Ucrânia, Oleksander Turchinov, disse que votar “sim” é caminhar para o desastre e apelou à realização de uma “mesa redonda” sobre maior autonomia,  em que não participariam os “terroristas” que mantêm ocupados edifícios públicos e esquadras de polícia. “Seria um passo para o abismo para essas regiões”, escreveu no seu site. Para o Governo de Kiev, tão ou mais importante do que o referendo de hoje são as eleições presidenciais de dia 25 de Maio, vistas como decisivas para legitimar o poder interino que sucedeu à queda do Presidente pró-russo Viktor Ianukovich, em Fevereiro.

O Ocidente dá também enorme importância a esse acto eleitoral. A chanceler alemã, Angela Merkel, e o Presidente francês, François Hollande, reafirmaram este sábado a opinião de que o referendo não tem legitimidade, mas focaram-se principalmente nas presidenciais e avisaram que a Rússia sofrerá “consequências apropriadas” se as suas acções impedirem a realização das eleições, dentro de duas semanas.  

O que aconteça este fim-de-semana  poderá, antes disso, influenciar os próximos desenvolvimentos. Segunda-feira, os ministros europeus dos Negócios Estrangeiros reúnem-se em Bruxelas e na agenda está o possível agravamento de sanções contra pessoas e instituições russas.

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