Há um novo exército nas ruas de Mariupol, pago pelo homem mais rico da Ucrânia

O oligarca Rinat Akhmetov entrou de forma decidida na crise ucraniana, pondo-se ao lado do Governo interino. Milhares de trabalhadores das suas empresas patrulham, desarmados, uma das cidades ocupadas pelos separatistas.

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Trabalhadores da Metinvest acompanham a polícia e limpam as ruas da cidade Maxim Zmeiev/Reuters

Durante mais de um mês, as ruas da cidade de Mariupol fizeram parte do mapa sangrento que começou a ser desenhado no Leste da Ucrânia depois da anexação da Crimeia pela Rússia. Poucos esperavam que o cenário se alterasse de um momento para o outro, mas foi isso mesmo que aconteceu: bastou uma ordem disfarçada de apelo ditada pelo oligarca Rinat Akhmetov para que dezenas de milhares de mineiros e trabalhadores da siderurgia, todos incluídos na sua folha de pagamento, formassem um verdadeiro exército e começassem a limpar e a patrulhar as ruas, expulsando as milícias pró-russas dos edifícios que tinham ocupado.

Poucos dias depois do referendo sobre o estatuto de Donetsk, que levou os separatistas a pedirem informalmente a integração na Federação Russa, os ventos podem ter começado a mudar na região, soprados pelos receios económicos do homem mais rico da Ucrânia.

Na quarta-feira, Rinat Akhmetov, outrora apoiante e financiador do Presidente Viktor Ianukovich e do seu Partido das Regiões, revelou publicamente o resultado da equação que lhe tinha sido apresentada pela crise política no país. Apesar de ser conhecido pela aversão às câmaras de televisão, Akhmetov entrou nas casas dos ucranianos durante quatro minutos para anunciar que estava definitivamente ao lado da "Ucrânia unida" e dos projectos do Governo interino para uma maior autonomia – ele que continua a oscilar entre a desconfiança e a fúria dos manifestantes que ocuparam a Praça da Independência e que acabaram por levar à deposição de Ianukovich.

No mesmo dia, milhares de trabalhadores da poderosa Metinvest, uma das cinco maiores fabricantes de aço do mundo, começavam a patrulhar, desarmados, as ruas de Mariupol ao lado dos agentes da polícia local. Grupos constituídos por seis a oito trabalhadores e dois polícias percorrem agora a cidade, para assegurarem a ordem pública, mas também para deixarem as ruas como elas estavam antes do início da crise – sem pneus empilhados, sem sacos de areia, e sem combatentes determinados a arrancar uma parte do mapa da Ucrânia.

Para além de Mariupol, Rinat Akhmetov despertou também o seu exército de trabalhadores em outras cidades da região de Donetsk, segundo o relato do enviado do jornal norte-americano The New York Times, mas em nenhuma delas com o mesmo sucesso. Slaviansk, o bastião dos separatistas, continua a resistir a todas as investidas das tropas fiéis a Kiev, e não dá sinais de tremer perante as mais recentes milícias no campo de batalha em que se transformou o Leste da Ucrânia.

O facto de o homem mais rico da Ucrânia – e um dos 100 mais ricos do mundo, com uma fortuna avaliada em mais de 12 mil milhões de dólares (quase nove mil milhões de euros), segundo a revista Forbes – ter finalmente entrado na batalha entre Kiev e Moscovo não é propriamente uma surpresa. Mas a forma directa e decidida como o fez indica que a crise política no país está a pôr em risco o seu império e, como ele e os seus administradores fizeram questão de sublinhar, os postos de trabalho de quase 300.000 ucranianos.

"Ninguém quer que a região de Donetsk se transforme numa espécie de zona cinzenta, sem reconhecimento internacional. Isso seria muito doloroso para nós", disse à agência Reuters o director-geral de uma das fábricas da Metinvest, Iuri Zinchenko.

O risco de que a autoproclamada República Popular de Donetsk se junte a entidades como a Abkházia, na Geórgia, ou a Transnístria, na Moldova, na lista de territórios fechados à maior parte do resto do mundo, é grande de mais para os interesses de Rinat Akhmetov, que gere um império assente nas exportações.

Um risco que aumenta à medida que o tempo passa e Moscovo não responde ao pedido dos líderes separatistas para que a República Popular de Donetsk seja integrada na Rússia.

Ao contrário do que aconteceu com a Crimeia, a Rússia tem dado mostras de não querer enterrar-se até ao pescoço no Leste da Ucrânia – uma coisa é desestabilizar a região, como acusam as novas autoridades de Kiev, os Estados Unidos e a União Europeia, e outra é repetir a estratégia seguida na península.

Depois de o Presidente russo, Vladimir Putin, ter apelado ao adiamento do referendo de domingo passado, sem sucesso, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros veio dizer nesta sexta-feira que Moscovo ainda não recebeu um pedido oficial por parte dos separatistas.

"Não tenho conhecimento de que tenha sido enviado um pedido oficial, apesar de os media terem especulado muito sobre isso", afirmou Alexander Lukashevich.

O responsável sublinhou que a Rússia está mais interessada "no lançamento de um diálogo abrangente entre os ucranianos, com assistência internacional, sobre os caminhos para a futura estrutura do Estado da Ucrânia".

Mas o principal teste ao futuro da Ucrânia está a pouco mais de uma semana de distância, e tudo pode ainda acontecer até lá – ninguém sabe ao certo se o exército de trabalhadores de Rinat Akhmetov será suficiente para travar o separatismo no Leste do país, mas as notícias do regresso da calma a Mariupol vieram acompanhadas de indícios de dissensões entre os pró-russos.

Um dos homens que liderou a ocupação da câmara da cidade, German Mandrakov, disse à agência Associated Press que os seus homens foram "forçados" a abandonar o edifício.

"Toda a gente fugiu. Alguém está a tentar semear a discórdia entre nós, alguém assinou alguma coisa, mas nós vamos continuar com a nossa luta", disse Mandrakov.

Pelo menos por enquanto, os milhares de braços que Akhmetov enviou para Mariupol parecem estar a ganhar terreno. Nesta sexta-feira, a porta-voz da polícia local, Iulia Lafazan, falou numa "melhoria drástica" da situação desde que os homens da Metinvest começaram a patrulhar a cidade.

Entre eles há várias tendências em relação ao conflito – muitos não apoiam o Governo interino de Kiev, mas o receio de perderem o trabalho fala mais alto.

"Toda a gente tem direito à sua opinião, mas não no trabalho. No trabalho, temos de fazer o que a fábrica exige", disse ao The New York Times um dos chefes de turno da Metalúrgica Illitch de Mariupol, Sergei Istratov.

Uma convicção partilhada por Iuri Rizhenkov, director executivo da Metinvest: "A coisa mais importante que nós temos é a fábrica. Se tivermos a fábrica, temos postos de trabalho, salários e estabilidade familiar."

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