Por uma guarda fronteiriça europeia

A União Europeia carece de um corpo – verdadeiramente europeu e não unicamente nacional – de polícia que fiscalize as suas fronteiras externas terrestres, marítimas e aéreas.

1. Há bem mais de dez anos, defendi nestas precisas páginas a trilogia de Denninger, que – talvez muito sugestionado pelas possibilidades heurísticas da sociedade de risco de Ulrich Beck – elevava o valor da segurança a um dos étimos da democracia. Na verdade, propunha como triângulo de valores para as sociedades globalizadas e multiculturais de risco a tríade “diversidade, solidariedade e segurança”, lá onde os revolucionários haviam proclamado a clássica “liberdade, igualdade, fraternidade”.

Eram tempos em que muitos começavam a despertar do delírio de Fukuyama, que vislumbrara, num putativo triunfo da democracia liberal e do capitalismo, o fim da história. Eram tempos em que alguns começavam a reler, com assomos de maior credibilidade e verosimilhança, o choque de civilizações de Huntington. Mas um ponto parecia inegável, a multiplicação e disseminação dos riscos – fossem ambientais, tecnológicos, sociais, económicos, laborais ou simplesmente físicos – dava consistência à aspiração das populações por segurança. De resto, a segurança – ainda que sob o nome de pax – foi sempre a finalidade precípua das comunidades políticas. Pax et iustitia, talvez por esta ordem, são os desígnios maiores da política e do estabelecimento político das comunidades humanas. O anseio dos povos por liberdade e por prosperidade não é (nem pode ser) independente das suas necessidades de segurança. Não há liberdade sem segurança e não é por acaso que, nas mais emblemáticas proclamações de direitos e garantias, o direito à liberdade aparece sempre ligado ao direito à segurança. Mesmo na Constituição portuguesa, o artigo 27.º tem como epígrafe “Direito à liberdade e à segurança”, o que atesta bem o nexo íntimo existente entre os dois valores e serve naturalmente – convém não o esquecer – para pôr limites funcionais às necessidades de segurança. Não está em causa, perante as ameaças que tão patentemente nos rodeiam, fazer a apologia de qualquer vaga securitária. Muito pelo contrário: está em jogo ser capaz de, numa conjuntura especialmente adversa, pensar para lá da contingência e procurar soluções que possam garantir a segurança duradouramente.

2. Toda a discussão que atinge as dimensões da liberdade e da segurança anda, nestes dias, à volta de Schengen e dos seus alegados malefícios. São muitos os políticos oportunistas que, por toda a Europa, atribuem à inexistência de controlos fronteiriços terrestres a responsabilidade por níveis acrescidos de insegurança. Há até quem vá mais longe e, simplesmente, à boa maneira do UKIP, e até do Governo inglês, faça da mera liberdade de circulação o inimigo a abater. E não falta quem veja, sem mais, todo o mal na imigração e procure fazer dela o bode expiatório dos problemas europeus. Muitos são também, e por outro lado, os que, com doses variadas de idealismo, recusam toda e qualquer alteração no sistema de Schengen, por receio fundado de um aproveitamento deste ensejo para realizar outros desideratos (designadamente, visando enfraquecer a União Europeia enquanto tal).

É natural que seja necessário encontrar aqui soluções intermédias, que possam dar operacionalidade aos controlos policiais e militares e que possam estabilizar as expectativas e apaziguar as angústias das populações no seu quotidiano. Toda e qualquer restrição deve ser precária e provisória, organizada e levada à prática de maneira a que os níveis de liberdade e de não intromissão possam ser repostos com a maior celeridade. A questão principal, porém, é justamente a do médio prazo e das políticas estruturais.

3. A solução, mais uma vez, e contra as evidências de curto prazo, não se consegue nesta matéria com menos Europa, mas sim com mais Europa. Aquilo que de há muito se sente falta, para gerir o notável espaço de liberdade e de mobilidade que é Schengen, é de uma verdadeira “guarda” ou “polícia fronteiriça” europeia. Tenho dito amiúde que a União Europeia carece de um corpo – verdadeiramente europeu e não unicamente nacional – de polícia que fiscalize as suas fronteiras externas terrestres, marítimas e aéreas. É profundamente injusto que países como a Itália, a Grécia, a Espanha, Chipre ou Malta, que têm uma pressão fortíssima nas suas fronteiras mediterrânicas, tenham de suportar financeira e logisticamente as respectivas estruturas de polícia. É bem sabido que essa pressão se dirige à Europa enquanto tal – enquanto espaço de paz e prosperidade, com padrões humanitários elevados, que fazem o sonho de tantos pobres e refugiados – e não propriamente àquele grupo de países. São também conhecidas as debilidades dos controlos na Bulgária e na Roménia, designadamente em face de algumas das ameaças que agora estão no auge da visibilidade. E basta pensar na vulnerabilidade dos três países bálticos para perceber a urgência da criação de um corpo deste tipo.

É evidente que a criação de uma unidade destas pressuporia a definição de uma política comum de mobilidade, de migração, de asilo e de auxílio humanitário, em especial em face de países terceiros. E também que seria necessário conciliar, nestes corpos policiais, os níveis adequados de “europeização” com uma presença nacional que assegurasse a preservação dos interesses vitais de cada Estado. É absolutamente necessário melhorar os controlos nos limites territoriais externos da União, é imprescindível aumentar os padrões humanitários de tratamento dos milhares de pessoas que ilegalmente afluem à Europa e isso só é possível com uma guarda europeia. Eis uma solução de médio prazo que pode muito bem ser o embrião de uma futura defesa europeia, combinando capacidades policiais e militares e ocupando as dimensões marítima, terrestre e aérea do território Schengen. Nem sempre mais segurança significa menos liberdade.

SIM e NÃO

SIM. Pires de Lima. No processo da TAP, e com custos que lhe são imputáveis, tem sabido ultrapassar um a um os obstáculos, pondo sempre o essencial à frente do acessório.

NÃO. António Costa. Depois de um mês de apagamento, emergiu no fim-de-semana. Sem ideias e sem propostas, com um discurso vago e abstracto e sondagens ao nível de Seguro, está cada vez mais longe das expectativas que gerou.

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