Oposição abandonou Parlamento em Angola em protesto contra "perseguição política"

MPLA reage, afirmando que "objectivo máximo da governação é garantir a paz e a reconciliação”.

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O cortejo fúnebre de Manuel Hilberto de Carvalho, na quarta-feira ESTELLE MAUSSION/AFP

A oposição em Angola abandonou em bloco o Parlamento, nesta quinta-feira, em protesto contra o que diz ser a “intransigência” do MPLA, partido no poder.

Os quatro partidos da oposição parlamentar reclamam um debate urgente sobre a actuação das forças de segurança, a repressão policial de manifestações pacíficas e a morte de activistas pelas forças de segurança. E dizem esbarrar na recusa do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola, no poder), no dia em que também a comunidade angolana em Portugal organiza um protesto (18h30) junto ao edifício da representação da Comissão Europeia, no Largo Jean Monnet em Lisboa.

Os deputados da oposição parlamentar entraram na Assembleia Nacional, vestindo camisolas em fundo negro, com as palavras “Basta de mortes, respeitem a vida”, numa alusão ao assassínio de activistas. Queixam-se de terem sido revistados antes de entrarem no edifício, situação justificada por “ordens superiores”, segundo a Lusa, que escreve que alguns órgãos de imprensa estrangeira foram proibidos de entrar.

Na origem da crescente revolta da oposição e de uma parte da sociedade civil está a morte de Manuel Hilberto de Carvalho (“Ganga”), dirigente da oposição, abatido por elementos da guarda do Presidente José Eduardo dos Santos, no passado fim-de-semana. Este caso veio juntar-se ao de outros dois activistas, Isaías Cassule, 34 anos, e Alves Kamulingue, 30 anos, promotores de uma manifestação de veteranos e ex-militares em Maio de 2012, desaparecidos desde então, e agora dados como mortos por elementos das forças de segurança, num relatório confidencial do Ministério do Interior, que veio a público há três semanas.

A União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), com 32 deputados eleitos nas legislativas de 2012, a Convergência Ampla de Salvação de Angola (CASA-CE), com oito deputados, o Partido da Renovação Social (PRS), com três, e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), com dois parlamentares, exigem uma discussão sobre a violência e a “perseguição política” em Angola. Nesta quinta-feira, abandonaram os trabalhos e fica em aberto um abandono definitivo.

Na quarta-feira, a marcha que acompanhava o cortejo fúnebre de Manuel Hilberto "Ganga", morto pela guarda presidencial na noite de sexta-feira, quando participava numa acção do seu partido (CASA-CE) de afixação de cartazes, foi reprimida pela polícia. Ao PÚBLICO o líder do partido Abel Chivukuvuku evocou, no dia da marcha, a necessidade de a oposição parlamentar se concertar para decidir se abandona de vez as bancadas. “É provável que deixemos de participar nos trabalhos do Parlamento, enquanto aí não se discutir o estado da democracia e enquanto não se encontrar uma forma de diálogo com o Governo no sentido de um respeito dos princípios e dos valores da democracia.”

“Garantir a paz”, diz MPLA
Para o MPLA, “o debate político não deve confundir-se com os casos sob investigação e em segredo de justiça”, segundo disse ao PÚBLICO o vice-presidente do grupo parlamentar do partido no poder, João Pinto, acrescentando que a morte de Manuel Hilberto "Ganga" “está a ser investigada pelos órgãos competentes, como em qualquer democracia, pela Procuradoria-Geral da República”.

Depois da saída dos deputados da oposição, os trabalhos seguiram o seu curso normal de acordo com a agenda de trabalhos “marcada 15 dias antes”, explicou João Pinto. A revista aos deputados “é um procedimento normal à entrada de qualquer órgão de soberania”, disse este dirigente do MPLA, antes de considerar que a situação que o país vive “não justifica que o Parlamento abandone a agenda prevista dos trabalhos para discussão". “A oposição queria que a sessão de hoje não se realizasse. Mesmo em período de guerra, o Parlamento não interrompeu os trabalhos”, lembrou.

“As manifestações num país pós-conflito levantam sempre problemas de paz e segurança. E devem respeitar os órgãos competentes”, afirmou, quando questionado sobre a possibilidade de o MPLA vir a debater os temas propostos pela oposição, como a proibição recente de manifestações. “O MPLA foi o partido que garantiu a paz e a reconciliação e é o partido que governa Angola.” E acrescentou: “O fim máximo da governação [continua a ser] garantir a paz e a reconciliação.”

A UNITA decidiu manter a manifestação de sábado passado, apesar de desaconselhada pela Polícia Nacional e proibida pelo Ministério do Interior, que invocou o risco de distúrbios por estar marcada para o mesmo dia uma acção do MPLA, anunciada dias depois da iniciativa da UNITA, e numa altura em que o Presidente Eduardo dos Santos está fora do país.

O site Maka Angola, do activista angolano Rafael Marques, escreve que “nos últimos meses a saúde do Presidente tem sido abalada”, o que o tem levado “a deslocar-se com frequência” para tratamentos médicos em Espanha. João Pinto confirma apenas que José Eduardo dos Santos está “numa visita privada” em Espanha, sem avançar a data prevista para o seu regresso.
 
 

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