"Horrores indescritíveis" estão a ser feitos às crianças da Síria

Relatório apresentado ao Conselho de Segurança descreve torturas a que são sujeitos os menores nas prisões do regime ou as execuções levadas a cabo por grupos rebeldes.

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Rapaz ferido após bombardeamentos em Alepo DIMITAR DILKOFF/AFP

Este é o último de muitos documentos sobre a catástrofe de uma guerra que, segundo números da própria ONU, já matou mais de dez mil crianças e forçou mais de um milhão a fugir do país. Há milhões de outras deslocadas e muitas que tentam sobreviver a um Inverno de frio e fome.

Mas é o primeiro relatório apresentado ao Conselho de Segurança das Nações Unidas e o primeiro a fazer uma descrição exaustiva do impacto de quase três anos de guerra sobre uma geração inteira, apresentando uma lista interminável de abusos a que as crianças sírias estão sujeitas. Foi entregue na semana passada, numa reunião à porta fechada do Conselho, quando representantes do Governo e da oposição negociavam em Genebra, mas só foi tornado público nesta terça-feira, já depois de o encontro ter terminado sem resultados.

O relatório, que abrange o período entre 1 de Março de 2011 (dias antes do início dos protestos contra Assad) e 15 de Novembro de 2013, sublinha que, nos primeiros dois anos de conflito, as forças governamentais foram responsáveis pela maioria dos abusos. “O uso indiscriminado e desproporcional da força por parte do Exército e das milícias leais resultou em inúmeras mortes e mutilações de crianças, a quem foi também negado o acesso à educação e aos serviços de saúde”, lê-se no documento, elaborado pela representante especial do secretário-geral da ONU para as crianças e conflitos armados, Leila Zerrougui.

Mas as crianças são também directamente visadas “por detenções arbitrárias, maus tratos e tortura”, a começar pelas prisões para onde muitas foram levadas por vingança ou apenas por viverem no bairro errado. O relatório cita testemunhas que contam ter visto crianças detidas em celas apinhadas e sujeitas a tortura para que confessassem ou simplesmente para forçar familiares a entregarem-se.

Os maus tratos aos menores incluem “espancamentos com barras de metal, chicotes, bastões de metal e madeira; choques eléctricos, incluindo nos genitais; arrancar unhas dos pés e das mãos; violência sexual, incluindo violações ou tentativas de violação; simulação de execuções; queimaduras com cigarros; privação de sono; detenção em isolamento; assistir à tortura de familiares”.

O relatório cita, entre outros relatos de abusos sexuais, o testemunho de um jovem de 16 anos que diz ter visto um rapaz de apenas 14 anos a ser violado antes de ser executado. A mesma testemunha conta ter visto “crianças e adultos agredidos com um martelo nas costas, às vezes até à morte”.  

A ONU aponta o dedo sobretudo aos serviços secretos da Síria, a gestores e carrascos em centros de detenção que escapam ao controlo internacional, apesar de o regime afirmar “categoricamente” que não detém crianças. “Isso são rumores”, disse na semana passada, em Genebra, o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Faisal Mekdad.

Crescem abusos dos rebeldes
Os investigadores da ONU dizem não ter conseguido encontrar indícios sobre alegados abusos sexuais cometidos pelas forças da oposição, muito por causa da dificuldade em aceder às zonas controladas pelos rebeldes. Em contrapartida, encontraram provas de execuções cometidas pelos rebeldes, duas das quais na província de Hasakah, no Nordeste do país: a de um rapaz de 16 anos morto em Abril pela Frente Al-Nusra, o braço reconhecido da Al-Qaeda na Síria; e a de um de 14 anos morto por guerrilheiros curdos.

Sublinham, aliás, que, com o encarniçar da guerra, em 2013 – das ofensivas do Exército aos combates entre grupos rivais da oposição –, aumentou o número de abusos cometidos pelos rebeldes, incluindo ataques terroristas e ofensivas contra zonas residenciais.

O relatório destaca ainda um número crescente de crianças que são forçadas, ou pelo menos incentivadas, a juntarem-se às fileiras dos rebeldes. Algumas perderam familiares, outras dizem que “sentiram que era o seu dever” lutar contra Assad, adianta o relatório, sublinhando que o Exército Livre da Síria tem nas suas fileiras “rapazes de 12 a 17 anos que foram treinados e armados e estão a ser usados como combatentes ou como guardas em postos de controlo."

O relatório denuncia ainda o sequestro de crianças – algumas libertadas a troco de dinheiro –, o número “desproporcional” de ataques contra escolas e hospitais, ou as crianças que são sequestradas e usadas como escudos humanos. Foi assim em Homs, na Primavera de 2012, quando soldados sírios levaram crianças de uma escola e as fizeram andar à sua frente pelas ruas da cidade, anunciando por altifalante que quem atirasse sobre eles mataria as crianças.

“O sofrimento que atinge as crianças da Síria desde o início deste conflito é indescritível e inaceitável”, afirma o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, no relatório que o Conselho deverá discutir na próxima semana. “As violações têm de terminar agora.”
 

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