Dois jornalistas julgados no Vaticano no novo processo "Vatileaks"

Autores de livros polémicos sobre casos de corrupção na Igreja reivindicam princípios de liberdade de imprensa não previstos pelas leis da Santa Sé.

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Os jornalistas Gianluigi Nuzzi and Emiliano Fittipaldi à entrada para o tribunal ANDREAS SOLARO/AFP

Começou esta terça-feira, no Estado da Cidade do Vaticano, o julgamento de dois jornalistas italianos e três funcionários da Santa Sé acusados de divulgarem ilicitamente informação confidencial da Igreja.

Na sequência de uma investigação de meses que levou à prisão de um alto funcionário da Igreja, Angelo Vallejo Balda, e da relações-públicas Francesca Chaoqui, por suspeita de fuga de informação, o tribunal do Vaticano acusou também os jornalistas Emiliano Fittipaldi e Gianluigi Nuzzi de “exercerem pressão, sobretudo sobre Vallejo Balda, para obter documentos e informações confidenciais com a finalidade de os usar nos seus livros”, nos quais, de acordo com o Vaticano, é dada uma versão “parcial e tendenciosa” dos factos.

Via Crucis, de Nuzzi, e Avarezia, de Fittipaldi, foram publicados em Itália este mês e ambos expõem casos de corrupção, má gestão financeira e gastos extravagantes de membros da Igreja com recurso a fundos para a solidariedade social.

Num comunicado oficial emitido este sábado, o Vaticano anunciou que, terminada a fase de inquérito no processo já conhecido como "Vatileaks II", Angelo Vallejo Balda, monsenhor espanhol, o seu assistente Nicola Maio e Francesca Chaoqui são acusados de transmitirem informação confidencial, “conseguida de forma ilegítima”, aos dois jornalistas italianos que foram também constituídos arguidos.

Na primeira sessão do julgamento, esta terça-feira, os jornalistas reivindicaram princípios de liberdade de imprensa e confidencialidade das fontes, previstas na Constituição italiana, mas que não têm vigência na lei do Vaticano.

“Estou incrédulo por ver-me na posição de réu num país que não é o meu”, declarou Fittipaldi ao painel de quatro juízes, reforçando que não tinha publicado nada de falso ou difamatório, apenas notícias: “Uma actividade que é protegida e garantida pela Constituição de Itália, pelas convenções europeias e pela própria Declaração Universal dos Direitos Humanos”.

Os jornalistas enfrentam uma condenação que pode ir até aos oito anos de prisão. A Santa Sé mantém, no entanto, um acordo de extradição com Itália, e, caso a sentença seja declarada, o caso pode ser encaminhado para as autoridades italianas.

Organizações como a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), os Repórteres Sem Fronteiras e o Comité de Protecção de Jornalistas marcaram presença no tribunal, exigindo ao Vaticano que levante a queixa contra os repórteres acusados, uma vez que a liberdade de imprensa é um direito universal fundamental.

A acusação alegou ainda que Balda, Chaouqui e Maio formaram uma “associação criminosa organizada” com o propósito de “divulgar informação e documentos sobre os interesses fundamentais de Sua Santidade e do Estado do Vaticano”, reporta a agência de notícias Reuters.

Vallajo Balda e Chaoqui foram detidos no passado dia 1 de Novembro por suspeitas de fuga de informação. Chaoqui foi, entretanto, libertada, mas o prelado espanhol continua em prisão preventiva. As fontes das obras publicadas remetem para a Comissão de Estudo e Orientação das Estruturas Económico-administrativas da Santa Sé (COESA), entretanto extinta, da qual Balda era secretário.

Ao abrigo do artigo 248.º do Código Penal do Vaticano, promulgado pelo Papa Francisco em Julho de 2013, os funcionários da Igreja que, em qualquer parte do mundo, divulguem informação confidencial da instituição, devem ser penalizados pelo sistema de justiça do Vaticano.

Texto editado por Joana Amado

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