Tribunal de Estrasburgo declara que a CIA torturou suspeito

O caso de Masri foi dos primeiros a expor o programa secreto de detenções. Decisão é "marco na luta contra a impunidade", diz a Amnistia Internacional.

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Masri nasceu no Líbano mas tinha passaporte alemão há mais de uma década quando foi capturado Gerard Celes/AFP

Numa decisão histórica, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos declarou que Khaled al-Masri foi torturado pela CIA e considerou o Estado da Macedónia culpado de torturar, abusar e deter ilegalmente o alemão.

Masri foi raptado no fim de 2003, quando estava de férias na Macedónia. Inicialmente capturado pela polícia local, passou 23 dias isolado num hotel de Skopje, onde foi maltratado.

Em seguida, foi entregue a agentes da agência de espionagem americana, a CIA, e depois levado para o Afeganistão, em Janeiro de 2004. Durante o voo, Masri diz ter sido despido, espancado, acorrentado, obrigado a usar fraldas e drogado. Seguiram-se mais cinco meses de tortura: “Fui espancado em todos os sítios com um objecto cortante qualquer […]. Eu queria saber por que estava ali e [o interrogador] dizia: ‘Estás num país sem leis e ninguém sabe onde estás’”, contou em 2005 numa entrevista à NBC.

O Tribunal de Estrasburgo considerou que a descrição feita por Masri pôde “ser verificada para além de qualquer dúvida” e que a Macedónia “é responsável pela tortura e maus tratos que sofreu no próprio país e depois da sua transferência para as autoridades dos Estados Unidos no contexto de uma ‘rendição’ extrajudicial”.

“O tratamento de Masri no aeroporto de Skopje às mãos da equipa da CIA – onde foi violentamente espancado, sodomizado, acorrentado, sujeito a privação sensorial total – aconteceu na presença de representantes estatais [da Macedónia] e dentro da sua jurisdição”, considerou ainda o tribunal, que condenou o Governo macedónio a pagar 60 mil euros a Masri.

“Na opinião do tribunal, o tratamento [a que Masri foi sujeito] é comparável a tortura, em violação do Artigo 13 [da Convenção Europeia dos Direitos Humanos]”, lê-se ainda na decisão.

É a primeira vez que o Tribunal de Estrasburgo descreve como tortura o tratamento usado pela CIA com estes suspeitos. Ao mesmo tempo, “trata-se da primeira vez que um Estado europeu é responsabilizado pelo seu envolvimento nos programas secretos liderados pelos EUA e um marco na luta contra a impunidade”, congratulou-se a Amnistia Internacional. “A Macedónia não está sozinha”, sublinha o grupo num comunicado conjunto com o Comité Internacional de Juristas.

O caso de Masri foi um dos primeiros a expor o programa secreto de detenções da CIA promovido pela Administração do Presidente George W. Bush no qual suspeitos eram raptados num país e enviados para outro onde a tortura era prática corrente – a agência secreta dos Estados Unidos coordenava os interrogatórios dos suspeitos; nalguns destes sítios a CIA geria mesmo prisões secretas.

Alerta para Obama

Para James Goldston, director da Iniciativa Justiça da Open Society e um dos advogados de Marsi, este julgamento é “a condenação mais clara dos abusos ilegais associados com a campanha da CIA contra a Al-Qaeda no pós-11 de Setembro, e da cumplicidade europeia”. E é feita, sublinhou à BBC, pelo “principal tribunal de direitos humanos do mundo”. O veredicto, afirmou ainda em declarações ao jornal The Guardian, deveria ser um alerta para a administração de Barack Obama: "É simplesmente inaceitável" continuar a recusar um escrutínio sério das actividades da CIA.

Depois de concluírem que o tinham capturado por engano e que Masri, nascido no Líbano, nada sabia sobre a Al-Qaeda, os norte-americanos levaram-no, vendado e algemado, de avião para a Albânia, onde foi abandonado numa estrada.

Desde que foi libertado, Masri tem lutado por limpar o seu nome na Alemanha e nos EUA. Tentou sem sucesso processar 13 agentes da CIA em tribunais norte-americanos. Nos últimos anos envolveu-se numa série de incidentes violentos e actualmente cumpre uma pena de dois anos por ter atacado um autarca.

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