EUA têm base de drones na Arábia Saudita desde 2011

A informação era do conhecimento de vários media norte-americanos, mas só agora foi revelada, após a divulgação de um memorando interno do Departamento de Justiça sobre ataques com drones contra cidadãos nascidos nos EUA.

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A informação era conhecida de alguns media norte-americanos mas só foi revelada agora REUTERS
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Os ataques lançados da Arábia Saudita visam alvos no Iémen Khaled Abdullah/Reuters

Era um segredo guardado pelos media norte-americanos há quase dois anos, mas o prazo de validade expirou esta semana, com a revelação de um documento confidencial do Departamento de Justiça que justifica o assassínio de cidadãos dos EUA suspeitos de serem "líderes operacionais da Al-Qaeda".

Na sequência da divulgação deste memorando de 16 páginas, pela NBC, o jornal The New York Times decidiu tornar público que os EUA mantêm uma base para o lançamento de ataques com drones (aviões não tripulados) na Arábia Saudita desde 2011.

Num artigo sobre a audição no Senado, esta quinta-feira, do principal conselheiro da Casa Branca para o contraterrorismo, John Brennan – indigitado pelo Presidente Obama para o cargo de director da CIA –, o New York Times revelou que "a CIA começou a construir em segredo uma base de drones na Arábia Saudita para lançar ataques no Iémen". O primeiro ataque, segundo o jornal, aconteceu a 30 de Setembro de 2011 e teve como alvo Anwar al-Awlaki, um norte-americano nascido no Novo México, formado nas universidades do Colorado e de George Washington, e tido pelos serviços secretos dos EUA como um importante membro da organização terrorista Al-Qaeda. O seu filho de 16 anos de idade e outros dois norte-americanos foram também mortos em ataques distintos, mas as autoridades dos EUA classificam-nos como "baixas resultantes de ataques contra operacionais da Al-Qaeda".

O Washington Post confirmou também a existência de uma base de drones na Arábia Saudita, mas esclareceu que se "absteve de revelar a localização a pedido da Administração", que era conhecida por vários media: "O Post ficou a saber na terça-feira à noite que uma outra empresa de notícias estava a planear revelar a localização da base, pondo fim a um acordo informal entre várias empresas de notícias, que tinham conhecimento da localização há mais de um ano."

A revelação de que os EUA têm uma base de drones na Arábia Saudita é particularmente preocupante para a Adminstração Obama. Como lembra o site da revista The Atlantic, "Osama bin Laden começou a sua jihad contra os Estados Unidos em grande medida por estar furioso com o facto de haver tropas americanas na sua terra natal, a Arábia Saudita, perto de locais sagrados islâmicos". A revista deixa o alerta: "Seria bom debater publicamente se o valor estratégico de ter uma base de drones na Arábia Saudita é superior ao risco de essa decisão se virar contra quem a tomou."

Senado vai "apertar" com o homem nomeado por Obama para a CIA

O documento divulgado pela NBC e a informação revelada pelo New York Times deverão merecer uma atenção especial da comissão do Senado, que tem insistido nos pedidos de mais transparência à Administração Obama sobre o uso de drones, particularmente contra cidadãos norte-americanos. Numa carta enviada esta semana ao Presidente dos EUA, 11 senadores – oito democratas e três republicanos – deixam claro que "a colaboração do poder executivo nesta matéria ajudará a evitar uma confrontação desnecessária que pode afectar a avaliação do Senado de nomeações para cargos na segurança nacional."

Ao ser revelado na mesma semana da audição de John Brennan perante o Senado, o memorando interno coloca mais pressão sobre Barack Obama para responder aos apelos do Congresso no sentido de ser divulgada mais informação sobre o uso de drones. A questão não é a de uma oposição ao uso de drones – a maioria dos membros do Senado e da Câmara dos Representantes apoia a estratégia lançada por George W. Bush, mas que conheceu um incremento assinalável desde que Barack Obama tomou posse em 2008. O que os congressistas pretendem é ter acesso a mais informação sobre o processo que envolve a autorização dos ataques com drones. E a revelação do documento do Departamento de Justiça parece ser a oportunidade ideal para obter mais informações da Casa Branca e da CIA já esta quinta-feira, durante a audição a John Brennan. "Se o Congresso não tiver as respostas a estas questões agora, vai ser muito difícil, ou mesmo impossível, tê-las no futuro", disse ao Washington Post o senador democrata Ron Wyden, do Oregon.

Documento do Departamento de Justiça é "profundamente perturbador"

O memorando divulgado pela NBC explica a argumentação do Governo dos EUA para assassinar cidadãos norte-americanos fora do país, mas, em vez de responder aos pedidos de transparência, acaba por deixar mais questões em aberto. Estipula que um norte-americano pode ser marcado para morrer, se for um "operacional de topo" da Al-Qaeda, mas não define o que isso significa; garante que apenas são visadas pessoas envolvidas na preparação de ataques iminentes, mas deixa claro que a Al-Qaeda "está permanentemente envolvida no planeamento de ataques terroristas contra os Estados Unidos"; e é vago ao assegurar que um ataque só pode ser autorizado por um "responsável de topo, com acesso a informação".

Mas a passagem que mais preocupa as organizações de defesa dos direitos humanos diz respeito à legitimação de um ataque mortífero com drones no caso de não ser possível a captura de um determinado suspeito – para a Administração Obama, a captura torna-se impossível, se estiverem em risco vidas de militares ou agentes norte-americanos, o que permite múltiplas interpretações.

"O Governo dos EUA tem afirmado que opta por capturar uma pessoa, quando é possível, em vez de a tornar num alvo. Mas, ao ler o documento, o que eles querem mesmo dizer é que a possibilidade de capturar alguém é a mesma de mandar matar alguém", disse Andrea Prasow, conselheira para o contraterrorismo da Human Rights Watch, citada pelo The Guardian.

Um dos responsáveis pelo departamento legal da União das Liberdades Civis Americanas, Jameel Jaffer, classificou o memorando como "profundamente perturbador" e revelador de "uma impressionante extensão da autoridade executiva – a reclamação do poder para declarar americanos como uma ameaça e para os matar longe de um campo de batalha reconhecido como tal e sem qualquer envolvimento judicial antes ou depois do facto consumado", cita o Washington Post.

À NBC Jameel Jaffer diz que o documento "reconhece alguns limites à autoridade, mas esses limites são definidos de uma forma tão elástica e vaga que é fácil perceber como podem ser manipulados". Como exemplo, o advogado refere que o documento "redefine a palavra iminência de uma forma que lhe retira o seu significado comum".

A morte de pessoas inocentes em ataques com drones

O que estará em causa na audição ao homem designado por Barack Obama para liderar a CIA é a segurança dos cidadãos norte-americanos, mas só na fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão poderão ter sido mortas mais de 3000 pessoas em ataques com drones entre 2004 e 2012, segundo os dados do think tank New America Foundation. A organização sem fins lucrativos Bureau of Investigative Journalism calcula que pelo menos 176 dessas vítimas mortais eram crianças.

Também os meios académicos têm posto em causa a narrativa das estruturas militares, segundo a qual os ataques com drones são mais eficazes e limitam o número de mortos entre a população civil. Um estudo da Universidade de Columbia defende que "o Governo dos EUA deve à população uma explicação sobre quem está efectivamente a morrer" e um documento conjunto das universidades de Stanford e de Nova Iorque conclui que "a ideia de que os drones são uma ferramenta precisa e eficaz (...) é falsa".

No início de 2012, os eurodeputados portugueses Rui Tavares e Ana Gomes apresentaram (em conjunto com Sabine Lösing e Sonia Alfano) uma declaração escrita contra a utilização de drones por países da União Europeia, que acabou por não recolher assinaturas suficientes. Em declarações ao PÚBLICO, em Novembro, Rui Tavares defendeu que "é preciso deter esta deriva para a robótica de guerra antes que ela se torne numa coisa não legislada e já de tal forma expandida que depois seja difícil de parar" e prometeu apresentar uma nova proposta este ano.
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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