Uma Agenda Inacabada: Direitos Sexuais e Reprodutivos no século XXI

Os direitos sexuais e reprodutivos são, frequentemente, considerados controversos e postos à margem como distracções.

A 22 de Setembro, os líderes mundiais vão chegar a Nova Iorque, à sede das Nações Unidas, para comemorarem os vinte anos da adopção de um acordo pioneiro conhecido como Programa de Acção da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (ICPD) (Programme of Action of the International Conference on Population and Development). O ICPD transformou a forma como o mundo olha o desenvolvimento sustentável, colocando os direitos humanos no centro da legislação, especialmente os direitos e liberdades fundamentais das mulheres e raparigas de terem controlo sobre as suas vidas sexuais e reprodutivas, ao invés da redutora preocupação com o crescimento da população e dos números.

Após um extenso processo de análise baseada em décadas de experiência e progresso na implementação dos compromissos do ICPD, emergiu uma perspectiva arrojada para uma agenda de direitos sexuais e reprodutivos ajustados às realidades do século XXI. É o produto de análises de governos de todo o mundo, conclusões de peritos e investigadores, contribuições do sistema das Nações Unidas e da sociedade civil, e prioridades explanadas em acordos regionais - condensado num relatório visionário do Secretário-General das Nações Unidas, que serve de Quadro de Acções para guiar os esforços dos Estados Membros nos próximos anos.

Essa agenda visionária é baseada na justiça social e na igualdade para todos e fornece recomendações concretas e comprovadas, práticas e com custos controlados para resolverem alguns dos problemas mais prementes do mundo. Destina-se a acabar com as mortes diárias de 800 mulheres e raparigas, como consequência de causas relacionadas com gravidez e parto que poderiam ser prevenidas, ao providenciar acesso à contracepção às mais de 200 milhões de mulheres que gostariam de prevenir uma gravidez mas não têm meios para o fazer; para expandir o acesso ao aborto seguro e legal e assim deter as dezenas de milhares de mortes e incontáveis danos resultantes de procedimentos inseguros todos os anos; para acabar com a pandemia do HIV e parar os 2.400 novos casos de HIV que ocorrem todos os dias só entre a juventude; para assegurar que os jovens têm a informação, a educação e os serviços de que precisam para fazerem escolhas informadas sobre a sua sexualidade e evitarem todas as formas de violência e abuso, e deter as taxas altíssimas de gravidez de adolescentes que são a causa principal da morte de raparigas nos países em desenvolvimento; para tratar uma das mais generalizadas violações dos direitos humanos – violência baseada no género, da qual pelo menos 1 em 3 mulheres a nível mundial é vítima; e para pôr fim à discriminação, crimes violentos e criminalização de indivíduos com base na sua orientação sexual e género.   

Todos estes desafios mundiais podem ser efectivamente tratados através de uma vontade política e forte liderança no que respeita à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos. O preço da inacção tem grandes consequências para os indivíduos, as suas famílias, sociedades e economias. É um impedimento para a saúde, produtividade e potencial das pessoas; sobrecarrega os sistemas de saúde e enfraquece os orçamentos públicos, e rouba o capital humano dos países – recursos estes que são fundamentais para enfrentar os desafios prementes do desenvolvimento, incluindo a erradicação da pobreza, o crescimento económico, a adaptação às alterações climáticas e a segurança alimentar.

Os direitos sexuais e reprodutivos são, frequentemente, deflectores de debates intergovernamentais e políticas nacionais, considerados controversos e postos à margem como distracções. No entanto, os direitos sexuais e reprodutivos são, simplesmente, os direitos básicos de todos os indivíduos a terem controlo sobre decisões que afectam os aspectos mais privados das suas vidas – decisões sobre o seu corpo, a sua sexualidade, relacionamentos, casamento, e terem filhos – direitos que, felizmente, para aqueles que estão a ler estas linhas, são considerados adquiridos. A realização destes direitos é uma das fundações que permite a qualquer pessoa viver uma vida saudável, satisfatória e realizada, especialmente para as mulheres e raparigas, incluindo poderem continuar a sua educação, assegurarem um trabalho seguro e decente, com melhor salário, e participarem totalmente e numa base de igualdade na vida social, económica e política.

Enquanto antigos Chefes de Estado, entendemos as dificuldades no debate de certos assuntos. Mas entendemos também que a liderança política genuína é o abrir de novos caminhos para as liberdades fundamentais, oportunidades e escolhas das pessoas— o que requer a visão e a coragem para fazer o que achamos que é certo. Temos de orientar a agenda ICPD para o futuro, para a realidade. E neste momento histórico, quando a comunidade internacional define o próximo quadro global que vai substituir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, aqueles que se encontram em lugar charneira não devem perder esta oportunidade e assegurarem-se que todos os direitos humanos, incluindo os sexuais e reprodutivos, estão no centro da questão.

Ex-Presidente de Moçambique e ex-Presidente da Finlândia; Co-Chairs do Grupo de Alto Nível para a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (High-Level Task Force for the International Conference on Population and Development)

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