NATO – conceito ainda justificado ?

As graves e enormes ameaças que nos esperam justificam plenamente uma forte NATO. Mas estrategicamente mais perspicaz.

Ao longo do tempo participei em reflexões estratégicas da NATO. Essa reflexão não é linear. O contexto internacional de ameaças mudou radicalmente desde o fim da Guerra Fria, que moldara a conceptualização da NATO ao longo de décadas. Será ainda justificada a existência desta organização? Sim, não duvido. Mas duvido da perspicácia estratégica com que alguns têm tentado justificá-la.

A NATO representa 70% das atuais despesas militares do mundo. Constituída após a 2.ª Guerra Mundial, em 1949, a NATO definiu-se como uma aliança militar de defesa colectiva. Subjacentes a este conceito estavam o receio de uma agressão pela União Soviética na Europa, a vantagem de envolver os Estados Unidos na protecção deste continente e o temor sobre a Alemanha, que não foi fundadora da NATO mas que a integraria 6 anos mais tarde. Como resposta à formação da NATO, em 1955 a União Soviética formou um conceito militar antagonista, o Pacto de Varsóvia.

A Guerra Fria dividiu o planeta durante décadas, entre os espaços de influência ocidental e soviético, enquanto uma corrida armamentista, designadamente nuclear, manteve o mundo à beira de um precipício existencial, sobre um equilíbrio de terror de destruição mútua. Mas em 1991 Gorbatchov, o último líder da União Soviética, extinguiu-a através da declaração 142-H do respectivo órgão supremo. Não apenas aquela superpotência implodiu como também induziu a independência de novos países que antes a integravam, bem como libertou da sua tutela nações da Europa de Leste que, anos mais tarde, viriam a integrar a própria NATO. A percepção de ameaças militares à segurança ocidental desaparecera num ápice. A NATO pareceu órfã de objectivos, de razão de existir. Decorrida uma década, os ataques terroristas de 11 de Setembro 2001 nos Estados Unidos foram considerados como um ataque a um país membro da NATO e esta aliança interveio no Afeganistão para destruir a implantação da Al-Qaeda. Estava iniciada uma nova visão de riscos globais. A NATO reinventou-se gradualmente de um modo parcialmente adequado. Todavia, a febril procura de fundamentos para a sobrevivência da NATO toldou frequentemente a lucidez.

Em 2014 a Rússia anexou a Crimeia, cuja população possui afinidades predominantes com os russos. Mas este caso foi aproveitado pela Rússia para uma afirmação de poder e pela NATO para demonizar a Rússia como inimigo máximo do Ocidente. Exercícios militares de ambos contribuíram, quase imaturamente, para um clima de tensão desnecessário. Mas muitos, no seio da NATO, viram nessa situação o que há décadas procuravam, a visualização da Rússia como um perigoso inimigo militar, que pretensamente volta a justifica-la militarmente. Contudo, isso não é exacto.

Sempre fui partidário do bloco ocidental, em oposição à estratégia soviética. Mas devemos ser objectivos. Apesar de condicionada, a União Soviética auto-extinguiu-se unilateralmente e libertou nações que a NATO se apressou a captar para o seu seio, de um modo humilhante e ostensivo perante a Rússia, que não convidou mesmo que através de uma transição muito longa. Terá sido sensato perder um momento histórico para pacificar os antigos grandes inimigos? Não. Nem devemos ignorar que a Rússia teria sido um progressivo grande aliado na luta, essa sim, crítica, contra as grandes ameaças que (ambos) enfrentarão nas próximas décadas. O Ocidente continua a não compreender o que serão as futuras fases de tenebroso terrorismo islâmico, nem imagina as guerras que poderão ocorrer na Ásia, por exemplo, de formas que poderão paralisar a nossa economia e o nosso modo de vida. Nem se compreende que aliados que nos parecem eternamente seguros poderão tornar-se em enormes focos de insegurança num instante. O Irão foi o maior aliado do Ocidente no Golfo Pérsico e passou a ser um perigo para o mundo em escassos meses. O mesmo pode suceder à nossa porta no Norte de África. A proliferação nuclear em países de alto risco é irreversível. Convulsões globais podem eclodir em horas. O regime saudita corre sérios riscos de ser derrubado por radicais islâmicos. A Turquia que se preparava para ser acolhida na União Europeia transformou-se num ponto explosivo em poucas horas. E qual será a fiabilidade do nosso aliado mais poderoso, os Estados Unidos, se Trump se tornar no seu presidente? Existem clivagens sérias dentro da NATO e entre esta e a União Europeia. Teremos enormes problemas de segurança. Não é inteligente acirrar mais inimigos que poderíamos converter gradualmente em aliados.

A NATO acaba de definir uma panóplia de objectivos que é inteligente, mas tão extensa e declarativa que se tornará inexequível, inclusive nos países europeus cujas economias enfraquecidas dificultam o financiamento da defesa. A ciberdefesa ou a intensificação da operação dos AWACS, por exemplo, são opções excelentes da NATO. Mas as alianças de segurança devem ir muito além dos respectivos países membros.

As graves e enormes ameaças que nos esperam justificam plenamente uma forte NATO. Mas estrategicamente mais perspicaz.

Gestor

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