Porque estão os americanos brancos de meia-idade a morrer mais?

Estudo do Prémio Nobel da Economia Angus Deaton analisa a mortalidade na América. Pessoas com um nível mais baixo de educação estão a morrer mais cedo, num fenómeno sem comparação com qualquer outro país rico.

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Entre os brancos com um nível de educação mais baixo a mortalidade aumentou 22% Spencer Platt/Getty Images/AFP

Os americanos brancos de meia-idade (45-54 anos) nos Estados Unidos estão a ser vítimas desde 1998 de uma alta taxa de mortalidade, que já é equivalente ao efeito das mortes provocadas pela epidemia de sida nos EUA, nota um estudo de Angus Deaton, o mais recente Prémio Nobel da Economia, e da sua mulher, Anne Case, ambos da Universidade de Princeton.

Se a tendência da descida da mortalidade se tivesse mantido nos valores registados em 1998, escreve o casal de investigadores na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), no período entre 1999 e 2013 deviam ter-se registado menos 96 mil mortes nos EUA do que realmente houve. E se o declínio tivesse seguido a tendência anterior a 1998, então esperar-se-ia menos meio milhão de mortes – comparável às mortes para a epidemia da sida até meados de 2015, notam.

É só entre os americanos que nos censos se definem como brancos e que têm entre 45 e 54 anos que se verifica este fenómeno. Negros e hispânicos continuam a fazer progressos na longevidade – embora os negros ainda vivam menos que os brancos nos EUA. Mas entre os brancos com um nível de educação mais baixo – que não completaram o ensino secundário –a mortalidade aumentou 22%.

“Este episódio é histórica e geograficamente único”, escrevem os investigadores. Não tem comparação com outros países desenvolvidos, na Europa, Austrália, ou Canadá, onde os ganhos na saúde e na longevidade permitidos pelos avanços na medicina e na sociedade se traduziram numa queda da mortalidade.

O que faz os americanos brancos de meia-idade morrer mais? Não se sabe, mas identificam-se problemas sociais e pessoais com que estas pessoas não estão a conseguir lidar: alcoolismo e morte por overdoses, estão no top. Suicídios vêm a seguir, e em linha ascendente. É nos estados do Sul e do Oeste dos EUA que a taxa de mortalidade devido a estes dois factores é maior.

O cancro do pulmão é a terceira causa, mas está a decrescer. E as doenças hepáticas crónicas estão a subir: para os americanos brancos com menor escolaridade, entre 1999 e 2013, a taxa de mortalidade devido a drogas subiu mais de quatro vezes, e a que se deve a doenças crónicas do fígado e cirrose subiu 50%. A diabetes mantém-se bastante abaixo das outras causas, com uma certa tendência para subir, mas muito abaixo das outras.

“Já foram notados os aumentos dos suicídios e das intoxicações com drogas. No entanto, tanto quanto sabemos, não foi sublinhado que esta tendência era suficientemente alargada e persistente para fazer aumentar o total da mortalidade na meia-idade”, escrevem os economistas, explicando a originalidade do seu estudo.

Dores em todo o lado
A pergunta do milhão de dólares, claro, é o que está a causar isto? O estudo de Angus Deaton e Anne Case não permite responder, mas dá algumas pistas.

Para começar, estes americanos de meia-idade estão em sofrimento. Têm muitas dores, sobretudo nas articulações, têm doenças mentais, sentem dificuldade em realizar tarefas diárias, como caminhar no seu bairro, ir às compras, sentar-se, levantar-se. A obesidade é apenas um dos factores para a deterioração da saúde na meia-idade, não é determinante para esta auto-avaliação, sublinham os investigadores.

“Este aumento da morbilidade e da mortalidade nos americanos brancos não é bem compreendido”, frisam, mas estará relacionado com o disparar da prescrição de medicamentos opióides para as dores no fim da década de 1990. O acesso facilitado a estas drogas, que causam dependência, é culpado pelo renascimento do consumo de heroína nos EUA, que afecta a classe média e as mulheres, em locais onde antes não chegava – e que pode estar relacionado também com este aumento da mortalidade na meia-idade.

“A epidemia de dor para a qual os opióides foram concebidos é bem real, embora os dados não permitam estabelecer se aumentou primeiro a dor ou o uso destes medicamentos”, escrevem Deaton e Case. “Mas a dor é um factor de risco para a o suicídio. O crescimento do abuso de álcool e de suicídios, que cresceram temporal e espacialmente ao seu lado, são provavelmente sintomas da mesma epidemia.”

Além disso, defendem, é possível fazer ligações à crise financeira e à instabilidade económica que esta provoca. “Muitos elementos da geração baby-boom descobrem, na meia-idade, que não ficarão melhor do que os seus pais. O crescimento dos rendimentos tem sido lento neste grupo, em especial para aqueles que só têm o ensino secundário”, escrevem. A ajudar para a sua angústia, frisam, os EUA optaram por planos de pensões complementados por acções na bolsa, e a percepção do risco, acentuada pelos últimos anos de agitação nos mercados, não ajuda a tranquilizá-los.

O futuro não é risonho: “As dependências são difíceis de tratar, por isso aqueles que hoje estão na meia-idade podem vir a ser ‘uma geração perdida’, com um futuro bem menos brilhante do que aqueles que os precederam.”

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