Os actos de guerra falam mais alto do que o diálogo em Moçambique

Acções bélicas dos dois últimos dias prolongam incerteza sobre a evolução da situação político-militar. Depois de Satungira, Forças Armadas desactivaram a segunda principal base da Renamo.

Foto
Armando Guebuza, Presidente de Moçambique, durante uma visita à África do Sul em 2012 Siphiwe Sibeko/Reuters

Os discursos têm prometido diálogo, os actos são de guerra. As Forças Armadas de Moçambique ocuparam na segunda-feira uma base e uma sede da antiga guerrilha, a Renamo, em Marínguè. Na manhã desta terça-feira, também na província de Sofala, centro de Moçambique, uma coluna de viaturas com escolta militar foi atacada, pouco depois de ter saído de Muxúnguè, em direcção ao rio Save.

Não há indicação de que a ocupação das instalações da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) em Marínguè tenha causado mortos nem feridos. No ataque desta terça-feira, na Estrada Nacional número 1, que atravessa o país, foram feridos cinco passageiros, segundo o jornal A Verdade, que avançou a notícia de mais uma acção bélica.

Os mais recentes desenvolvimentos da situação político-militar em Moçambique têm como pano de fundo um endurecimento do discurso do Presidente da República. Na segunda-feira, em Chinhanbuzi, na províncias de Manica, Armando Guebuza acrescentou ao discurso de diálogo que vinha mantendo desde que a situação político-militar se começou a agravar, há mais de uma semana, o anúncio de que as Forças Armadas “vão retaliar todos os ataques que forem perpetrados contra si”.

O líder da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), Afonso Dhlakama, continua em parte incerta. O seu partido não compareceu, na segunda-feira, a uma ronda negocial previamente agendada e anunciou que só volta a sentar-se à mesa na presença de “facilitadores e observadores”. Os antigos guerrilheiros mantêm também o discurso de diálogo e acusam o Governo de estar a usar uma dupla estratégia, de encontros em Maputo e ataques em Sofala.

“É um diálogo de surdos. É imprevisível o que irá acontecer nos próximos dias. Actualmente não há diálogo por via directa nem via indirecta”, disse ao PÚBLICO Fernando Lima, jornalista e administrador do grupo Mediacoop, que detém o semanário independente Savana.

Na segunda-feira, as Forças Armadas ocuparam a sede partidária e a antiga base da principal força da oposição em Marínguè. A vila estava esta terça-feira praticamente deserta, com o comércio fechado e as instituições a funcionarem a meio gás. “Ouvimos tiros durante toda a noite”, disse um residente ouvido pel’ A Verdade.

A ocupação dos redutos do antigo movimento guerrilheiro em Marínguè foi confirmada pelo director nacional adjunto da Política de Defesa, Manuel Mazuze, que disse ter havido uma troca de tiros de mais de duas horas entre os militares governamentais e elementos da Renamo. A ocupação das instalações do partido da oposição culminou uma perseguição após uma emboscada de homens armados da oposição – disse.

O assalto à sede e à base da Renamo foi, segundo O País, feito por um contingente das Forças Armadas ido do distrito de Gorongosa e maioritariamente composto por militares que, há uma semana, ocuparam o “quartel-general” do partido de Dhlhakama em Satungira, também na província de Sofala. “As Forças de Defesa e Segurança prosseguem acções de desactivação do local, que era usado para preparar ataques às forças governamentais”, declarou Mazuze, numa conferência de imprensa.

O jornal escreve que a emboscada ocorreu a cerca de 20 quilómetros da vila. Fonte não identificada, mas descrita como alta patente, disse ao mesmo jornal que elementos da Renamo procuraram resistiram mas acabaram por retirar. A base de Marínguè, considerada a segunda mais importante da antiga guerrilha, manteve-se activa desde o fim da guerra, em 1992.

Marínguè fora já palco de outro dos episódios da crise político-militar moçambicana. Na terça-feira anterior foi atacado o posto local da polícia. A acção foi atribuída à Renamo e entendida como uma resposta à ocupação de Satungira, onde viveu no último ano Dhlakama, a cerca de 35 quilómetros.

Manuel Mazuze afirmou que, também na segunda-feira, ocorreu um ataque da Renamo a dois camiões, igualmente na zona de Muxúnguè, mas não houve vítimas. O país atravesssa a pior crise desde a assinatura do acordo geral de paz que, em 1992, pôs fim a 16 anos de guerra civil.

A última semana foi particularmente violenta, com vários ataques, incluindo a ocupação pelo Exército de Satungira, na Gorongosa, a base onde se tinha isolado há um ano o líder da Renamo. As Forças Armadas e elementos da antiga guerrilha têm-se confrontado no centro do país. Cada parte atribui os seus actos a provocações à outra.

Sugerir correcção
Comentar