Entrega de programas eleitorais dá vantagem a José Serra

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Bruno Domingos/Reuters

Os candidatos às presidenciais no Brasil foram obrigados este ano, pela primeira vez, a apresentar um programa de Governo à Justiça Eleitoral. O que poderia ter sido um pro forma acabou por se transformar num momento embaraçoso para Dilma Rousseff, que foi obrigada a admitir que não tinha lido o documento entregue.

Já José Serra parece ter-se saído bem da obrigação também de "afinar" o programa que entregou, que basicamente era uma mistura de dois discursos seus, com o pedido de sugestões pela Internet.

Dilma Rousseff, a candidata do Partido dos Trabalhadores de Lula da Silva, viu-se encurralada por ter entregue um programa com propostas da ala mais esquerdista do PT - controlo dos media , impostos sobre grandes fortunas, mudanças na lei de propriedade dos terrenos agrícolas. Sem grande saída, acabou por ter uma defesa fraca: "Rubriquei, não assinei", disse a candidata.

A questão poderia ter sido reduzi- da a uma anedota, mas há quem veja nela um potencial problema: as propostas polémicas vêm de sectores do PT "que foram afastados durante o Governo Lula", sublinha João Augusto de Castro Neves, da empresa de consultoria CAC consultores. "Lula conseguiu sempre conter estes projectos polémicos. Mas estas pessoas vão continuar a tentar impor as suas ideias. Terá Dilma a capacidade de lidar com estas diferentes visões e divergências do PT?", questiona.

O candidato da oposição José Serra também teve de apresentar alterações ao seu programa, mas parece ter conseguido tornar uma desvantagem numa vantagem, com a iniciativa Proposta Serra, um programa de Governo participativo (www.propostaserra.com.br) , em que as sugestões serão usadas não na alteração - a campanha de Serra recusa que haja mudanças -, mas sim no aperfeiçoamento do programa.

"Em plena era da comunicação global, não faz sentido apresentar ao Supremo Tribunal Eleitoral um documento fechado. Temos de aproveitar a interactividade que a Internet nos oferece", disse o Partido da Social Democracia Brasileira.

No site, vão sendo divulgados todos os dias mais alguns temas sobre os quais a equipa está a trabalhar - serão um total de 40.

Em geral, os programas passaram sempre muito despercebidos nas campanhas brasileiras, comenta Castro Neves. A mudança ter-se-á dado porque nestas eleições os dois principais candidatos são relativamente parecidos um com o outro e não muito carismáticos, opina o analista político.

"Antes discutia-se muito as personalidades: na eleição de Lula contra Fernando Henrique votou-se na pessoa. Agora há dois candidatos que não suscitam muita emoção, e assim o debate passou da personalização para os programas", comenta o analista.

"Os programas têm muitas ideias gerais - mais educação, saúde, ensino público... Não é habitual anunciarem-se propostas muito detalhadas. Quanto mais detalhadas forem, mais lhes vão exigir que cumpram. Se for mais abstracto, é mais fácil argumentar que se cumpriu com uma ou outra medida", explica Castro Neves.

De qualquer modo, mesmo que tenha conseguido sair por cima na batalha dos programas, é José Serra quem enfrenta um cenário geral desfavorável. Em igualdade nas sondagens com uma quase desconhecida apoiada por um Presidente com uma popularidade recorde, terá de trabalhar para ganhar votos do eleitorado.

"Dilmaboy"

No YouTube já apareceu um vídeo com uma versão mais curta e menos elaborada do que alguns analistas dizem: "A favorita é do PT. Ela não é o cara, mas é amiga do homem. Você não é o cara, nem amigo do homem", diz um rapaz, o "Dilmaboy", com um lenço que parece um keffieh palestiniano, ao som de uma batida forte (desde a pioneira Obama girl que há vídeos mais ou menos espontâneos de apoio a candidatos a várias eleições em diversos países).

Serra poderá ter de fazer algo semelhante a uma acção de Lula em 2002, antevê Castro Neves: "Um dos grandes passos para a candidatura viável de Lula foi quando ele escreveu uma "carta aos brasileiros" comprometendo-se a não mudar a política económica. O que o José Serra terá de fazer agora será algo semelhante: prometer que não vai mudar os programas do Lula que tiveram sucesso, os programas sociais".

Serra deverá concordar com grandes premissas, "mas presta muita atenção em temas mais criticados, mais pontuais: a saúde pública, a corrupção..."

A estratégia de Dilma é outra: quanto menos falar, melhor, diz Castro Neves. "Para estar associada ao Lula não pode ter muita personalidade própria", explica o analista político. "Quando tem aparecido mais solta a falar não tem sido muito bem-sucedida", adiantou.

No entanto, não é um caminho fácil este de Dilma Rousseff, alerta Castro Neves: "O problema da colagem excessiva a Lula é que dá munição política à oposição para criticar Dilma, dizendo que ela não tem capacidade para voar sozinha."

O primeiro comício de Lula da Silva e Dilma Rousseff

O Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e a sua candidata, Dilma Rousseff, fizeram o seu primeiro comício em conjunto, no Rio de Janeiro.

Na sexta-feira à noite, enfrentando a chuva que fez com que o público não chegasse às 100 mil pessoas esperadas, Lula garantiu que vai continuar a participar na campanha. E passou ao ataque: "Há uma premeditação de me tirarem da campanha política para impedir que a companheira Dilma seja Presidente."

Já Dilma Rousseff apostou no ponto fraco da oposição: "O meu vice não caiu do céu. O meu vice é uma pessoa experiente, competente e capaz. Não é um vice improvisado", disse referindo-se à escolha de um deputado praticamente desconhecido para vice de José Serra, o seu principal concorrente.

A candidata do Partido dos Trabalhadores disse ainda que em 2002, ano em que foi eleito, Lula dizia que não podia errar porque senão seria o primeiro e último trabalhador a assumir a presidência do Brasil. "Eu também não posso errar. A primeira mulher Presidente da República tem que honrar cada uma das mulheres".

O colunista do diário Globo Ricardo Noblat comentou no seu blogue que o comício "foi constrangedor": enquanto Lula foi aplaudido várias vezes com efusão, Dilma Rousseff nunca conseguiu palmas. Mesmo quando Lula tentou "arrancar" aplausos para a sua candidata, "apenas um núcleo reduzido de militantes do PT" aplaudiu Rousseff.

Lula é criticado pela intervenção forte na campanha - já foi multado seis vezes pela Justiça Eleitoral, e a presidência já ultrapassou, em 2010, os limites para os gastos em publicidade previstos pela Lei Eleitoral, diz o jornal Estado de São Paulo.

O Presidente já afirmou que vai participar em alguns comícios da sua candidata, mas adiantou que a sua presença será sobretudo forte no tempo de antena na televisão, que começa a partir de Agosto e é considerado o meio mais eficaz para chegar aos eleitores.

O "vice do Google" ou "vice Sarah Palin"

O vice de Dilma Rousseff é o presidente da Câmara dos Deputados, o vice de Marina Silva é um empresário da grande marca de cosméticos Natura... e o vice de José Serra foi "o vice do Google", brinca Carlos Melo, professor de Ciência Política do Insper - Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo, em declarações ao PÚBLICO. "Todo o mundo teve de ir ao Google", para saber quem afinal era Índio da Costa (na foto), um jovem deputado do partido Democratas, após o anúncio.

Para além de ser "o vice do Google", Índio da Costa também já foi classificado como "o vice Sarah Palin" - José Serra mal o terá conhecido e o partido não conseguiu levar a cabo o processo de avaliação e análise do seu background. O principal candidato da oposição acabou por aceitar o vice imposto pelo partido aliado, os Democratas, de quem depende para aumentar o precioso tempo de propaganda eleitoral na televisão.

Serra tentou aproveitar os pontos fortes do seu candidato - a juventude, o ter sido relator da lei da Ficha Limpa, que impede candidaturas de políticos que tenham sido condenados.

Mas, para Carlos Melo, as vantagens de Índio da Costa são anuladas pelas desvantagens": "Como é que o PSDB vai falar da inexperiência de Dilma quando tem um vice sem experiência? Ele é o relator da Ficha Limpa, mas vem de um partido envolvido no mensalão de Brasília..."

Já Dilma Rousseff, do PT de Lula da Silva, acabou por também ter de aceitar a escolha do partido aliado, o PMDB, para vice. Lula ainda tentou que o partido apresentasse três possíveis candidatos e deixasse a escolha nas mãos do PT, mas o partido aliado foi inflexível. Lula queria, com a ideia da lista tripartida, tentar que o vice de Dilma Rousseff fosse o Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Acabou por ficar com Michel Temer, que começou a carreira política tarde, aos 44 anos, mas que se tornou um peso-pesado na política nacional: foi já três vezes líder da câmara dos deputados.

Também Marina Silva, a terceira candidata, do Partido Verde, tem um vice com pontos fortes: o empresário da grande companhia de cosméticos Natura, uma instituição no Brasil. Guilherme Leal nunca disputou eleições, mas traz o carimbo de aprovação de parte do empresariado brasileiro.

Na história recente do Brasil os "número dois" tiveram um papel relevante: José Sarney governou cinco anos após a morte de Tancredo Neves, em 1985. O presidente eleito não chegou a tomar posse: ficou doente e acabou por morrer; e em 1992, o Presidente Fernando Collor saiu do cargo após um processo de impugnação e o seu vice, Itamar Franco, governou nos dois anos seguintes.

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