Nem mais um dado bancário para os EUA, propõem eurodeputados
Parlamento Europeu vota recomendação para suspender acordos com Estados Unidos enquanto NSA não provar que não espia Europa.
O Parlamento Europeu vota hoje um relatório que propõe a suspensão do acordo sobre a transferência de dados bancários entre a Europa e os Estados Unidos e do acordo “porto seguro” enquanto não houver a certeza absoluta de que a Agência Nacional de Segurança norte-americana (NSA) já não faz espionagem sobre cidadãos europeus.
Os problemas não são de agora, realça o relator, o eurodeputado trabalhista britânico Claude Moraes. Algumas das falhas foram já apontadas em 2001, num inquérito ao programa Echelon. Mas as recomendações de então nunca foram concretizadas – e esse desleixo deveria ter servido de “lição”, afirma. A intenção é que a curto prazo seja de facto posto em prática o que o relator apelida de “habeas corpus digital europeu”, de forma a proteger os direitos fundamentais dos cidadãos na era digital.
A proposta dos eurodeputados vem no seguimento do inquérito lançado no âmbito da comissão parlamentar das Liberdades Cívicas depois do escândalo de espionagem revelado por Edward Snowden. Moraes, a par de outros eurodeputados, defendeu esta terça-feira que o Parlamento Europeu deve ter uma atitude frontal, unida e de força perante os Estados Unidos, aprovando a recomendação de suspender diversos acordos.
“As regras de protecção de dados e das pessoas têm que ultrapassar a geografia”, defendeu, por seu turno, a comissária Vivianne Reding. Outra crítica permanente no debate de ontem foi dirigida ao Conselho Europeu que, apontou o eurodeputado português Carlos Coelho, seguido por outros parlamentares de diversas proveniências políticas, “guardou um cúmplice e embaraçoso silêncio”. “Perderíamos a credibilidade se fingíssemos que nada aconteceu”, reforçou.
Para além da suspensão do acordo sobre a transferência de dados bancários com os EUA, nesta agenda digital proposta pelos eurodeputados está a criação de um programa europeu para a protecção de autores de denúncias, como foi o caso de Snowden, assim como a adopção urgente ainda este ano, na União Europeia, de um vasto pacote de legislação relativa à protecção de dados.
Propõe-se ainda que seja suspenso o acordo “porto seguro”, o instrumento jurídico usado para a transferência de dados pessoais da União Europeia para empresas norte-americanas, como é o caso da Google, Microsoft, Facebook, Apple ou LinkdIn, até que seja feita uma “revisão aprofundada e colmatadas as lacunas” nesse processo de transferência de dados que deveriam ter apenas fins comerciais.
Mas há também a ideia de a União Europeia mostrar que quer estar na vanguarda política destas questões propondo-se que desenvolva uma estratégia europeia (com a participação de cada Estado-membro) para “promover a indústria informática e permitir às empresas europeias tirar partido da vantagem concorrencial da União no plano da privacidade”, ou seja, “vender” a Europa como um território “seguro” por contraponto aos Estados Unidos. Por exemplo, desenvolvendo sistemas de computação em nuvem europeus para assegurar elevados níveis de protecção dos dados pessoais. E poder também assim ser um “interveniente de referência na governação democrática e neutra da internet”, defende o eurodeputado Claude Moraes.
Para evitar que as recomendações não tenham seguimento, sobretudo numa altura em que a composição do Parlamento Europeu está prestes a mudar, o relator propõe um calendário a dois anos que inclui, entre outros, a criação de grupos de acompanhamento para seguirem novas revelações sobre os casos de espionagem dos Estados Unidos a entidades, instituições e cidadãos europeus, assim como um mecanismo de controlo permanente das transferências de dados, assim como iniciativas mais gerais, como conferências e até a intervenção do Conselho Europeu.
A jornalista viajou a convite do Parlamento Europeu