O fim das ilusões

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1.Do ponto de vista europeu, há pelo menos duas maneiras de olhar para o acordo que servirá de programa à “grande coligação”.

Os mais optimistas (aqueles que ainda acreditam que a chanceler não quer ser a mulher que veio do Leste para acabar com a Europa) dirão que a proposta radical dos democratas- cristãos da Baviera (CSU), que chegou a aparecer numa primeira versão e que defendia a expulsão da zona euro dos países que persistissem em não cumprir os critérios de Maastricht, acabou por ser derrotada. Dirão também que a palavra “solidariedade europeia” aparece várias vezes no documento final. Os mais pessimistas dirão que essa palavra é apenas a forma mais suave de deixar intacta a política da chanceler. Em termos de princípios e em termos de propostas, seja elas o caminho para a união bancária (o ponto quente das negociações europeias neste momento), a rejeição de qualquer forma de mutualização da dívida, ou o recurso ao Mecanismo Europeu de Estabilidade para salvar bancos, que será reservado apenas para casos extremos. Wolfgang Schauble já avisara que “nem um cêntimo dos contribuintes alemães” seria gasto para salvar um banco europeu. Quanto ao princípio fundamental da estratégia da chanceler, está lá com todas as letras: “A solidariedade tem de ser compatível com a responsabilidade.” Já sabemos o que isso hoje quer dizer.

2.A imprensa alemã já tinha dito que o SPD e a CDU se tinham entendido facilmente sobre a política europeia, o que não era certamente um bom sintoma. Hoje, perante o acordo (que ainda tem algumas coisas para clarificar), a conclusão só pode ser uma: a política da chanceler não vai mudar significativamente com o novo governo de coligação, mesmo que Frank-Walter Steinmeier venha a ser o chefe da diplomacia alemã. Desde o Tratado de Lisboa que tudo passou a decidir-se à mesa do Conselho Europeu ou do ECOFIN, na sua versão Eurogrupo. E aí tudo indica que continuará a mandar o actual ministro das Finanças Wolfgang Schauble, o principal (e muito duro) negociador dos aspectos fundamentais do acordo.

Apesar dos sinais dados durante a campanha eleitoral no sentido de uma maior compreensão pelas dificuldades dos países do Sul ou de alguma abertura à mutualização da dívida ou, ainda, uma maior preocupação com o crescimento, o SPD teve de fazer uma escolha. Optou claramente pelos ganhos internos, que podem ajudar a recuperar algum eleitorado, desiludido com as políticas de Gerhard Schroeder (1998-2005), do que tentar influenciar uma política europeia que, ainda por cima, agrada aos alemães, à esquerda e à direita. O salário mínimo era a principal bandeira. Haverá algum investimento suplementar em infra-estruturas, educação e inovação (23 mil milhões de euros) mas não há uma mudança de política económica num sentido mais expansionista. Quentin Peel, chefe da delegação do Financial Times em Berlim, já tinha avisado: “Não esperem que uma vitória de Merkel se transforme numa mudança na Europa.” Mesmo antes das eleições de Setembro, o colunista do FT chamava a atenção para duas ilusões a que se agarravam os europeus: que uma reeleição da chanceler lhe permitiria ser mais generosa com os seus parceiros, e que uma eventual “grande coligação” com o SPD teria impacto na política europeia de Berlim.

Em conclusão, a táctica negocial da chanceler provou mais uma vez a sua eficácia: deu alguma coisa a cada um para que tudo pudesse ficar basicamente na mesma. A CSU, a irmã bávara da CDU, também teve o seu presente. O acordo contempla uma medida que não lembraria a ninguém: os estrangeiros que circulem nas auto-estradas alemãs vão ter de pagar por isso. À primeira vista, nem sequer está conforme com as leis europeias, mas é sintomática de um pensamento “nacionalista” que vai ganhando adeptos na Alemanha, sem sequer precisar de se exprimir no novo partido “Alternativa para a Alemanha”.

3. Na conferência de imprensa em Berlim, os subscritores do acordo pareciam felizes. Martin Schulz, o actual presidente do Parlamento Europeu que quer ser o próximo presidente da Comissão e que tem visitado os países do Sul mostrando a sua solidariedade, também não teve dúvidas em considerar o acordo magnífico. Não será o caso de muitos europeus. Há um compromisso em relação à política externa europeia para reforçar o papel do serviço diplomático europeu chefiado por Ashton. Parece simpático mas significa sobretudo que a Alemanha não está particularmente preocupada em aumentar a capacidade de acção externa da União. Em contrapartida, o acordo sublinha a enorme importância da Parceria Transatlântica de Comércio e de Investimento que já está a ser negociada com os Estados Unidos, mesmo que faça uma referência “politicamente correcta” à questão levantada pela espionagem da NSA americana.

É esta a Europa que a Alemanha quer. O acordo também contempla as comemorações dos 250 anos do nascimento de Beethoven, em 2020. É caso para dizer que antes Beethoven do que Wagner. O genial compositor dedicou a Heróica a Napoleão, embora depois se tivesse arrependido. E, pelo menos, a sua Ode à Alegria é hoje o hino europeu.
 

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