Tribunal norte-americano diz que escutas telefónicas da NSA são ilegais
O programa de vigilância telefónica foi divulgado por Edward Snowden em 2013. Decisão de terminar com o programa cabe ao Congresso, mas o caso pode seguir para Supremo.
Um tribunal de segunda instância norte-americano deliberou nesta quinta-feira que o programa de vigilância telefónica que armazena os dados de biliões de chamadas de norte-americanos é ilegal. Este e outros programas de vigilância conduzidos pela Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) foram divulgados pelo analista informático Edward Snowden, em 2013.
A decisão desta quinta-feira sobrepõe-se a uma primeira deliberação de um tribunal federal, tomada em Dezembro de 2013, e, apesar de não exigir o fim do programa, pode influenciar o debate em torno da lei que está em curso no Congresso norte-americano.
A peça chave do processo é a Secção 215 do polémico Patriot Act. É esta a secção que dá enquadramento legal para a recolha de informações consideradas relevantes para acções anti-terrorismo e que tem servido como justificação para que os programas de vigilância conduzidos pela NSA armazenem dados de biliões de telefonemas nos Estados Unidos. Em causa está, sobretudo, a interpretação do que é considerado relevante ou não.
A deliberação desta quinta-feira, tomada por um painel de três juízes, diz que a Secção 215 não deve servir como justificação para a recolha generalizada de informações telefónicas. Nas palavras de Gerard Lynch, o juiz que assina o documento: “[A Provisão 215] não pode legitimamente ser interpretada de maneira a permitir a recolha sistemática de grande parte dos registos de chamadas nacionais.”
Apesar de deliberar que o programa de vigilância telefónico da NSA está a ser conduzido ilegalmente, o tribunal de segunda instância deixa para o Congresso norte-americano a decisão de interromper o programa. Esse é, aliás, um debate que estava já em curso antes da deliberação desta quinta-feira.
Isto porque a validade da Secção 215 expira no primeiro dia de Junho. O Congresso está dividido sobre o que fazer em relação a esta salvaguarda e a deliberação desta quinta-feira pode influenciar o rumo da lei. A Secção 215 pode ser renovada, alterada ou, caso não seja tomada nenhuma decisão, anulada.
“À luz dos interesses de segurança nacional em jogo, consideramos prudente aguardar e dar uma oportunidade ao debate no Congresso, que pode (ou não) alterar profundamente a paisagem legal”, lê-se na decisão desta quinta-feira.
Não se sabe ainda que impacto é que a deliberação do tribunal pode ter sobre a decisão do Congresso. O Presidente dos Estados Unidos já disse que apoia os programas de vigilância da NSA, mas que quer acabar com a prática da recolha de informações telefónicas tal como ela existe agora. De acordo com o site norte-americano Politico, Barack Obama quer que o armazenamento dos dados continue, mas que seja feito pelas empresas de comunicação e não pelo Governo.
No entanto, a decisão cabe ao Congresso, controlado pelo Partido Republicano, e o líder do partido no Senado, Mitch McConnell, é um dos principais apoiantes da Secção 215. McConnell tem-se batido pela renovação da Secção 215, por um lado, e, por outro, contra um pacote de reformas aos programas de vigilância da NSA, conhecido como a Lei da Liberdade dos Estados Unidos (USA Freedom Act, em inglês). Este pacote legislativo tem apoiantes de ambas as bancadas partidárias, mas a sua aprovação continua a ser uma incógnita.
Para McConnell, a margem de manobra que a Secção 215 garante aos serviços secretos norte-americnos é preciosa. “De acordo com a CIA, se estas autorizações tivessem sido aprovadas há mais de uma década, elas teriam provavelmente impedido o[s ataques do] 11 de Setembro”, afirmou o republicano nesta quinta-feira.
Terreno desconhecido
É a primeira vez que uma instância jurídica superior nos Estados Unidos delibera sobre um dos programas de vigilância da NSA revelados por Edward Snowden. Trata-se agora de saber qual pode ser o rumo desta decisão.
Caso o Congresso aprove a extensão da Secção 215 sem nenhuma alteração, o processo pode ser enviado para o Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Uma decisão tomada a esse nível obrigaria o Governo a rever a lei.
É esta a interpretação do diário norte-americano Wall Street Journal: “Se os legisladores reautorizarem a versão actual do Patriot Act, o caso vai provavelmente seguir para o Supremo Tribunal. Se o Congresso aprovar uma versão modificada da lei, os tribunais de primeira e segunda instância vão provavelmente ter de olhar novamente para a linguagem.”
Há vários processos em tribunal que contestam os programas de vigilância da NSA. E há processos que apontam a programas diferentes, como os mecanismos de vigilância na Internet, que ficaram de fora desta deliberação.
A decisão desta quinta-feira reverte a primeira decisão – favorável – sobre o programa de vigilância telefónica. Em Dezembro de 2013, um tribunal federal de primeira instância declarou que o programa era legal e que se inseria no contexto do combate ao terrorismo no pós-11 de Setembro.
“Esta ferramenta directa funciona apenas porque recolhe tudo”, escreveu então o juiz de primeira instância, William Pauley. E concluiu: “A tecnologia permitiu à Al-Qaeda operar descentralizadamente e planear ataques terroristas internacionais à distância. A recolha de grande parte dos metadados telefónicos representa o contra-golpe do Governo.” Os "metadados" referem-se ao tipo de registo armazenado que poderá depois levar a mais informações.
A decisão tomada pelo juiz William Pauley em 2013 foi recebida com alguma controvérsia.
Uns dias antes de Pauley anunciar a sua decisão, o juiz Richard Leon, do tribunal distrital de Columbia, deliberara exactamente o contrário. Segundo Leon, o programa de recolha de informação telefónica representa uma invasão sem precedentes da privacidade dos cidadãos norte-americanos e deve terminar.
“Não consigo imaginar uma invasão mais ‘indiscriminada’ e ‘arbitrária’ do que esta recolha e retenção sistemática e de alta-tecnologia dos dados pessoais de possivelmente qualquer pessoa”, disse Richard Leon em Dezembro de 2013.
Este tom foi o mesmo que foi utilizado nesta quinta-feira pelo colectivo de três juízes. “O texto da [Secção 215] não pode suportar o peso que o Governo nos pede que lhe seja atribuído, e não autoriza o programa de [recolha] de metadata telefónica”, lê-se na deliberação.