Erdogan tenta tom conciliatório para negociar coligação impossível

O que todos os partidos exigem é o abandono do projecto de presidencialização do regime.

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“Todos devem pôr de parte o seu ego", afirmou Erdogan ADEM ALTAN/AFP

O Presidente turco Recep Tayyip Erdogan apelou à formação de um novo governo de coligação “tão rapidamente quanto possível”, na primeira vez que apareceu em público desde domingo, quando o seu partido perdeu a maioria absoluta de que gozava há 13 anos. “Todos devem pôr de parte o seu ego. Não podemos deixar a Turquia sem Governo, sem cabeça”, declarou, em Ancara.

Estas eleições representaram um falhanço pessoal para Erdogan, que se envolveu na campanha e queria uma maioria de dois terços, para poder mudar a Constituição para dar poderes executivos ao Presidente – transformando-o no chefe do Governo, como nos Estados Unidos. Mas o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, na sigla turca) teve apenas 40,8% dos votos, o que representa 258 dos 550 assentos parlamentares, bem menos do que os 50% de 2011 e dos 330 deputados necessários para mudar a Constituição.

Agora, Erdogan não integrará as difíceis negociações com outros partidos para tentar formar um novo Governo, afirmou o primeiro-ministro Ahmet Davutoglu, em entrevista à televisão estatal TRT. “O Presidente Erdogan não fará parte das negociações para formação de coligação, só participará se for preciso ultrapassar bloqueios”, garantiu. “Se todos cumprirem os seus deveres e responsabilidades dentro dos limites constitucionais, há-de emergir uma cultura de reconciliação”, afirmou, no que foi visto como um aviso ao Presidente.

A crescente arrogância de Erdogan – que passou a chamar aos rivais políticos “traidores” e “terroristas” – tornou-o uma figura polarizadora, e a sua vontade de assumir cada vez mais poderes semeou receios. Tudo isso dificulta agora a formação de uma coligação.

O que todos os partidos devem exigir a Davutoglu para começar a conversar é que “se emancipe do Presidente e o circunscreva às suas prerrogativas constitucionais”, disse à AFP Deniz Zeyrek, chefe de redacção do diário Hürriyet em Ancara. “O abandono do projecto de presidencialização do regime será a sua condição sine qua non”.

A surpresa das eleições de domingo, o Partido Democrático do Povo (HDP), pró-curdo, que entrou no Parlamento com cerca de 13% dos votos, mantém a decisão de não se aliar ao AKP. “Não temos uma animosidade pessoal contra o Presidente Erdogan. Mas um Presidente que viola a Constituição, a lei e a justiça, será sempre criticado por nós”, afirmou o co-líder do partido, Selahattin Demirtas.

O jornal Daily Sabah, próximo de Erdogan, diz que ele tem três “linhas vermelhas” para qualquer coligação: que continue o processo de paz com os curdos, o respeito do seu papel como Presidente, e a continuação da luta contra o “Estado paralelo” – a rede do imã Fethullah Gulen, auto-exilado nos EUA, que Erdogan acusa de conspirar contra ele. Davutoglu, no entanto, não quer ouvir falar disto: “Ninguém pode declarar linhas vermelhas em nome do AKP”, afirmou.

Mas é certo que o AKP impõe como condição a continuação das negociações de paz com os curdos. Isto afasta-o do Partido do Movimento Nacionalista (MHP, teve 16,3%, 80 deputados). Esta formação de extrema-direita aproxima-se do AKP pelo conservadorismo, mas é contra quaisquer concessões aos curdos.  

Já a possibilidade de se juntar no Governo ao Partido Popular Republicano (CHP), o principal partido da oposição (25% e 132 deputados) é remota, pois obrigaria o AKP a cruzar uma enorme fronteira. Este é o partido do fundador da moderna Turquia secular, Mustafa Kemal Ataturk, uma elite contra a qual Erdogan fundou o partido que o levou ao poder.

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