Haverá uma revolução mas não será dos estudantes

A maioria dos 180 mil protestos de massas que todos os anos rebentam na China ocorre nos campos. Os camponeses foram as principais vítimas do maoísmo, apesar de a revolução ter sido feita por eles e para eles. Quando as reformas de Deng Xiaoping abriram o país à economia de mercado, foi nos campos que surgiu a revolução capitalista. A iniciativa dos camponeses criou a riqueza que levou ao desenvolvimento das cidades. Agora que este crescimento está a roubar as terras aos camponeses, é do mundo rural, mais uma vez, que sopram os ventos da revolução

Mineiro da província de Shanxi, no Norte da China
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Mineiro da província de Shanxi, no Norte da China Jason Lee/Reuters
Uma mulher tenta deter a demolição de casas em Zuoling, na província de Hubei
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Uma mulher tenta deter a demolição de casas em Zuoling, na província de Hubei Stringer/Reuters
Um agricultor e a filha, em Hefei, na província de Anhui
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Um agricultor e a filha, em Hefei, na província de Anhui Stinger/Reuters

Havia medo nos olhos dela. A mulher examinou o passaporte de todos os ângulos, evitando tocar-lhe. “Ela está a dizer que tem de chamar a polícia”, traduziu Zhan. O hotel era pequeno e muito velho, com quartos a 13 yuan (cerca de um euro e meio).

Havia um disponível, sem casa de banho nem janela, mas a mulher recusava-se a dar a chave. Ia chamando outras pessoas para se aconselhar, acabou por pegar no telefone. Um passaporte parecia-lhe um documento demasiado estranho, suspeito e perigoso, que merecia decerto a atenção das autoridades locais.“Está a ligar para a polícia”, informou Zhan num tom pretensamente neutro, mas onde reverberava fascínio.

Zhan Yang é um jovem estudante de Medicina em Wuhan, a capital da província de Hubei. Estava de férias em casa dos pais, em Linquan, um pequeno concelho da província de Anhui, onde poucas pessoas falam inglês. Ele sim, embora mal, e estava radiante por poder dar utilidade aos seus conhecimentos.“Isto não é uma boa ideia”, disse eu a Zhan, olhando-o intencionalmente. Na verdade, podia ser o fim da reportagem. A polícia desataria a fazer perguntas. Que fazia em Linquan um cidadão português, jornalista de profissão? Logo num dos concelhos onde nos últimos anos rebentaram várias revoltas camponesas contra as autoridades. Não, se a polícia me encontrasse, a missão que me levara ali estaria irremediavelmente comprometida. Nunca mais conseguiria falar com Wang Xiangdong, na aldeia de Baimiao. “Não é boa ideia.”

“Not a good idea?”, perguntou Zhan. “Not a good ideia”, repeti, enquanto discretamente nos aproximávamos da porta. A recepcionista estava ao telefone, com um magote de gente à volta discutindo a gravidade da conjuntura, e nós, no meio da confusão, fugimos.

“Para minha casa”, disse Zhan, cheio de vontade de colaborar, embora não percebesse bem de que fugíamos. Atravessámos em passo apressado as ruas apinhadas da vila, pejadas de bicicletas e vendedores ambulantes. Linquan, um dos concelhos da cidade de Fuyang, tem mais de dois milhões de habitantes e situa-se na extremo ocidental de Anhui, uma província pobre e rural do interior leste da China, entre os rios Yangtze e Huai. À excepção de Hebei (9 milhões de habitantes), a capital da província, as grandes indústrias ainda não chegaram a Anhui. A população vive da agricultura ou emigra para as grandes cidades, principalmente as do Sul, como Guangzhou ou Shenzhen. Tal como faziam, quando as más colheitas levavam à fome, as personagens de Terra Abençoada, o livro de Pearl S. Buck cuja acção decorre exactamente aqui.
O pai de Zhang nunca ouviu falar da Nobel americana Pearl S. Buck. Mas foi buscar um velho livro em inglês com fotografias de Mao Tsetung. É uma relíquia dos fins dos anos 1960, retratando as façanhas da Revolução Cultural. Ele usa aquelas imagens nas suas aulas de História, aos alunos da escola primária de Linquan.Como professor, o pai de Zhang tem direito àquele apartamento, num bairro de prédios miseráveis e degradados, embora cercados por campos de basquete e ténis, comunitários. É um quinto andar sem elevador, com escadas exteriores, pejadas de lixo. Tem sala, dois quartos, cozinha e uma casa de banho que não funciona há anos. Para tratar da minha higiene, foi-me, com embaraço, indicada a banca da cozinha. E para dormir foi-me atribuída a cama sem colchão (apenas com uma tábua coberta com uma manta) do quarto do casal, que por isso teve de pernoitar em casa do outro filho, já casado. Tudo isto adivinhei eu pelas movimentações familiares, porque, por vergonha, nada me foi explicado.

À noite, em minha homenagem, fomos jantar fora. Nas bancas ambulantes da rua principal comprámos várias carnes (principalmente orelhas, unhas de porco, cartilagens e intestinos) e vegetais, que levámos em sacos de plástico para o restaurante, como é hábito na China. A família Yang encomendou massa, para combinar com as iguarias que já levávamos, e escolheu uma mesa numa sala privada, para não dar nas vistas. A presença de um estrangeiro é sempre motivo de pasmo, e não queriam que eu me sentisse incomodado. Na sua maioria, os habitantes de Linquan, ou outras regiões do interior, nunca viram um não-chinês. Nas cidades e vilas de Anhui ou Hubei, era normal as pessoas pararem na rua a olhar para mim, ou quererem ser fotografadas comigo. Num restaurante em Wanzhou, uma cidade de quase dois milhões no distrito de Chongqing, foram buscar para mim uma mesa especial, que colocaram no centro da sala, para que todos pudessem postar-se à minha volta, a observar. Enquanto eu esgrimia com dificuldade os pauzinhos entre as inúmeras e enormes taças de estranhos vegetais e carnes, a assistência gargalhava e expedia comentários. Não só quem estava no restaurante, mas outros que foram chamar a casa, sobretudo crianças e idosos, a quem se considerou que a bizarria do evento devia interessar, como cultura geral.Também por isso fiquei aliviado quando a família Yang optou por uma sala privada. Mas principalmente porque pressentia que a polícia andava à minha procura e de que havia informadores por todo o lado.

Sentámo-nos e pouco depois chegou o irmão de Zhang, com a mulher e o filho bebé, os três numa moto. A cunhada de Zhang é professora de Inglês, mas não conseguiu articular uma única frase, o que me pareceu consentâneo com o paradoxo de a língua inglesa ser obrigatória nas escolas da China, mas quase ninguém a entender.

No fim, o pai Yang insistiu em pagar a conta. Como professor numa zona rural, o seu salário não chega a 100 euros por mês, e a mulher, garantiram, não trabalha, tendo optado por ficar em casa a tomar conta dos filhos, e agora do neto. No dia seguinte, porém, vi-a na rua, com uma pequena banca, a apregoar e vender doses de massa cozida, que retirava de um panelão negro e fumegante.

 

O êxito de Wang

É a época das colheitas, e à beira da estrada espalhavam-se as manchas de milho colhido, amarelas como fogo. Mulheres, velhos e crianças sentavam-se à porta de casa a debulhar as espigas, à mão. Viam-se, em todo o caminho de Linquan até à aldeia de Baimiao, mulheres a semear, homens a lavrar a terra com tractores, outros a carregar cebolas, abóboras, couves ou trigo. Mas o milho dominava. Em todas as aldeias, era preciso fazer rapidamente a desfolhada, para pôr o cereal no mercado ao melhor preço. Agora que os camponeses já não são obrigados a entregar ao estado toda a produção, competem em mercado livre, pelo que a eficiência é crucial.

Wang Xiangdong tem o pátio de casa cheio de milho, por entre tractores velhos, pneus, peças e outra maquinaria em segunda mão. Os amigos do neto vieram para ajudar na desfolhada. Há alturas do ano em que ninguém pode ficar sem trabalhar.Ele próprio, Wang, ajuda a debulhar o milho, embora hoje em dia a actividade principal sejam os negócios: compra tractores usados e aluga-os aos agricultores. Além disso, cultiva as suas próprias terras, mediante o pagamento de uma renda ao Estado.Não é pobre. Há quem esteja melhor, na aldeia, mas a maioria vive bem pior. A casa de Wang é grande e de construção recente, embora não tenha casa de banho nem esgotos. Nenhuma tem, em toda a aldeia, à semelhança do que acontece na maior parte das zonas rurais da segunda maior potência económica mundial. Wang não se preocupa. “A tradição é fazer as necessidades nos campos.”
Wang tem 55 anos, baixa estatura, saúde de ferro e boa aparência. A aldeia respeita-o e o seu êxito no negócio dos tractores deve-se em grande medida à reputação de coragem e integridade que demonstrou quando foi necessário insurgir-se contra os abusos dos funcionários locais.Aquele que foi chamado, nas instâncias do partido, o Incidente de Baimiao, teve início em 1993. Nessa altura, os camponeses viviam asfixiados pelo excesso de impostos cobrados pelos funcionários locais. Já estava em vigor a reforma realizada por Deng Xiaoping, a partir de 1978. Antes disso, lembra Wang, “passava-se fome nas aldeias, tínhamos de entregar toda a produção, os camponeses ficavam sem nada. Aqui, nesta zona, que sempre foi pobre, as pessoas morriam de fome. Eu ainda me lembro disso”.

Com a reforma, os camponeses puderam arrendar um pedaço de terra e vender a produção. Muitos deles iniciaram negócios, como foi o caso de Wang Hongchao, que vendia veneno para ratos.O problema foi que os funcionários locais, da administração e do partido, vendo-se discriminados na distribuição orçamental em relação ao poder central, resolveram extorquir dinheiro aos camponeses, através da criação de toda a espécie de impostos ilícitos. Foi uma dessas taxas que acendeu o rastilho.O líder do Partido Comunista de Baimiao, Gao Jianjun, foi a casa de Hongchao, o vendedor de raticida, cobrar um imposto especial de 6 yuan (8 cêntimos). Como a mãe do visado não tivesse dinheiro algum para lhe entregar, ele levou a televisão da família. Depois, foi lá de novo, buscar uma bicicleta.Furioso, Wang Hongchao convocou uma reunião da aldeia. Como todos tinham queixas dos funcionários locais, recolheram o máximo de provas dos abusos e elegeram um grupo para ir apresentar queixa aos líderes concelhios do partido, em Linquan. Além de Hongchao, foram escolhidos Wang Junbin e Wang Xiangdong.Zhang Xide, o chefe do partido em Linquan, era um homem muito conhecido da televisão. Aparecia frequentemente nas campanhas para promover a Lei do Filho Único, que proíbe cada família de ter mais de um filho, para atenuar o problema demográfico do país. Xide dizia coisas como: “Prefiro ver sete sepulturas frescas do que um filho a mais”, e todos sabiam que estava a encorajar o aborto e mesmo o infanticídio, largamente praticado no concelho, com o beneplácito das autoridades.

“Precisamos de falar com o camarada Zhang Xide”, disseram os três amigos à entrada da sede do Partido Comunista em Linquan.“O secretário do partido não recebe gente como vocês”, foi a resposta do recepcionista, antes de chamar reforços para os expulsar do edifício.Decepcionados, os três Wang, depois de consultarem a assembleia da aldeia, decidiram-se pela atitude extrema: ir a Pequim, com todas as provas, apresentar a queixa contra os funcionários locais. Recolheram dinheiro para a viagem de comboio e, na capital, onde nunca tinham estado, dirigiram-se ao Gabinete de Apelos e Petições do Comité Central. A seguir foram ao Ministério da Agricultura. Em ambos os lugares se sentiram esmagados pela arquitectura colossal dos edifícios e tiveram um acolhimento respeitoso e solícito. Os camaradas da administração central do partido reconheceram a justiça das suas petições e dirigiram cartas aos funcionários de nível concelhio apelando a que resolvessem o problema, eliminando os impostos indevidos e compensando os prejudicados.
O sistema das petições é muito antigo na China. Remonta ao tempo dos imperadores, que gostavam de se apresentar como amigos do povo e último reduto da justiça contra os funcionários intermédios corruptos. O PC reciclou a tradição, dando aos cidadãos, em teoria, um instrumento de defesa contra os eventuais abusos do poder local.
Contentes com a sua diligência, os três Wang regressaram à província de Anhui. Desembarcaram na capital, Hefei, para entregar as cartas no Gabinete de Protecção dos Camponeses do Partido. Aqui, foi redigida uma outra carta, para a entidade homónima no concelho, pedindo uma investigação à eventual cobrança excessiva de impostos e compensações. Quando esta carta chegou às mãos de Xide, o defensor dos infanticídios, ele era todo sorrisos. Já fora contactado por Pequim e escreveu por sua vez uma carta às autoridades da aldeia.Tudo correu bem, os três amigos estavam satisfeitos. Ia ser feita justiça. E, mal começou a investigação, supervisionada pelo comité disciplinar do partido, foi detectado um excesso de centenas de milhares de yuan em cobrança de impostos.Mas a reacção não tardou. Wang Xiangdong e os amigos foram chamados à sede administrativa da aldeia. À porta, foram apanhados por um bando de rufias, que os encheram de pancada. O mesmo aconteceu a todos aqueles que ousavam pedir a restituição dos impostos cobrados indevidamente.

 

Ofensiva contra a aldeia

Dias depois chegou à aldeia, durante a noite, uma carrinha com cinco homens. Dois polícias e três seguranças contratados. Atacados pelos camponeses, confessaram estar ali para prender os representantes do povo, responsáveis pela petição. Furiosos, os aldeões destruíram a carrinha. Era o pretexto de que Zhang Xide precisava para lançar uma ofensiva em grande escala contra a aldeia. De manhã cedo, uma força de 100 polícias armados com metralhadoras, escudos, capacetes e vestuário à prova de bala entrou em Baimiao, ao som de sirenes. Espancaram toda a população, incluindo velhos, mulheres e crianças, e roubaram o que puderam. A Xiangdong desapareceu a sua poupança de 700 yuan e um gramofone. Hongchao ficou sem o seu stock de raticida. Muitas pessoas foram presas e torturadas na prisão, embora nenhuma das que protagonizaram a petição, que conseguiram fugir para a província de Henan, já que Baimiao fica muito próxima da fronteira.Foi o caso de Wang Xiangdong e os seus dois amigos. Exilados desde então na província vizinha, decidiram ir de novo a Pequim. Mas ao desembarcarem na estação da capital foram detidos por um grupo de polícias à paisana da sua própria província, de Anhui. Encarcerados, foram mantidos sob tortura ininterrupta durante dois meses.

Na aldeia, a assembleia popular reuniu-se de novo e decidiu enviar outro grupo a Pequim, para relatar o que sucedia. Informado destes planos, o secretário Xide enviou de novo uma força armada de 100 homens para a aldeia. Depois outra de 200, em 30 carros blindados, para criar um clima de medo, organizando comícios com slogans da Revolução Cultural.Sob os protestos populares, Xiangdong, considerado o líder da rebelião, foi julgado e condenado a dois anos de prisão. A população voltou a reunir-se e decidiu enviar uma delegação de peso: 73 pessoas, chefiadas por Wang Hongchao, o comerciante de raticida com que tudo começara. Em resposta, Xide enviou para a aldeia uma força de 300 homens, alegadamente para inspeccionar e fazer cumprir a Lei do Filho Único, mas o braço-de-ferro pendia finalmente para o outro lado. Os 74 camponeses de Anhui entraram na Praça Tiananmen e ajoelharam-se. Aldeões de outras regiões pobres do país chegavam ao mesmo tempo à capital. Alguns suicidaram-se, num gesto desesperado para chamar a atenção. E finalmente o comité central reparou. Três anos tinham passado. Era impossível continuar a ignorar o movimento de protesto. Foi decidida uma investigação séria ao “incidente de Baimiao” que levaria à demissão de Zhang Xide e muitos outros funcionários corruptos. O sistema de impostos aos camponeses foi revisto. Wang Xiangdong foi libertado e eleito novo chefe da aldeia.“O nosso movimento levou a que a lei fosse alterada”, disse ele agora. “Desde 2003, as autoridades locais não cobram quaisquer impostos aos camponeses. Agora, descobriram outra forma de lhes extorquir dinheiro.”
Nos anos 90, o conflito surgiu porque os camponeses começaram a ganhar dinheiro. Com a reforma de Deng Xiaoping, surgiu, ao longo dos anos 80, uma miríade de pequenos negócios por todo o mundo rural chinês. “Pela primeira vez na vida, os camponeses tinham dinheiro e os funcionários e quadros do partido acharam que tinham de se apropriar dessa riqueza”, explicou Wang.
Ao contrário do que muitas vezes se pensa, a revolução capitalista na China começou nos campos, não nas cidades. É por isso que a luta da linha conservadora do partido contra os novos empreendedores começou por se travar aí. E é aí que as tensões hoje continuam mais agudas.Agora que, por decisão governamental, o pólo do desenvolvimento económico se orientou para as cidades, a maioria dos conflitos continua a provir dos campos. Segundo Wang, “o problema agora não são os impostos, mas a corrupção”. Os funcionários aceitam subornos para fechar os olhos ao incumprimento da Lei do Filho Único, explica. “As famílias que querem ter dois filhos levam as mulheres a dar à luz na cidade. Quando voltam, recebem ameaças de perder os empregos, se não pagarem subornos.”
Além disso, os funcionários locais tornaram-se intermediários especuladores nos negócios de expropriações de terras. Shen Changping vivia na aldeia de Linhuaiguan, no concelho de Fengyang. Agora veio para casa da irmã, que casou com um homem daqui. Estava a ajudá-los na colheita do milho, porque perdeu a sua terra, em Linhuaiguan. “Obrigaram-me a vender a minha terra, por 10 mil yuan (1200 euros). Fiquei sem fonte de rendimento”, contou Shen. “Disseram que a terra não era minha.”

A província dos "bangbang"
Shen, a mulher e o filho partilham agora a casa (que não tem esgotos) com a irmã, o cunhado e a filha deles. Têm uma motorizada com atrelado, as crianças vão à escola, mas se precisarem de médico têm de se deslocar a Linquan e pagar, disse Shen. E o que ganham dificilmente dá para isso.Shao, a irmã de Shen, vem ter connosco, sorridente. Traz uma camisa suja e uns sapatos de pano rotos. Nunca nos seus 32 anos de vida saiu da província de Anhui. Um mundo de pobreza, sujidade, conservadorismo social, discriminação da mulher, baixa escolaridade, obscurantismo, isolamento. Vê-se, pelo vestuário, os hábitos pessoais, os pormenores de comportamento, que não há qualquer contacto com o mundo exterior ou o Ocidente. As vilas e aldeias são feias, incaracterísticas. As casas são todas iguais, rudimentares e muitas vezes inacabadas, com dois andares, paredes de tijolo e telhados de zinco.
Numa das sociedades mais ricas, industrializadas e mecanizadas do mundo, o trabalho braçal é a norma, por todo o lado. Por vezes do tipo mais violento e desumano. Nas vilas e aldeias, os carregamentos de produtos agrícolas e industriais são feitos de bicicleta ou riquexó, mas muitas vezes pelos pitorescos “bangbang”, homens ou mulheres (por vezes muito jovens ou muito velhos) que, com passinhos rápidos e certos de corrida, carregam aos ombros dois pesos equilibrados numa vara de bambu.
Muitas vezes uma região é definida pela qualidade dos seus “bangbang”. Por exemplo em Chongqing, um município com 32 milhões de habitantes, cheio de arranha-céus e centros comerciais de luxo, diz-se que carregam facilmente pesos superiores ao seu próprio, por um salário de 30 yuan (4 euros) por dia. São aos milhares, nos enormes portos fluviais do Yangtze, ou nas estações de comboio, onde correm para as composições modernas, de alta velocidade, para carregar as malas às costas, com os seus bambus.Shao já pensou emigrar para a cidade. Tê-lo-ia feito se não tivesse uma filha. Já Wang nunca o faria. Foi a Pequim na altura da revolta “porque era a única maneira. As autoridades daqui nunca nos dariam ouvidos. Mas gosto da aldeia. Aqui, quem tem vontade de trabalhar não passa fome. Só os preguiçosos, que não se adaptaram, é que não têm para comer”. Wang tem dois filhos. Um rapaz, que comprou um autocarro e faz uma carreira do campo para as cidades do Sul, e uma rapariga, que estuda design urbanístico em Suzhou. Duas profissões de sucesso nos novos tempos.Para Wang, os principais problemas da China são as desigualdades sociais e a corrupção. A falta de liberdade de expressão e o partido único não são um problema. “Desde que o Governo seja bom para o povo, ficamos satisfeitos. Não precisamos de mais nada. Mas a corrupção é um problema grave. E estamos a lutar. Agora, em vez de ir a Pequim, é mais útil pôr a queixa na Internet.”
Ambas as tácticas são usadas. E várias outras. A Internet é acessível a muita gente, e mais segura do que dar a cara numa manifestação, apesar dos métodos das autoridades para identificar os autores das mensagens. O Facebook e o Tweeter são interditos na China e as pesquisas no Google são controladas. Basta introduzir uma palavra como “liberdade” ou “democracia”, em qualquer língua, para o browser cair. Mas foi criado um site de microblogging, o Weibo, que se tornou no maior veículo de protesto e crítica do país. Ali tudo pode ser discutido, com um grande grau de tolerância por parte da polícia. Dir-se-ia que o Governo não abdica do controlo dos cidadãos, nem da oportunidade de saber o que eles realmente pensam.Mas as formas mais convencionais de protesto não diminuíram devido à Internet. Antes se multiplicaram. Segundo várias instituições, ocorrem cerca de 600 mil acções de protesto por ano em todo o território chinês. Dessas, 180 mil são “acções de massas”, que incluem manifestações, marchas, greves, confrontos com a polícia, boicotes, acções de petição colectiva ou motins violentos. Este número de protestos, que tem vindo a aumentar todos os anos, desde a década de 90, não é negado pelo Governo. Quanto às petições, individuais ou sobre casos particulares, o seu número ascende a 10 milhões por ano. Na maioria dos casos, não são atendidas. A quantidade de pessoas que está permanentemente em Pequim à espera de entregar a sua petição ou da resposta é tal, que o Governo criou abrigos especiais para elas. Segundo a Human Rights Watch e outras organizações internacionais de Direitos Humanos, esses abrigos transformaram-se de facto em prisões, muitas delas de localização secreta (chamadas “prisões negras”), onde os peticionários são mantidos e torturados, até que se convençam a regressar às suas terras, ou sejam para lá levados à força. Em certas regiões onde avultam os motivos de protesto, tenta-se que as petições não cheguem a sair de lá, à semelhança do que fazia o secretário comunista Xide na aldeia de Baimiao. É o caso de Xangai, onde são tantas as queixas devido às expropriações de terras para construir arranha-céus, que a polícia destacou piquetes especiais para a estação de caminho-de-ferro.

Na gigantesca estação principal de Xangai, de onde saem os comboios para Pequim, há entre as multidões polícias à paisana encarregados de detectar os grupos de peticionários para os assediar ou prender, impedindo-os de embarcarem para a capital.

As petições e os protestos são quase sempre contra os governos locais, não o central, e têm como motivo questões de discriminação étnica ou religiosa (designadamente entre as populações do Tibete e do Xinjiang, muçulmanas, ou da parte de grupos religiosos perseguidos, como o Falun Gong), falta de liberdade de expressão, problemas ambientais, corrupção, salários baixos, falta de pagamento ou más condições de trabalho nas fábricas (nas pequenas oficinas ou nos gigantes industriais com a Foxconn), violações de direitos humanos. Mais de 60% dos casos, porém, referem-se a injustiças nas expropriações de terras, no mundo rural. Todos os anos, 4 milhões de cidadãos rurais são expropriados das suas terras, que são compradas a preços baixos pelos funcionários locais, que as vendem depois a empresas do ramo imobiliários por valores 40 vezes mais altos, em média.

O barco vai afundar?
Chen Guidi e Wu Chintao não são um casal normal. Apesar da sua aparência de camponeses simples e recatados, tornaram-se dos intelectuais contestatários mais temidos pelo Governo chinês. Sempre viveram em Hefei, a capital da província rural de Anhui, e consideravam-se escritores. Mas um sentido de responsabilidade social e cultural levou-os a viajar pelas aldeias, durante vários anos, para investigar as dramáticas condições de vida dos camponeses. Em 2003 publicaram um livro intitulado A Vida dos Camponeses da China, em que relatavam a corrupção dos funcionários locais e os abusos fiscais sobre os aldeãos. O livro vendeu 150 mil cópias num mês e depois foi proibido e retirado das livrarias. Os autores produziram uma edição clandestina, em fotocópias, que vendeu, por distribuição nas ruas da China, 7 milhões de exemplares.
Foi publicado em várias línguas (na versão inglesa: Will the Boat Sink the Water?), ganhou prémios e cobertura mediática internacionais. É tido como certo que foi este livro que alertou as autoridades para a gravidade dos problemas e as fez alterar as leis. O Presidente e secretário-geral do partido, Hu Jintao, reconheceu em várias ocasiões tê-lo lido e terá mesmo confessado a amigos que o mantinha na sua mesa de cabeceira.Chen e Wu foram expulsos da Associação de Escritores da China, ameaçados e perseguidos, mas também convocados para reuniões com membros destacados do partido, que queriam ouvir os seus relatos e opiniões.

Agora, o casal está a investigar a questão das expropriações de terras nas zonas rurais, embora viva em Pequim. Foi lá que os encontrei, a mais de mil quilómetros da sua terra.“Arrombaram a porta da nossa casa e destruíram tudo o que lá tínhamos”, contou Wu Chintao. “Todos os dias alguém atirava pedras para o quintal. Todos os dias recebíamos telefonemas anónimos com insultos e ameaças de morte.” Mudaram-se para Jiangxi, onde viveram cinco anos. Mas a polícia não os largava. Todos os seus movimentos eram vigiados, os contactos monitorizados. Recebiam uma ameaça de prisão sempre que falavam com um jornalista estrangeiro.“Pequim é o único lugar onde nos sentimos relativamente seguros. Há mais gente como nós aqui, há os media internacionais e, acima de tudo, há muitas embaixadas…” Wu vai fazer 50 anos e o marido, Chen, tem 70. Profissionalmente, não fazem mais nada além de investigar os problemas dos camponeses. Compraram uma casa nos arredores de Pequim, têm um filho, levam uma vida perigosa. “Mas vale a pena. É uma vida com sentido. Não vamos mudar.”
Têm feito viagens a Xiaogangcun, um concelho na província de Hubei onde milhares de camponeses perderam as terras. “Cinco mil mu [335 hectares] de terra foram vendidos ao governo local, ao preço de 12.500 yuan
[1500 euros] por mu”, disse Chen. “Era terra óptima para a produção de arroz. Agora está vazia e abandonada, sem produzir nada. E os camponeses não têm como ganhar a vida. São obrigados a emigrar para a cidade, porque perderam as suas terras. Em Hubei, 20 mil camponeses foram obrigados a vender as terras aos funcionários locais. Nos últimos anos, houve uma redução de duas mil toneladas na produção de arroz, por este motivo.”
Os bancos são obrigados pelo Governo a emprestar dinheiro aos especuladores imobiliários; estes compram as terras aos funcionários locais do partido; que por sua vez obrigam os camponeses a venderem-lhes as terras, por preços irrisórios. “Se se recusam, entram-lhes pela propriedade com a polícia e bulldozers.”
O problema, explicou Chen Guidi, começou em 2006, quando o Governo decidiu criar regras que facilitam as expropriações de terras, para investir na construção de fábricas e zona habitacional urbana, para a qual os bancos eram obrigados a conceder créditos. Começou por ser uma política experimental, aplicada apenas em algumas regiões, mas em 2008 alargou-se a todo o país.Esse facto conjugado com o início da crise internacional criou a situação que existe hoje e o correspondente movimento de protestos. “O problema é que os governos locais não têm direito a cobrar impostos sobre a actividade económica das cidades, que são canalizados para o Governo central. Por isso, os funcionários locais têm de atacar os camponeses”, explicou Chen. “Primeiro faziam-no com impostos, agora com as terras. A crise internacional fez baixar os lucros das fábricas, onde os funcionários iam buscar as suas percentagens. Então voltaram-se de novo para os camponeses, aproveitando-se da nova política governamental das expropriações.”
Na base desta prática está a ambiguidade quanto ao conceito de propriedade. As autoridades locais fixam o preço que querem para a expropriação, alegando que as terras são “do Estado” ou “do povo”. O que o camponês recebe não é um pagamento pela venda, mas antes uma indemnização, definida pelos representantes do Estado (os funcionários).Na Lei, o conceito de propriedade não está definido com clareza. Quando lançou a sua reforma, Deng Xiaoping atribuiu terras aos camponeses para exploração privada por um período de dez anos. O Presidente seguinte, Jiang Zemin, fixou em 30 anos o período de usufruto das terras. Hu Jintao declarou num discurso que a propriedade era para sempre. Mas fê-lo de forma vaga e filosófica, e não o escreveu em lado nenhum, pelo que é difícil usar essa norma num libelo judicial.Já quando se trata de vender a propriedade a uma empresa de construção, ninguém se lembra de invocar o lirismo de que as terras são do povo.De certa forma, é a ambiguidade sistémica do regime “socialista-capitalista” que tem feito crescer a economia do país a um ritmo nunca visto na História humana. As injustiças nos campos obrigam as pessoas a fugir para as cidades, cujo crescimento faz parte dos propósitos políticos do Governo de Pequim. Nos últimos 20 anos, 250 milhões de pessoas mudaram-se dos campos para as cidades, para trabalhar. É o maior movimento migratório da História do mundo. Um número de seres humanos oito vezes superior ao dos que há um século migraram da Europa para a América.Hoje em dia, as populações rural e urbana na China quase se equivalem em número (650 milhões nas cidades, 700 milhões nos campos). Mas estima-se que, nos próximos dez anos, mais 250 milhões se desloquem do campo para as zonas urbanas. Esta evolução retirou centenas de milhões de pessoas do limiar da pobreza, criando uma nova classe média entre populações que durante milénios só conheceram a miséria. Mas originou também enormes e insustentáveis desigualdades sociais. Entre as populações urbanas e rurais, a diferença de rendimento é de cinco para um, e os privilégios de acesso à educação e saúde são incomparáveis.

Chen Guidi está convencido de que, se não houver uma reforma profunda nas políticas, que permita atenuar as desigualdades, combater a corrupção e dar mais liberdade às pessoas, o regime não aguentará. “Haverá uma revolução. Mas desta vez não será encabeçada pelos estudantes, como em 1989. Desta vez será feita pelos camponeses e os trabalhadores migrantes das fábricas.” Nos últimos meses, Chen e Wu têm sido convidados para reuniões de altas comissões do partido encarregadas de estudar o problema dos protestos nos campos. Mais uma vez, querem ouvir a sua opinião.

Semana de Ouro
Foi uma semana inteira de feriados, começando no Dia Nacional da China. Chamam-lhe a Semana de Ouro e é o mais parecido com férias que os trabalhadores chineses podem gozar. Os migrantes vão passá-la às suas terras, aos milhões. É uma das novas realidades da China moderna: as viagens. De comboio ou de autocarro, em percursos de milhares de quilómetros durante dezenas de horas, os trabalhadores chineses movem-se. Há alguns anos, isso era proibido e altamente reprimido.
Fiz algumas dessas viagens, durante a Semana de Ouro e depois. Comecei por ir de Xangai a Chongqing, 32 horas de comboio, para percorrer 1722 quilómetros. Como sempre, as carruagens estavam cheias. Tudo esgotado. Na China, está sempre tudo esgotado. Há multidões em qualquer lugar, seja numa loja, num restaurante ou numa bilheteira. É sempre preciso enfrentar a confusão, a algazarra, a agressividade, a claustrofobia. Enfrentar os outros. Mas as coisas funcionam. Tudo é planeado, tudo está feito em função das necessidades das pessoas.

Consegue-se fazer o que se pretende, chegar onde se quer, mas é difícil e demora muito tempo. E não sem luta. No comboio para Chongqing, há beliches de seis pessoas por compartimento, minúsculo. Mas muita gente compra bilhete de pé e deita-se pelos corredores, ou onde pode. Vão todos em cima uns dos outros, mas ninguém se queixa. Há cabeças a dormir em ombros desconhecidos, cotovelos e pés irrompendo pelas cabeça do vizinho ou derrubando o recipiente de massa com carne de porco de confecção instantânea. Vendedores vêm às janelas trazer estes pacotes de refeição a que basta juntar água quente. E em todas as carruagens (como em todos os cantos do território da China) há uma torneira de água quente para preparar estas refeições e o chá. Dir-se-ia que de propósito para aumentar a confusão, as pessoas passam a interminável viagem a comer e a deslocar-se de um lado para o outro. Há dezenas de funcionários no comboio e os passageiros ajudam-nos em todas as tarefas, como se fosse uma grande família.Chegámos à noite a Chongqing, a gigantesca cidade do interior da China.

A estação é enorme, escura e velha, e tinha o chão alagado de água, a dar pelos tornozelos. Chovia lá fora, apesar do calor. À saída do comboio há uma grade de ferro por trás da qual se amontoam centenas de pessoas, agitando cartazes e cartões escritos, à espera dos que chegam, não por serem familiares ou amigos, mas para lhes vender alguma coisa. Designadamente transporte, eu logo entenderia porquê.Transpostas as grades, desatou tudo a correr. Não percebi logo para onde iam porque ninguém me disse nada e todos os sinais são escritos em chinês. Depois vi: era a fila dos táxis. Tentei contar. Eram mais de duas mil pessoas na fila, o que é uma forma de dizer — na China não há filas. Há multidões que se empurram para conseguir os objectivos. Era isso que acontecia até uma zona circunscrita por grades onde polícias obrigavam, a partir dali, a respeitar a ordem de chegada. Até lá, era preciso aguentar os empurrões, os murros, os pontapés, a gritaria. Nada mau, depois de 32 horas de viagem. Esperaria mais duas até chegar a minha vez. Quanto mais à frente na fila, maior era o aperto. A certa altura, quando já ia quase no ar, transportado pela horda, senti sob os pés uma massa mole e compacta, que parecia mover-se e chiar como um rato. Era um mendigo, sem braços, de tronco nu, que decidiu meter-se ali como única forma de chamar a atenção. Quase gritei, mas mais ninguém pareceu surpreendido. Só eu não estava familiarizado com a aguerrida competição entre os pedintes chineses e a sua permanente procura dos lugares onde possam ser espezinhados.

Ao longo da fila, mulheres correndo de um lado para o outro, agitando na mão a chave de um carro, tentavam vender, aos gritos, o serviço de um táxi especial, a preços exorbitantes. Pedem 600 yuan (70 euros) a quem está no fim da fila e vão baixando à medida que avançamos. No fim, já pedem 200. O táxi que finalmente apanhei para o hotel custaria 30.

Em Linquan, decidi fazer a viagem de autocarro para o Sul, com os trabalhadores que vieram passar os feriados à aldeia e regressavam ao trabalho nas fábricas de Guangzhou e Shenzhen, a 1500 quilómetros de distância. Duração prevista da viagem: 21 horas. Na realidade, seriam 27.Era um autocarro velho, com bancos muito desconfortáveis, cor-de-rosa gasto, sujos. Os bilhetes sentados esgotaram rapidamente e foram vendidos mais umas dezenas de pé. Antes da partida, houve discussões e gritos, até todos estarem nos seus lugares e as bagagens arrumadas. Mal arrancámos, começou a saga dos vomitados. A maioria destas pessoas não está habituada a andar de carro e fica enjoada à primeira curva. E a estrada tem muitas curvas. Nalguns troços, seguimos por caminhos de terra. Noutros, a estrada era tão estreita que era preciso sair da via para dar passagem a outro autocarro que vinha em sentido oposto. No meio do corredor, havia um balde para os vómitos e os escarros. Na China escarrar é um hábito nacional. É um sinal de virilidade para os homens fazê-lo com muito ruído e espalhafato, principalmente no mundo rural. O balde tinha grande solicitação e cedo deixou de chegar para as encomendas. Dois homens escarraram de seguida, uma mulher pôs o filho a urinar no balde e quando uma outra veio vomitar já não havia tempo. Foi mesmo no chão. A partir daí, acabaram os escrúpulos. O balde estava cheio e dançava de um lado para o outro, mas a maior parte da expectoração e do vomitado ia parar ao tapete. Durante toda a noite, as pessoas andaram descalças no autocarro. Dormiram umas por cima das outras, chapinharam nos dejectos. De três em três horas, parávamos numa espécie de estação de serviço na estrada, para comer e ir à casa de banho. As latrinas eram colectivas e imundas, os restaurantes serviam um prato único, geralmente massa com carne, ou melhor, alguns ossos mergulhados no molho. As pessoas chupam os ossos e atiram-nos para o chão ou para cima da mesa. O cliente seguinte senta-se e coloca o seu prato entre os ossos cuspidos pelo cliente anterior.
Os funcionários do autocarro chamam, para seguir viagem. Há o condutor, um revisor e uma espécie de capataz. Todos gritam para os passageiros, ralham com eles, dão ordens como se lidassem, não com clientes, mas com escravos. Estamos num navio negreiro. As pessoas são tratadas como gado, mas não protestam, seguem de olhos assustados, a caminho do Sul. Exactamente como os camponeses do livro de Pearl Buck, nos anos de fome.
Amanheceu, passou mais um dia. Quando anoiteceu de novo iluminaram-se os arranha-céus de Guangzhou. Finalmente, a cidade.

Reportagem publicada na Revista 2 de 4 de de Novembro de 2012, no âmbito do projecto PÚBLICO+

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