Al-Qaeda ataca no Mali uma semana após o Estado Islâmico matar em Paris

Pelo menos 27 reféns e três terroristas morreram no ataque a um hotel de Bamako, onde foram feitos 170 reféns. França está sempre na mira dos jihadistas malianos.

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Duas pessoas que estavam no hotel são escoltadas por polícias malianos Reuters TV
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Soldados do Mali nas proximidades do hotel SEBASTIEN RIEUSSEC/AFP
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Exactamente uma semana depois dos mortíferos atentados de Paris, reivindicados pelo Estado Islâmico, um comando jihadista composto por forças associadas à Al-Qaeda apoderou-se de um hotel de luxo de Bamaco, a capital do Mali, gritando Allahu Akbar (Deus é grande, em árabe), e fez 170 reféns. Há pelo menos 27 reféns e três terroristas mortos, mas o balanço final pode ainda ser diferente.

O ataque ao Radisson Blu reclamado em conjunto pela Al-Qaeda no Magreb Islâmico e por um grupo jihadista norte-africano, denominado Al-Mourabitoun (As Sentinelas), do famoso jihadista e contrabandista Mokhtar Belmokhtar, foi uma bofetada a França. Em Janeiro de 2013, o Presidente François Hollande ordenou uma intervenção militar na ex-colónia, enviando 4500 militares franceses para travar o avanço das forças jihadistas que, vindas do Norte, colocavam em perigo a capital, Bamaco.

França continua a ter 3500 soldados estacionados no Sara, entre os quais mil no Norte do Mali, e a chegada de um número não especificado de forças especiais francesas ao hotel, vindas do vizinho Burkina Faso, durante a tarde, foi decisiva para pôr fim ao sequestro. Mas muitos reféns já tinham sido libertados ou tinham conseguido fugir.

Segundo o Ministério da Segurança do Mali, todas as pessoas que tinham sido aprisionadas no interior do edifício foram de lá retiradas, no decorrer da operação que, além das tropas malianas e francesas, teve a colaboração de forças especiais norte-americanas. Estas ajudaram a levar civis para locais seguros, segundo o coronel Mark Cheadle, porta-voz do Comando de África dos EUA, citado pelo New York Times. Washington também partilhou informações e dados de reconhecimento com o Mali e França – os EUA têm uma base de drones logo ali ao lado, no Níger.

Ao fim do dia, não era no entanto claro se ainda havia terroristas no interior do edifício e se três dos atacantes foram mortos ou se fizeram explodir. O porta-voz do Ministério da Segurança, Amadou Sangho, dizia à Reuters ao cair da noite que “os atacantes já não têm reféns, mas estão ainda nos andares superiores". "As forças malianas estão a tentar retirá-las de lá."

Rotas de tráfico
Embora nenhum francês tenha morrido no ataque ao hotel de Bamaco, segundo disse o ministro da Defesa de Paris, França está no centro do alvo dos grupos jihadistas do Mali desde que Hollande deu luz verde à Operação Serval, em Janeiro de 2013. O objectivo era expulsá-los dos territórios e cidades do Norte cujo controlo tinham assumido um ano antes e desmantelar redes de tráfico do Sara – de tabaco a armas e diamantes, por ali passa de tudo – que alimentam a luta dos extremistas, explicou ao Le Monde Marie Rodet, especialista em história contemporânea do Mali na Escola de Estudos Orientais e Africanos em Londres.

“Para estes grupos, França é um inimigo a abater, porque os impede de operar como desejam”, afirma. “Mas um ataque como este ao Radisson pode também responder aos jogos regionais de controlo das rotas de tráfico no Mali e no Níger, e outras vias transarianas. O objectivo é desestabilizar o Estado maliano para o impedir de enviar tropas e criar instituições no Norte do país.”

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Mokhtar Belmokhtar, o líder do Al-Mourabitoun, um dos grupos que reclamaram a autoria do atentado, é precisamente terrorista e contrabandista. Tem por alcunhas o "Zarolho" ou "Mr. Marlboro". O argelino, que já foi dado como morto dezenas de vezes, começou por ser mujahedin no Afeganistão (onde perdeu um olho), mas hoje é o representante da Al-Qaeda no Mali. Em 2014, Belmokhtar expressou publicamente a sua lealdade ao líder da Al-Qaeda, Ayman al Zawahiri, na disputa com o autoproclamado Estado Islâmico, chamando-lhe claramente o seu "emir".

Belmokhtar reivindicou acções como, por exemplo, a tomada de reféns na fábrica de gás natural de In Amenas, na Argélia, em Janeiro de 2013, quando a França intervinha militarmente no Mali contra os jihadistas que se apoderavam de grande parte do território daquele país.

Mas a sua organização reclamou também a autoria dos mais recentes atentados no Mali: a 7 de Março, contra um bar-restaurante em Bamako, provocou a morte de cinco pessoas, incluindo um francês e um belga. Já atacou outro hotel, em Sévaré, a 620 quilómetros da capital, em Agosto, num atentado em que morreram 13 pessoas.

Paz em perigo
Mas Mokhtar Belmokhtar não seria o único a poder fazer um atentado deste calibre no Mali, sublinhou a investigadora Marie Rodet. Um deles é o Ansar Dine, um grupo islamista maliano, liderado por um tuaregue, Iyad Ag Ghaly, que tem por objectivo impor a lei islâmica em todo o país. O grupo aliou-se à rebelião tuaregue para ganhar o controlo do Norte do país, em 2012, que foi desbaratada pela chegada dos militares franceses no ano seguinte. Desde Junho, têm protagonizado uma série de atentados, vários deles contra alvos da missão de 11 mil capacetes azuis no Mali, MINUSMA.

Nos últimos dias, o Ansar Dine divulgou uma gravação áudio em que critica o acordo de paz e reconciliação para o Mali e os seus signatários. Este grupo recusou-se a comparecer às negociações de paz e não assinou o documento. “O acordo já era frágil, porque vários protagonistas só o tinham assinado por empurrão”, disse Marie Rodet. E têm-se recusado a comparecer a iniciativas posteriores. O atentado de Bamaco poderá fragilizar ainda mais uma construção diplomática que já ameaçava esboroar-se.

Mas se até agora o Mali tem sido território da Al-Qaeda, isso quer dizer que o rival Estado Islâmico não tem planos para este território? A Reuters falou com um militante da organização jihadista que está na Síria, para tentar perceber se considerava a intervenção militar da França no Mali como mais um motivo para atacar os interesses franceses. “Isto é só o princípio”, respondeu-lhe o combatente, que não é sírio. “O azedume do Mali, a arrogância dos franceses, nada disto será esquecido.”

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