Para evitarem a tragédia manifestantes de Hong Kong desfazem parte dos protestos

Estudantes dizem que a luta não está terminada e apostam no diálogo. Alguns mlhares de pessoas reagruparam-se junto à sede do governo.

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Manifestantes no bairro de MongKok, durante a noite JEROME TAYLOR/AFP

Ao 10.º dia da revolta, e com a ameaça da intervenção da polícia, surgiram os apelos: já se fizeram ouvir, agora salvem-se. Os manifestantes pró-democracia de Hong Kong perceberam a mensagem e, a meio da tarde de domingo, começaram a desfazer parte das manifestações e acampamentos.

Não estava claro, à noite [já madrugada de segunda-feira em Hong Kong] se a carga policial estava evitada. Isso iria depender da vontade do Governo de Pequim — cujas ordens o chefe do executivo local, CY Leung segue — em aceitar que há uma segunda parte na luta que se trava em Hong Kong. Era essa a convicção de pelo menos um dos grupos organizadores do protesto, a Federação de Estudantes.

Alex Chow, o secretário-geral da Federação, esclareceu que a contestação não acabou. O protesto apenas deixou de estar alargado a várias zonas de Hong Kong, devendo centrar-se agora junto à sede do governo local, no bairro Admiralty, que é também o coração financeiro do território. Foi uma cedência ao governo, que exigira o "regresso à normalidade" na segunda-feira para não mandar avançar a polícia, e os estudantes esperam que, em troca, se iniciem conversações.

"Um diálogo não é um compromisso", disse Chow aos manifestantes no Admiralty. "Vamos começar a preparar conversações com o governo porque entendemos que há pessoas, aqui e no governo, que querem resolver os problemas da nossa sociedade. Mas não vamos recuar", disse Chow que, juntamente com o Scholarism (organização de estudantes, sobretudo do secundário) e o Occupy Central (uma organização cívica pró-democracia), recusam a decisão de Pequim de escolher os candidatos às eleições de 2017 para a chefia do governo de Hong Kong, processo que pela primeira vez será feito por sufrágio universal.

CY Leung — que os manifestantes querem ver demitido —, dissera de manhã que o seu gabinete (não ele) estava disponível para dialogar se algumas das principais ruas da cidade forem desbloqueadas — mas uma das zonas que queria desocupadas era precisamente o Admiralty. Os primeiros contactos entre as duas partes já começaram.

O Occupy Central foi o primeiro grupo a apelar aos apoiantes para se retirarem dos vários bairros, centrando-se no Admiralty. Anunciava ainda, através do Twitter, que neste bairro seria aberta uma rua para permitir a circulação da população, o regresso dos alunos à escolas e sobretudo para que os três mil funcionários públicos chegassem aos seus empregos — no Admiralty estão concentrados os ministérios.

Durante algumas horas, ficou gerada a confusão, com parte dos manifestantes a não entenderem a directiva e a questionar se todos os grupos organizadores dos protestos estavam de acordo.

Adensando o caos, a Federação de Estudantes fez saber através de uma declaração — citada pelo jornal South China Morning Post — que o argumento do executivo (que exigiu que os funcionários públicos tivessem acesso aos seus locais de trabalho) era uma falsa questão, pois em momento algum foi impedida a entrada de gente nos edifícios.

"Não fizémos qualquer apelo a uma retirada dos locais ocupados", disse por seu lado a Scholarism, expondo a falta de diálogo entre a liderança do movimento de contestação.

A polémica acabaria por se diluir, pelo menos juntos dos organziadores do protesto. Nas ruas, a confusão permaneceu e muitos disseram que não iam acatar as ordens de desmobilizão e concentração apenas num ponto do território.

"Vou manter-me aqui", disse à AFP Bosco Leung, estudante de 21 anos que estava em Mong Kok, um bairro já na parte continental de Hong Kong e que é um dos lugares mais movimentados do mundo (é uma zona de lazer, com restaurantes e bares, além de concentrar o comércio de luxo). Foi realizado um plenário e, no final, por deliberação colectiva, estes manifestantes decidiram rumar ao Admiralty. Ao início da noite, porém, permaneciam cerca de mil pessoas em Mong Kok.

No Admiralty, estavam alguns de milhares e o South China Morning Post relatava que o ambiente era calmo.

Do lado do governo de Hong Kong — e do de Pequim —, a revolta começou a ser controlada. Da parte dos organziadores do protesto, foi feito um gesto de boa vontade mas está tudo em aberto. O que diminuiu a carga dramática que esta segunda-feira chegou a ter, mas não fez desaparecer o risco.

Foi esse risco que levou dois cidadãos — um antigo governante e um professor universitário próximo dos estudantes — a pressionarem os estudantes, pedindo-lhes para recuarem. Law Chi-kwong, professor universitário e membro do Partido Democrático, escreveu um email aos estudantes: "Este é provavelmente o meu último mail para vocês. As coisas podem ficar dramáticas nas próximas horas. Imploro a todos os que conheço para saírem de onde estão, pelo menos saiam de [Tamar, a sede do governo]. Penso que não há quem, em Hong Kong, possa impedir o que vai acontecer nas próximas horas. Imploro-vos de lágrimas nos olhos". Disse que a situação era "muito perigosa" e que era preciso "evitar uma tragédia".

O ex-responsável pela Justiça de Hong Kong, Andrew Li, preferiu dar aos estudantes uma leitura política do que fizeram nos últimos dez dias: disse-lhes que as suas aspirações democráticas ficaram demonstradas no protesto e que são respeitados por isso, mas que chegara o momento de saírem de cena para se salvarem.

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