Merkel quer tudo ou nada na cimeira de Bruxelas

Se as negociações avançarem, podemos ter várias surpresas.

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Cameron, Passos, Merkel e Alexander Stubb em Bruxelas FRANÇOIS LENOIR/REUTERS

Se os líderes europeus considerassem não haver condições para fechar um acordo, abandonaria o assunto e dedicariam o jantar à Ucrânia (hoje decidiram aumentar as sanções à Rússia) e a Gaza. Era isso que ainda estavam a discutir esta noite. O segundo cenário, o de um acordo global, também não era completamente excluído. Se acabasse por prevalecer, então a cimeira poderia prolongar-se até de madrugada.

Jean-Claude Juncker, que se multiplicou em contactos, insiste em ter a sua comissão concluída já no início de Agosto e o chefe da diplomacia europeia é também o seu primeiro vice-presidente. Já tem os nomes dos comissários de 11 países, mas não ainda o de Portugal. Pedro Passos Coelho esteve hoje reunido com ele, mas permanece o mistério sobre a sua escolha. A única coisa que o seu gabinete garantiu ao PÚBLICO foi que “não propôs o nome de Durão Barroso para presidir ao Conselho Europeu em caso de impasse”, desmentindo uma notícia que circulava em Bruxelas. Barroso não se apresentou como candidato mas ainda não desistiu de preencher os requisitos para desbloquear uma situação de impasse.

De resto, os líderes europeus continuavam a tentar vender as suas apostas, com maior ou menor veemência. Matteo Renzi, a nova coqueluche do centro-esquerda europeu que chefia o Governo italiano, continuava a insistir na nomeação da sua ministra dos Negócios Estrangeiros para suceder a Lady Ashton à frente da diplomacia europeia. O seu nome continuava, no entanto, a suscitar grandes resistências sobretudo nos países de Leste. A presidente lituana, Dalia Grybauslaite, com a sua franqueza habitual, denunciou “os candidatos pró-Kremlin como totalmente inaceitáveis”. A candidata italiana, muito próxima do primeiro-ministro, tem um currículo ligado às questões internacionais mas tem menos de seis meses de experiência no cargo. A Itália tem sido dos países mais avessos a um endurecimento das sanções contra a Rússia: está dependente do gás russo e exporta muito para o seu mercado. Se não vencer a batalha, Juncker gostaria de ver a búlgara Kristalina Georgieva, a actual comissária para o desenvolvimento e ajuda humanitária, ocupar esse lugar.

Os socialistas europeus estiveram reunidos antes da cimeira mas não conseguiram uma mensagem unificada, embora reclamassem para si os dois cargos — de chefe da Diplomacia europeia e de presidente do Conselho Europeu, alegando que a direita fica com a Comissão e o Eurogrupo (o ministro espanhol Luis de Guindos já está na calha). Foram dizendo com tonalidades diferentes que poderiam apoiar a primeira-ministra da Dinamarca, Helle Thorning-Schmidt, considerada como uma política frágil, mas que se dá bem com David Cameron e, aparentemente, também com Angela Merkel, embora o seu país não pertença ao euro. A imprensa dinamarquesa chama-lhe “Gucci-Helle” e é nora do Neil Kinnock, um antigo e respeitado líder do Labour britânico.

Paris e Berlim mantinham hoje um braço-de-ferro em torno de Pierre Moscovici, anterior ministro das Finanças e candidato a ocupar a pasta dos assuntos económicos e financeiros (vulgo UEM). Merkel recusa o seu nome porque entende que um país que está sempre a “fugir” ao cumprimento das metas do Pacto de Estabilidade e Crescimento não tem credibilidade para impô-lo. Havia, segundo o Monde, negociações no sentido de Berlim garantir um director-geral austríaco, Thomas Wieser, para “controlar” o Comissário francês. Merkel também adiantou que poderia ver em Donald Tusk, o chefe do Governo polaco, um bom nome para a sucessão de Herman van Rompuy — ele próprio encarregue de apresentar um “pacote” que não conseguiu negociar a tempo.

Se as negociações avançarem, podemos ter várias surpresas porque os líderes levam sempre na manga algumas cartas escondidas.

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