Filhos únicos poderão atingir recorde na geração dos que têm 35-40 anos

Foto
As famílias monoparentais portuguesas têm 27,9% de risco de pobreza Paulo Pimenta

Pela primeira vez em três gerações, as famílias de filho único poderão tornar-se maioritárias na geração dos que estão entre os 35 e 40 anos, atingindo mais de um terço do total e superando assim as que têm dois filhos. São conclusões de um inquérito nacional feito no âmbito do estudo Trajectórias Familiares e Redes Sociais: Percursos de Vida numa Perspectiva Intergeracional, realizado por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

O estudo perguntou a homens e mulheres de três gerações de portugueses o número de filhos que têm. Escolheram primeiro os que nasceram entre 1935 e 1940 - que tinham à data do inquérito (2010) entre 70 e 75 anos -, viveram as suas vidas em ditadura, antes de haver contracepção fiável. Aqui, a maioria das famílias (37%) teve proles de três ou mais filhos, seguidos dos que tiveram dois (34%), e com um peso muito menor das famílias de filho único (22%) e ainda menos das sem filhos (7%).

Os nascidos entre 1950 e 1955 - que tinham entre 55 e 60 anos quando foram inquiridos - viveram as suas vidas já com o acesso à pílula e numa época em que uma das autoras do estudo, a socióloga Vanessa Cunha, chama de "glorificação da era do casamento". Neste grupo estão claramente na dianteira as famílias de dois filhos (43%), seguido por 25% com três ou mais filhos e mantém-se quase o mesmo valor da geração anterior no que diz respeito aos filhos únicos (23%) e sem filhos (9%).

Por fim, tentaram ter o retrato de uma geração nascida já em democracia e que está na recta final do seu período reprodutivo (nascidos entre 1970 e 1975), numa época caracterizada pelo declínio da fertilidade. E neste retrato, que ainda não está fechado (uma vez que se considera que as mulheres podem ter filhos até à menopausa), as mudanças são claras: pela primeira vez em três gerações, as famílias de filho único poderão ficar em maioria (35%), seguidas das de dois filhos (31%). Como grande mudança surge também a duplicação dos que não têm filhos, com mais de um quinto do total (22%), distantes ficam os que têm famílias numerosas de três ou mais rebentos (13%).

Mas a socióloga Vanessa Cunha realça que uma coisa é a realidade, outra são os desejos. É que questionados quanto ao número de filhos que gostariam de ainda vir a ter, esta geração quer ter bastante mais descendência do que a que têm: a maioria (44%) responde que quer chegar aos dois, desce em 10% (para 25%) os que querem mesmo ficar-se pelo filho único, valor que também é mais baixo nos que não querem mesmo ter filhos (11%). Caso levem adiante os seus sonhos, 20% gostariam de ter três ou mais filhos.

Mas será que a realidade vai ficar mais próxima da dimensão actual das famílias ou os que o desejam conseguirão ampliar a sua família para o tamanho desejado? Vanessa Cunha nota que em demografia é sabido que "os ideais ficam sempre aquém das práticas". A juntar a esta constatação teme que, face à conjuntura actual, a crise faça com que esta geração não chegue a ter os filhos que deseja e aumente o peso das famílias de filho único e das sem filho, uma vez que "adiar mais, já no final do ciclo reprodutivo, pode levar a que não cumpram os seus objectivos. Esta é uma geração que já adiou muito e em que todas as condições para ter filhos estão deterioradas".

Questionados sobre as razões que os levam a adiar a vinda de um segundo filho escolhem "as preocupações financeiras", seguindo-se a "vida profissional demasiado exigente (falta de tempo ou vontade)" e a "falta de suporte familiar"; no grupo dos que se recusam mesmo a ter um segundo filho surge "o custo demasiado elevado da educação", "a instabilidade laboral" e "a falta de apoios públicos (creches e infantários, benefícios sociais)". "O desemprego fecha a porta a segundo filho, 82% dos inquiridos sem emprego não querem ter segundo filho".

Vanessa Cunha acrescenta ainda que são vários os estudos que constatam que a instabilidade de políticas na área faz com que as famílias recuem. "Quando o Estado recua, não se pode esperar milagres." Refere-se, por exemplo, à retirada de abonos de família, não pelos valores em causa, mas pela mensagem que passa. "O que é importante é a estabilidade ao nível das políticas públicas para que quando as pessoas fazem escolhas saibam que as regras do jogo não vão mudar a meio, apesar da economia."

Na sua opinião, a crise deverá assim aumentar o peso das famílias de filho único, que já era mais alto do que a maioria dos países europeus. Num estudo demográfico realizado em 2008, desta feita analisando o tamanho da prole dos nascidos em 1963 (à data com 45 anos), Portugal já era, dos 19 países analisados, o segundo com maior proporção de filhos únicos (31,9%), apenas superado pela Federação Russa (37%).

A tendência é ir adiando tanto a chegada do primeiro filho como a vinda de um segundo, mas o estudo encontrou diferenças sociais: são as classes mais escolarizadas que mais adiam a vinda do primeiro filho, mas depois têm o segundo com pouco tempo de diferença (com dois a quatro anos), no caso de grupos mais desfavorecidos a vinda do primeiro filho acontece mais cedo, mas depois adia-se a vinda do segundo filho por razões financeiras, com maiores intervalos entre irmãos (mais de cinco anos). Já "ter um terceiro filho é um sinal de distinção social, é um factor em crescimento em classes médias altas".

Sugerir correcção
Comentar