Venezuela vai à cimeira em protesto contra uma América de que precisa

Nicolás Maduro quer entregar na Cimeira das Américas dez milhões de assinaturas contra Obama. Mas o risco de perder o seu maior parceiro comercial já levou Caracas a pedir a aproximação a Washington.

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Enquanto Maduro recolhia assinaturas, a oposiçã manifestava-se em Caracas Carlos Garcia Rawlins /Reuters

Ao longo das últimas semanas, as ruas na Venezuela encheram-se de milhares de tendas onde se recolheram assinaturas para o documento que Nicolás Maduro levará para a Cimeira das Américas. O abaixo-assinado dirige-se directamente a Barack Obama e nele Maduro ataca a decisão de declarar a Venezuela como uma potencial ameaça à segurança nacional norte-americana.

O sucessor de Hugo Chávez quer chegar aos dez milhões de assinaturas, o que representaria cerca de um terço de população da Venezuela: “[Quero] chegar ao Panamá com a força de dez milhões de venezuelanos e dizer ao império dos EUA e ao seu Presidente: ‘Revoguem este decreto imperialista, agressivo e ofensivo contra a Venezuela.’” Na quarta-feira, Maduro disse que já havia recolhido mais de nove milhões de nomes.

No início de Março, a Casa Branca classificou a Venezuela como uma “ameaça inusitada e extraordinária à segurança nacional e à política externa dos Estados Unidos”, um pré-requisito para que os EUA pudessem impor sanções a sete altos-funcionários em Caracas e uma decisão que deu a Maduro um balão de oxigénio junto da opinião pública venezuelana. Desde que Washington avançou com as sanções, Maduro fortaleceu a retórica anti-EUA e, com isso, foi capaz de pôr de lado parte da contestação de que era alvo no plano interno. Essa contestação teve o seu pico em 2014 e tornou-se a agravar no início do ano, sobretudo em resposta à crise económica e à onda de repressão política que até ao momento levou à detenção de dois proeminentes opositores de Maduro.

Washington já veio desdramatizar e explicou que a redacção do documento seguiu o enquadramento formal das ordens executivas. “Os Estados Unidos não acreditam que a Venezuela represente qualquer ameaça para a nossa segurança nacional”, afirmou na terça-feira Ben Rhodes, conselheiro de Segurança da Casa Branca.

A retórica antiamericana de Nicolás Maduro, por seu turno, parece ser sobretudo para consumo interno. O Presidente da Venezuela ligou nesta semana à Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e pediu que esta fizesse o papel de intermediária entre Caracas e Washington durante a cimeira, com vista a reduzir as tensões e reaproximar os dois países. “Dilma ouviu do Presidente Maduro a disposição de promover a redução das tensões com os Estados Unidos”, anunciou o Governo do Brasil numa nota de imprensa publicada na noite de quarta-feira.

Independentemente das tensões políticas, o facto é que os Estados Unidos continuam a ser o principal parceiro comercial da Venezuela – um parceiro que Caracas não se pode dar ao luxo de perder, tendo em conta o contexto económico em que se encontra. Se, por um lado, os EUA estão em rota de crescimento económico, a crise no mercado das matérias-primas tem arrastado a Venezuela para uma grave recessão. A economia venezuelana tem sofrido particularmente com a queda nos preços do petróleo, que representa cerca de 95% do valor das suas exportações. “É difícil exagerar a magnitude do colapso venezuelano. A população passa horas em filas para comprar comida, as lojas estão vazias e o país está em recessão profunda”, escreve o Financial Times.

Uma das piores consequências tem sido a escalada nos preços: o país tem a taxa de inflação mais elevada no mundo. Algo que, afirma a Economist, o Governo venezuelano se tem esforçado para ocultar – o banco central não publica desde Dezembro os indicadores sobre a subida nos preços. Em todo o caso, e apesar de não existirem os valores do final de 2014, a inflação na Venezuela deverá ter atingido os 70% no total do ano passado, de acordo com a revista.

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