Ucrânia divulga gravações e acusa rebeldes de terem abatido avião

Ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano diz que as forças de Kiev não tinham qualquer sistema de mísseis naquela região.

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Os rebeldes separatistas devolvem as acusações a Kiev Maxim Zmeiev/Reuters

Ainda é cedo para saber quem provocou o mais grave desastre aéreo da última década, mas o Governo de Kiev e os rebeldes separatistas pró-russos correm contra o tempo para juntarem as peças do puzzle, trocando acusações de culpa pela morte das 298 pessoas que seguiam a bordo do avião da Malaysia Airlines que se despenhou na quinta-feira em território ucraniano.

Nas últimas horas, foram divulgadas gravações em áudio de conversas entre supostos elementos dos rebeldes separatistas (que lutam contra as forças do Governo ucraniano pela independência das províncias de Donetsk e Lugansk, no Leste do país) e um homem identificado como oficial das Forças Armadas russas.

Numa delas, segundo a versão dos Serviços Secretos da Ucrânia, o comandante rebelde Igor Bezler conversa com o russo Vasil Geranin, apresentado como coronel da agência de serviços secretos do Exército da Rússia.

"Acabámos de abater um avião. Caiu perto de Ienakievo", diz Igor Bezler, segundo a versão dos Serviços Secretos da Ucrânia.

Numa outra conversa, dois homens que os serviços secretos ucranianos dizem ser combatentes separatistas admitem que o seu lado foi responsável pelo desastre.

"Temos 100% de certeza de que era um avião civil", diz um dos homens, identificado como "Major". "Encontraram armas?", pergunta o seu interlocutor, identificado como "Grek". "Nada, só pertences de civis, material médico, toalhas, papel higiénico", responde "Major".

Numa terceira gravação, um homem identificado apenas como sendo militante dos separatistas diz a um outro, identificado como Nikolai Kozitsin, um comandante cossaco, que "é um avião de passageiros". "Caiu perto de Grabovo, há muitos corpos de mulheres e crianças", diz.

"Na televisão dizem que é um [Antonov] An-26, de transporte militar. Mas as letras dizem 'Malaysian Airlines'. O que é que estava a fazer em território ucraniano?", pergunta o homem identificado apenas como "militante". "É porque vinham trazer espiões. Por que é que passaram por aqui? Estamos em guerra", responde o homem que os serviços secretos ucranianos diz ser um comandante cossaco, Nikolai Kozitsin.

O que fazia um Boeing numa zona de guerra?
Esta é a pergunta que muitos fazem neste momento: é normal um avião sobrevoar uma zona de guerra na Ucrânia com centenas de passageiros civis a bordo?

A reposta mais simples é "sim, é normal". Tal como lembrou o ministro dos Transportes da Malásia, Liow Tiong Lai, numa conferência de imprensa realizada nesta sexta-feira, o Boeing 777 estava a seguir "a rota certa", em resposta às sugestões de que a companhia deveria ter escolhido outro rumo.

"Há muitos anos que seguimos a mesma rota, que é seguida por muitos outros países. As companhias aéreas europeias também seguem esta rota e atravessam o mesmo espaço aéreo. Nas horas que antecederam o incidente, vários outros aviões de passageiros de várias companhias usaram a mesma rota", afirmou o ministro malaio.

O mesmo responsável confirmou que a tripulação não enviou qualquer pedido de ajuda e que não foram dadas quaisquer "instruções de última hora" para que o avião alterasse o seu rumo.

Partindo do princípio de que, pelo menos até quinta-feira, era normal que muitas companhias aéreas sobrevoassem uma zona de guerra, a pergunta que se deve fazer a seguir é "porquê".

O conflito naquela zona da Ucrânia é tudo menos uma novidade: começou há três meses e meio e não é razoável acreditar que alguém numa determinada companhia aérea nunca tenha ouvido falar dele.

Para além disso, não faltaram notícias nos últimos dias de quedas de aviões ucranianos na região, entre os quais um Antonov An-26, de transporte militar, que pode voar a 7500 metros de altitude – o Boeing 777 da Malaysia Airlines voava a 10 quilómetros de altitude quando se despenhou.

Também não era novidade que as forças ucranianas e, muito provavelmente, também os rebeldes separatistas tinham em seu poder sistemas de mísseis terra-ar com um alcance mais do que suficiente para atingir a marca dos 10 quilómetros.

Sabe-se que a Organização da Aviação Civil Internacional tinha emitido um aviso, mas – para além de ser apenas um aviso – dizia respeito à área de Simferopol, na sequência da anexação da península da Crimeia pela Rússia, e o Boeing da Malaysia caiu fora dessa região.

O norte-americano Clive Irving, especialista em aviação e autor do livro Wide-Body: The Triumph of the 747, sobre a construção do Boeing 747, arrisca uma explicação simples, que é quase sempre a menos procurada quando acontece uma tragédia: toda a gente pensava que não havia problema.

"As companhias aéreas e os seus pilotos, quando voavam sobre a Ucrânia, provavelmente assumiam que a altitude de cruzeiro deixaria os seus aviões comerciais a salvo daqueles lança-rockets portáteis que os terroristas costumam usar. Nunca anteciparam que poderiam ser alvejados por armas fabricadas para defender o Exército Vermelho numa III Guerra Mundial."

Kiev insiste que o míssil era russo
As autoridades de Kiev afirmam que não há qualquer hipótese de o Boeing da Malaysia Airlines ter sido abatido pelas suas forças. Em declarações ao jornal britânico The Guardian, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia disse que não havia qualquer sistema de mísseis do lado ucraniano naquela região.

"Temos a certeza absoluta, e confirmámos ontem [quinta-feira] que não foi retirado nenhum míssil ao Exército ucraniano", disse Pavlo Klimkin, respondendo também à hipótese de os rebeldes separatistas estarem a usar mísseis que pertenciam originalmente ao Exército ucraniano e não entregues pela Rússia.

A acusação de que foram os rebeldes a abater o Boeing é desmentida pelos líderes da autoproclamada República Popular de Donetsk, em declarações à agênca russa Interfax.

De acordo com os combatentes citados pela agência – cujas identidades não são reveladas –, os rebeldes só têm armamento capaz de abater um avião a 3000 metros de altitude, pelo que responsabilizam as forças de Kiev.

Segundo o jornal The Guardian, o conhecido apoiante do Kremlin Sergei Kurginian, líder do movimento patriótico russo Essência do Tempo, revelou no início da semana que os rebeldes conseguiram apoderar-se de mísseis Buk do Exército ucraniano e que Moscovo tinha enviado especialistas para repararem o sistema.

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