Maquinista não encontra explicações: “A cicatriz que me vai acompanhar é tremenda”

Questionado pelo Ministério Público, Francisco José Garzón disse que não encontra explicações para não ter travado quando devia.

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O acidente fez 79 mortos Eloy Alonso/Reuters

O maquinista do comboio que descarrilou na semana passada em Santiago de Compostela, Espanha, disse que não consegue encontrar explicações para o facto de não ter começado a travar quatro quilómetros antes da curva, tal como costumava fazer três vezes por semana.

Num tom emocionado, entre lágrimas, Francisco José Garzón tentou descrever em tribunal, na noite de domingo, o que aconteceu nos momentos imediatamente anteriores ao mais trágico acidente ferroviário dos últimos 40 anos em Espanha, que fez 79 mortos.

O procurador do Ministério Público responsável pela investigação, Antonio Roma, começou por perguntar ao maquinista o que estava ele a pensar quando entrou no último túnel antes da fatídica curva de A Grandeira.
 

Não sei, se soubesse... A cicatriz que me vai acompanhar para toda a vida é tremenda, respondeu Francisco José Garzón.

O procurador insistiu na pergunta, num tom calmo, mas o maquinista reforçou a mesma ideia, emocionado: Digo-lhe sinceramente que não sei. Não estou tão louco para não travar.


No mesmo depoimento – prestado antes da recolha da informação registada nas duas "caixas negras" e disponibilizado nesta quarta-feira pelo jornal El País –, Francisco José Garzón disse que chegou a travar, mas apenas num momento em que o acidente já era inevitável. Antes de ter perdido o controlo do comboio, já tinha os travões activados e já sabia que não iria conseguir, contou.

Ao longo dos 50 minutos em que se sujeitou às perguntas do Ministério Público, o maquinista assumiu toda a responsabilidade. Questionado sobre se sabia de algum problema no traçado, na via ou no comboio, Garzón foi peremptório: Não, não, não.

O que se passa é que eu devo saber que nesse ponto tenho de circular a essa velocidade [80 km/h], nada mais, declarou.

Críticas à curva de A Grandeira
O maquinista falou também sobre a chamada telefónica que fez já depois do acidente, para activar o protocolo de segurança.

Depois de um acidente, a primeira coisa que qualquer maquinista tem de fazer é telefonar. Disse que havia muitos mortos porque era inevitável. À velocidade que ia, e ainda que não conseguisse ver o que se passava lá atrás, sabia o que estava a conduzir e sabia que tinha de ser uma desgraça, explicou Francisco José Garzón.

Segundo o jornal El País, nessa chamada, o maquinista queixou-se da perigosidade da curva e disse que ele e outros colegas já tinham admitido várias vezes que poderia acontecer um acidente naquele local.

Garzón lamentou também "a falta de um sinal visível" antes do túnel de Ainxo, o último antes da curva em que o comboio veio a descarrilar.

A fotografia do Facebook
Um dia depois do acidente, foi divulgada uma fotografia que Garzón partilhou na sua página do Facebook em Março do ano passado, em que se via o mostrador de velocidade de um comboio a marcar 190 km/h. Nos comentários à fotografia, o maquinista brincava com a situação, dizendo que, se fosse multado pela Guarda Civil, a quantia seria paga pela empresa de caminhos-de-ferro Renfe.

No depoimento de domingo, o maquinista disse que a imagem foi captada durante uma viagem de formação em Medina del Campo (província de Valladolid) e que não era ele quem ia aos comandos.

Tirei a típica fotografia do companheiro que vai aos comandos. Ia na cabina porque estava autorizado, juntamente com outros colegas, que estavam a ver como se fazem as transições. Temos de aprender de alguma forma, disse Francisco José Garzón.
 

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