Programa de Governo alemão "administra o presente" e evita grandes reformas

Imprensa fala em "mínimo denominador comum". Líderes sublinham as concessões conseguidas – salárío mínimo para o SPD, controlo da dívida para a CDU, portagens para estrangeiros para a CSU.

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Sigmar Gabriel, Angela Merkel e Horst Seehofer: todos concordaram num programa sem grandes mudanças John MacDougall/AFP

Na conferência de imprensa de apresentação do programa de Governo reinou a boa disposição. Mas na imprensa não demoraram a aparecer as críticas de analistas e economistas à plataforma de entendimento da grande coligação entre democratas-cristãos e sociais-democratas.

“O que este programa faz é administrar os problemas presentes”, disse o especialista em ciência política Gero Neugebauer numa conversa telefónica com o PÚBLICO. A chanceler, Angela Merkel, está a "conduzir devagar" e "a navegar à vista". “Não há um plano para o futuro”, sentencia, excluindo apenas a política energética. Neugebauer critica sobretudo a falta de uma reforma fiscal.

Após negociações tão longas – cinco semanas com dois encontros em cada, que culminou numa maratona final de 17h que se prolongou até à madrugada de quarta-feira – “seria de esperar mais” do acordo de 185 páginas rapidamente classificado como de “mínimo denominador comum”, diz Neugebauer.

Na apresentação, os líderes dos três partidos deram uma ideia diferente. “O espírito deste acordo é que somos uma grande coligação que se encarregará dos grandes desafios da Alemanha”, declarou Angela Merkel, que se prepara para o seu terceiro mandato, na conferência de imprensa desta quarta-feira em Berlim.

A chanceler sublinhou que não vai haver aumento de impostos nem aumento da dívida alemã a partir de 2015, dois pontos essenciais para a base democrata-cristã.

A CDU aceitou, por seu lado, o salário mínimo nacional proposto pelo SPD, a redução da idade da reforma para quem trabalhou mais de 45 anos (passa a ser de 63 anos nestes casos) e a dupla nacionalidade para quem nasça na Alemanha (até agora filhos de imigrantes tinham de decidir até aos 23 anos por qual nacionalidade optavam).

Congratulando-se com o bom resultado das negociações, Merkel comentou: “É muito interessante como é possível que haja pontos de vista tão diferentes sobre a mesma questão”, para concluir: “É isso que torna a vida interessante.”

A CDU/CSU (democratas-cristãos) venceu as eleições de 22 de Setembro quase conseguindo uma maioria absoluta, mas o seu anterior parceiro de coligação (os liberais democratas) não conseguiu entrar no Parlamento. O partido de Angela Merkel entrou então em conversações tanto com os Verdes como com o SPD; as primeiras falharam logo após a segunda ronda (mas nenhum dos partidos exclui nova tentativa), as segundas terminaram ontem em acordo.

Duas semanas até saber se há governo
Numa manobra original, a liderança do SPD propôs desde logo que o acordo fosse sujeito a uma votação interna – os 474 mil membros do partido vão agora dizer se concordam ou não com a participação do partido num governo. O veredicto deverá ser conhecido daqui a duas semanas.

Os líderes sociais-democratas mostraram-se confiantes de que os seus membros vão aceitar que o SPD integre o governo e na conferência de imprensa Sigmar Gabriel, o líder do partido, lançou-se numa defesa da plataforma da “grande coligação”: “O acordo não é só bom, é muito bom”, declarou. “O SPD é um partido que tem como principal objectivo tornar melhor a vida das pessoas, e é isso que este acordo faz”, disse, concluindo que o programa de Governo “fortalece a Alemanha e a Europa”.

Só depois serão anunciados os membros do executivo, embora se especule que Merkel manterá o seu seguro ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, no cargo, e que o vice-chanceler, que será Sigmar Gabriel, se ocupe do Ministério do Trabalho ou da Economia e não do dos Negócios Estrangeiros, como é habitual. Este ficaria a cargo de Frank-Walter Steinmeier, que foi quem o ocupou durante a primeira grande coligação dirigida por Merkel entre 2005 e 2009.

A grande conquista do SPD foi a introdução, pela primeira vez, de um salário mínimo nacional na Alemanha (até agora existem salários mínimos apenas fruto de acordos entre sindicatos e associações patronais em sectores em que a força negocial dos sindicatos é grande). Prevê-se que seja introduzido em 2015, mas o acordo de coligação prevê que haja excepções até, no máximo, 2017, e deverá ficar fixado em 8,5 euros por hora. Poderá beneficiar cerca de 5,6 milhões de pessoas – 17% dos assalariados ganham menos do que isso, segundo um estudo do Instituto de Investigação Económica DIW (esta percentagem sobe para 25% no Leste). Este estudo do DIW alertava ainda para a possível perda de empregos (500 mil, segundo o DIW).

Poucas mudanças, poucas surpresas
Horst Seehofer, o líder da CSU, o partido gémeo da CDU na Baviera, foi dos líderes que se mostraram mais felizes. “Sempre quis, desde o início, uma grande coligação”, afirmou – Seehofer era contra um acordo com os Verdes. Seehofer referiu-se também ao compromisso de que a Alemanha não contrairá dívida adicional a partir de 2015 (apesar do equilíbrio do défice, a Alemanha tem ainda uma dívida de 85% do PIB), nem “aumento directo ou indirecto de impostos”.

“E estou muito contente porque todas as promessas eleitorais foram cumpridas” – continuou, referindo-se à introdução de portagens para estrangeiros nas auto-estradas alemãs, que a coligação promete aplicar respeitando os princípios da União Europeia, embora não seja claro como o conseguirá fazer. Ironicamente, esta questão ameaça tornar-se o grande debate europeu na Alemanha, como tinha comentado na altura em que a questão surgiu na campanha o professor de política europeia Mark Dawson no blogue da London School of Economics.

De resto, embora tenha havido declarações sobre a Europa, nada muda. O analista político Carsten Nickel, da empresa de informação e avaliação de risco Teneo Intelligence, comentou à Reuters que depois de levantar a ideia da mutualização da dívida, os sociais-democratas perceberam “que o consenso político interno não vai premiar nenhum grande desvio do padrão de Merkel”.

“Os três partidos concordaram que não querem muitas mudanças, nem muitas surpresas”, disse Neugebauer. “Em relação à Europa, falam apenas no contexto de desenvolvimento económico. Quem espera uma Europa para além da economia, vai ficar desapontado.”
 
 
 
 

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