Suíça rejeita lei de expulsão de estrangeiros condenados por delitos menores

Aliança de partidos nacionalistas na Suíça sofre rara derrota eleitoral. Nova lei poderia significar a expulsão de segundas e terceiras gerações de imigrantes por crimes punidos com multas.

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Apelo ao voto "Sim" pelo SVP, que recuperou o mesmo tema da "ovelha negra" usado na campanha pela lei de 2010. Fabbrice Coffrini/AFP

A Suíça recusou este domingo uma proposta de lei que resultaria na expulsão automática e sem direito a recurso de cidadãos de nacionalidade estrangeira condenados por um crime grave ou dois pequenos delitos em dez anos, como são considerados, por exemplo, casos de agressões ligeiras ou multas por excesso de velocidade. Caso tivesse sido aprovada, a lei poderia ser aplicada a segundas e terceiras gerações de emigrantes, nascidos no país mas sem passaporte suíço.

A proposta foi rejeitada por 58,9% contra 41,8% dos votos, um intervalo superior ao que sugeriam as últimas sondagens que davam por certo o apoio de pelo menos 45% dos suíços à nova lei de deportação de estrangeiros. Trata-se de uma rara derrota eleitoral para os autores da lei, a coligação Partido do Povo Suíço (SVP) — ou União Democrática do Centro, em francês —, coligação de partidos de direita nacionalista e populista que nos últimos anos cresceu ao ponto de ser hoje a maior força política no Parlamento, onde detém um terço dos assentos.

A aliança conseguiu aprovar em 2010 uma proposta para a deportação imediata de cidadãos estrangeiros condenados por crimes graves. Nessa altura, 52,9% dos suíços aceitaram a nova lei, mas as suas regras acabaram por ser atenuadas no último ano, quando o Parlamento passou a permitir que juízes travassem certos casos de deportação. A votação deste domingo estava a ser apresentada pelo SVP como uma oportunidade para restituir a vontade popular de há seis anos, apesar de a nova proposta ser muito mais dura do que a original.

O novo projecto alarga drasticamente o espectro de crimes que podem resultar na expulsão de um cidadão com passaporte estrangeiro, que são 25% dos residentes na Suíça, incluindo milhares de portugueses. Prevê a deportação imediata e sem recurso a quem tenha cometido um crime grave, como homicídio, violação ou assalto à mão armada, por exemplo, logo que seja cumprida a pena de prisão. O mesmo aconteceria a não-nacionais que tivessem cometido dois “delitos menores” num espaço de dez anos, mesmo que muitos destes crimes sejam hoje punidos apenas com multas leves ou penas de prisão curtas. A lei eliminaria também a possibilidade de juízes impedirem deportações em casos que possam causar “dificuldades pessoais sérias” ao condenado.

“É uma decepção, uma decepção para as vítimas”, disse este domingo Céline Amaudruz, deputada da aliança SVP, ao comentar os resultados do referendo. A mesma coligação que no último ano conseguiu aprovar marginalmente a imposição de quotas máximas na imigração para a Suíça argumentava que a nova lei de deportação era um passo necessário para confrontar os receios de segurança em face da grande vaga de refugiados e migrantes na Europa. “O facto é que a maioria dos crimes violentos — violações, por exemplo — são perpetrados por estrangeiros”, dizia esta semana o líder do SVP, Toni Brunner.

A oposição à proposta uniu Governo, Parlamento, Igreja e sindicatos. Aos cartazes do SVP que reutilizavam a contestada imagem de 2010 em que uma ovelha branca pontapeava uma outra, negra, para fora do país, o movimento contrário respondeu contra aquilo que dizia ser o momento nacional-socialista da Suíça. Nos seus cartazes, a cruz branca da bandeira nacional transforma-se numa suástica: “1933: Alemanha; 1948: África do Sul; 2016: Suíça.”

O voto “sim” seria um novo obstáculo à relação da Suíça com a União Europeia, num momento em que o país ainda tenta chegar a consenso com os parceiros sobre como aplicar as quotas máximas de imigração aprovadas em 2014. Num contexto em que vários países europeus endurecem leis de asilo e imigração para combater o pico de circulação de refugiados e migrantes na Europa, a aprovação da proposta do SVP significaria romper com “a herança suíça e europeia de justiça”, segundo afirmava Nicoolo Raselli, antigo juiz federal e líder da campanha pelo “não”.

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