Vaticano abre via rápida e mais barata para processos de nulidade de casamentos

Papa Francisco aprova a maior reforma dos últimos 300 anos para permitir que os fiéis possam voltar a casar-se pela Igreja se os seus pedidos de nulidade forem aceites.

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Francisco reafirmou que o casamento católico é indissolúvel VINCENZO PINTO/AFP

O anúncio já era esperado desde o ano passado, quando o Papa criou uma comissão para discutir a forma como os processos de nulidade dos casamentos são tratados, mas as conclusões anunciadas esta terça-feira não deixaram de agitar o mundo católico. A partir de agora, quem se casou pela igreja e se divorciou pelo civil vai ficar a saber com mais rapidez e com menos custos se o seu matrimónio religioso pode ser considerado nulo.

As alterações representam uma verdadeira revolução na Igreja Católica, que já não se debruçava sobre este tema com profundidade há mais de 100 anos – em toda a história da instituição, a nulidade dos casamentos só tinha sido alvo de reformas em meados do século XVIII e no início do século XX, sublinhou o padre Pio Vito Pinto, presidente da comissão que discutiu as reformas anunciadas esta terça-feira.

Não está em causa a dissolução de um casamento católico, como se se tratasse de um divórcio civil – no documento escrito pelo Papa Francisco fica claro que o casamento religioso continua a ser indissolúvel, à imagem da relação de Deus com o homem, segundo a Igreja Católica.

Trata-se, isso sim, de simplificar um pesado processo que pode demorar anos e custar milhares de euros, e que tem como objectivo responder a uma única pergunta: um determinado casamento católico pode ser considerado nulo, permitindo que os antigos membros do casal possam, se assim quiserem, voltar a casar-se numa cerimónia religiosa?

Enquanto um divórcio (que não é reconhecido pela Igreja Católica) é a anulação de um casamento, o pedido de nulidade, se for aceite, determina que esse casamento nunca chegou a ter lugar à luz do direito canónico. Neste processo são tidos em conta vários factores, mas é preciso provar que qualquer um deles já existia antes de o casamento ter sido celebrado – por exemplo, se um dos elementos do casal tinha uma relação amorosa com outra pessoa quando se casou; se a mulher tinha interrompido a gravidez; ou se uma das partes se casou pela igreja apenas por pressão social.

Nada muda em relação aos motivos que podem fazer com que um casamento seja considerado nulo, mas a partir de agora será tudo mais rápido – o cardeal Francesco Coccopalmerio, um dos principais conselheiros do Papa, e que também fez parte da comissão, disse esta terça-feira que os processos mais simples podem ficar resolvidos em apenas 45 dias.

Nos documentos, o Papa Francisco sublinha que o objectivo não é "promover a nulidade dos casamentos, mas sim a rapidez dos processos", para que os católicos não se sintam "oprimidos pelas trevas da dúvida" durante um longo período.

Bispos com mais autoridade
Uma das alterações mais importantes é o facto de os processos de pedido de nulidade serem agora tratados na diocese do casal, o que deverá encurtar em muito o prazo para uma decisão. Nos casos mais simples – naqueles em que ambos os elementos do casal estão de acordo, e em que há provas evidentes de nulidade –, não será necessária uma segunda avaliação, e a primeira poderá ser feita pelo próprio bispo.

Até agora era preciso esperar por uma segunda sentença (geralmente decretada por um tribunal de outra diocese) para fazer avançar o processo – se não houvesse consenso, o caso teria de seguir para o Vaticano, adiando ainda mais a espera por uma decisão. Com as alterações aprovadas pelo Papa Francisco, o recurso a uma segunda decisão deixa de ser obrigatório e automático, mas continua a ser possível de forma facultativa.

Estas alterações entram em vigor no dia 8 de Dezembro, que marca o início do Jubileu da Misericórdia, convocado pelo Papa em Março passado, e que se prolongará até 20 de Novembro de 2016.

Para o interior da Igreja Católica, a alteração mais significativa é a passagem da responsabilidade para os bispos locais nos processos de pedido de nulidade. O padre Pio Vito Pinto disse mesmo que a Santa Sé já não procedia a alterações tão importantes desde o papado de Bento XIV, em meados do século XVIII (1740-1758).

Em grande parte, disse Vito Pinto, "pôr os pobres no centro é o que distingue a reforma do Papa Francisco das reformas do Papa Pio X e do Papa Bento XIV", numa referência às instruções de Francisco para que os processos de nulidade passem a ser gratuitos.

No documento, o Papa Francisco pede que "a gratuitidade do procedimento seja garantida, para que a igreja, num assunto tão ligado à salvação das almas, possa demonstrar a gratuitidade do amor de Cristo".  

Também presente na conferência de imprensa em que foram divulgadas as alterações ao processo de pedido de nulidade dos casamentos, o padre Alejandro Bunge, secretário da comissão nomeada no ano passado, lembrou a comparação que o Papa fez entre a Igreja Católica e um hospital de campanha depois de uma batalha, "em que é preciso sarar as feridas e só depois tratar do resto": "Àqueles que têm ferimentos especiais – um casamento nulo desde o início –, vamos dispensar cuidados intensivos."

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