Egipto de Sissi usa Gaza para tentar ganhar reconhecimento internacional

Ao silêncio agudo seguiram-se declarações em estéreo. É o Cairo que volta a querer contar ou só ser aceite.

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No fim-de-semana Sissi recebeu o enviado para o Mèdio Oriente, Tony Blair, para falar sobre a guerra israelo-palestiniana Reuters

A ideia já foi tantas vezes repetida que nem vale a pena citar ninguém. Entre os muitos responsáveis da tragédia palestiniana encontram-se as lideranças árabes dos últimos 60 anos. Nada de novo, portanto. Os líderes árabes, os de ontem e os de hoje, usam os palestinianos. O Egipto não é excepção.

O novo Presidente, o ex-chefe militar Abdel Fattah al-Sissi, chegou ao poder depois de ter deposto o primeiro chefe de Estado escolhido em eleições livres na maior das nações árabes, Mohamed Morsi. O golpe a que tantos tentaram não chamar golpe deixou o actual governo numa situação delicada. A crise em Gaza é uma oportunidade que Sissi não poderia deixar escapar.

Durante os longos 29 anos de Hosni Mubarak, o Cairo apagava fogos, “sem nunca conduzir palestinianos e israelitas até um acordo final”, recorda o jornal The New York Times. “Tradicionalmente contra o Hamas, mas preocupado com as consequências da escalada de violência entre árabes e israelitas na sua política doméstica”, resume Michael Hanna, analista da Century Foundation de Nova Iorque ao diário. Foram muitos os protestos pró-palestinianos que Mubarak mandou dissolver à força. E quando uma maré de pessoas obrigou o Exército a deixar cair o faraó, em Janeiro de 2011, parte da população esperou que a política externa egípcia tendesse a ser mais favorável aos palestinianos. 

Quase um ano depois, os militares, sob pressão da rua, voltaram aos quartéis e deixaram a população votar. Os egípcios deram a maioria no Parlamento ao Partido Justiça e Liberdade, saído da confraria Irmandade Muçulmana; depois, no Verão de 2012, elegeram Morsi para a presidência.

Quando Michael Hanna falou ao Times, na quinta-feira, o Egipto mantinha um estrondoso silêncio. Ao mesmo tempo, o Hamas, cuja ala política governa a Faixa de Gaza (teoricamente num executivo de unidade com a Autoridade Palestiniana que nunca entrou em funções), recusava a mediação egípcia. 

Ao final da tarde do oitavo dia de bombardeamentos israelitas, esta terça-feira, 194 pessoas já tinham morrido e 1300 ficado feridas no pequeno enclave. A operação que Israel iniciou para impedir o lançamento de rockets de grupos armados palestinianos mata na maioria civis (diz a ONU que um quarto são crianças). Do outro lado, chegaram a Israel mais de 840 rockets que fizeram quatro feridos graves e um morto.

Com Morsi no poder, o Egipto obteve um cessar-fogo na região, em Novembro de 2012, ao mesmo tempo que o seu chefe da diplomacia descrevia o bloqueio imposto a Gaza por Israel e pelo Egipto como “vergonhoso”. Mas até Morsi fechava e abria o terminal de Rafah quando entendia, para além de ter encerrado muitos túneis clandestinos, cortando assim o acesso do Hamas a armas e o dos civis a bens básicos. 

Sem Morsi, as relações agudizaram-se. Para os militares, tudo é uma questão de segurança interna. Foi por isso, aliás, que depuseram Morsi, garantem, acusando-o de cumplicidade com o Hamas para atentar contra o seu país. Segundo o think tank International Crisis Group, Sissi estava a ganhar tempo, a tentar perceber o que podia ganhar ao entrar em jogo. Os Estados Unidos nunca condenaram oficialmente o golpe, mas também nunca reconheceram as novas autoridades e atrasaram até o envio de alguma ajuda militar ao aliado histórico.

A partir de domingo tudo mudou. O Cairo ofereceu-se para mediar; os EUA disseram preferir a mediação egípcia e o ministro dos Negócios Estrangeiros de David Cameron, William Hague, quis “sublinhar o forte apoio britânico a um papel egípcio activo”. O Hamas, por seu turno, admitia a Turquia e o Qatar como intermediários, considerando-os mais objectivos.

Segunda-feira, soube-se que o secretário de Estado, John Kerry, era esperado no Cairo, e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, falou do Egipto como o “mais credível negociador”. No mesmo dia, os egípcios propuseram a Israel e ao Hamas uma trégua que o grupo palestiniano já dissera não estar disposto a aceitar (não inclui a libertação de prisioneiros nem o fim do bloqueio a Gaza).

O cessar-fogo nunca entrou em vigor. Mas no dia em que o propôs, Sissi recebeu um convite de última hora para estar numa cimeira de dirigentes africanos marcada para Agosto, em Washington. Quando os convites seguiram, diz a Casa Branca, o Egipto não tinha sido reintegrado na União Africana, de onde foi expulso por causa do tal golpe. Ned Price, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional de Barack Obama, explicou aos jornalistas que, “com a reintegração, foi decidido convidá-los”.

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