Terrorismo quase ausente de um discurso que fez o elogio da contenção

Presidente americano vai pedir ao Congresso nova autorização para uso da força contra o Estado Islâmico

Com a América a olhar cada vez mais para dentro, foi escasso o tempo que o Presidente norte-americano deixou para a política externa no seu sexto discurso do Estado da União e ainda menos o que dedicou à luta contra o terrorismo. Apesar do sobressalto criado na Europa pelos ataques de Paris e dos três mil militares que tem a apoiar a luta contra o Estado Islâmico no Iraque, Barack Obama preferiu usar os seus minutos para defender os proveitos da sua diplomacia de contenção.

Pela primeira vez desde 2001, o nome da Al-Qaeda não foi referido uma única vez e foi preciso esperar 32 minutos até Obama se referir pela primeira vez aos “os desafios para lá das fronteiras americanas”, notou o Washington Post, sublinhando que a opção não espanta face a sondagens como a revelada já este mês pelo instituto Gallup, segundo a qual apenas 2% dos americanos consideram o terrorismo o principal problema que afecta os EUA.

No que à política externa diz respeito houve, aliás, uma única novidade: Obama anunciou que vai pedir ao Congresso uma nova autorização para o uso da força contra os jihadistas, com o objectivo de “mostrar ao mundo que os EUA estão unidos nesta missão”.

O Presidente norte-americano sempre insistiu que não ultrapassou os seus poderes quando, em Agosto, enviou os seus aviões para travar a ofensiva dos EI no Iraque, numa missão que se estendeu um mês depois à Síria. Recorreu para o efeito, à resolução aprovada dias depois dos atentados de 11 de Setembro, que autorizou o Presidente George W. Bush a usar os meios necessários para combater a Al-Qaeda e que, desde então, serviu para enquadrar inúmeras operações antiterrorismo. Mas os constitucionalistas dizem que o diploma não se adequa à situação actual: o EI não existia quando a autorização foi aprovada e o grupo não se reconhece como parte da rede fundada por Bin Laden.   

Há suficiente consenso nas duas câmaras do Congresso – agora ambas sob controlo dos republicanos – sobre a ameaça que o EI representa para passar uma nova autorização. No entanto, não é claro se deixará ao Presidente uma margem de manobra tão ampla como a aprovada em 2001: os democratas querem garantias de que não serão enviadas tropas para o terreno; alguns republicanos desejam incluir na lista de alvos as forças do regime sírio – uma opção que Obama sempre rejeitou.

Por ter decidido não bombardear o Exército de Bashar al-Assad, mesmo depois de o ter responsabilizado pelo ataque com armas químicas que em Agosto de 2013 matou centenas de civis nos arredores de Damasco, Obama foi acusado de ser um líder fraco, que com a sua indecisão fragilizou a posição dos EUA no mundo, uma acusação que voltou a ser repetida quando a Rússia anexou a Crimeia, na Primavera de 2014.

Obama entende que os últimos meses mostram como estavam errados os adeptos das “decisões apressadas” e do envio de tropas a qualquer custo. No Médio Oriente, em vez de terem sido “arrastados para uma nova guerra”, os EUA “lideram uma coligação ampla” que foi capaz de “travar o avanço do EI”. Em relação a Moscovo, as sanções impostas em conjunto com a União Europeia permitiram à “América manter-se forte e unida aos seus aliados, enquanto a Rússia está isolada, com a economia em dificuldades” – uma afirmação que levou o chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, a acusar os EUA de manterem a “estratégia de confrontação” e de “domínio mundial”.

O Presidente foi mais assertivo ao falar de Cuba, pedindo ao Congresso que ponha fim ao embargo à ilha (um passo improvável para uma oposição republicana maioritariamente contra a normalização das relações iniciada pelos dois governos) e sobretudo quando reafirmou que vetará qualquer tentativa de impor novas sanções ao Irão. “Não há garantias de que as negociações [sobre o programa nuclear] vão ser bem-sucedidas”, mas qualquer medida adicional contra Teerão “tornará certo o fracasso da diplomacia”, avisou.

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