Ex-vereadores do Montijo absolvidos e ex-presidente da câmara condenada

Antigos vereadores denunciaram negócio suspeito. Tribunal entendeu que a denúncia foi legítima e que a posterior queixa da então presidente contra eles foi feita com má-fé.

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Maria Amélia Antunes é candidata ao Parlamento Europeu David Clifford/Arquivo

O Tribunal do Montijo absolveu dois antigos vereadores da câmara local, Honorina Silvestre e Carlos Fradique, num processo em que a anterior presidente, Maria Amélia Antunes, e o próprio município pediam a sua condenação ao pagamento de uma indemnização total de 50 mil euros.

Condenada a indemnizar Carlos Fradique em 10 mil euros e a pagar uma multa de 1530 euros, por litigância de má-fé, foi Maria Amélia Antunes, que vai recorrer da sentença.

A acção movida pela antiga autarca socialista, actual candidata ao Parlamento Europeu, e pelo município de que era presidente baseava-se nas ofensas à honra e consideração alegadamente cometidas contra ambos em duas queixas apresentadas ao Ministério Público, em 2004 e 2005, pelos dois réus.

Nas participações criminais que subscreveram em separado, Carlos Fradique, do PSD, e Honorina Silvestre, uma militante socialista que foi vereadora do Urbanismo e se incompatibilizou com a sua colega de partido que presidia à autarquia, expuseram um conjunto de factos, requerendo a sua investigação, relacionados com a aquisição pelo município, em 2002, de um terreno que lhe custou 2,5 vezes o valor pelo qual os vendedores o haviam comprado pouco antes.

O Ministério Público entendeu que os indícios constantes das duas denúncias, que não visavam ninguém em concreto, justificavam a abertura de um inquérito e o negócio foi investigado durante vários anos. Já em 2010, o magistrado responsável pelo processo determinou o seu arquivamento, considerando que não tinham sido reunidos elementos de prova que justificassem a constituição de arguidos e a produção de qualquer acusação.

Foi então que Maria Amélia Antunes e o município interpuseram a acção agora julgada, alegando que só depois do arquivamento daqueles autos tiveram conhecimento do conteúdo das denúncias dos dois antigos vereadores. Para além da condenação de cada um dos réus a pagarem-lhes 25 mil euros de indemnização, os autores da acção pediram que os ex-vereadores fossem obrigados a fazer publicar em vários jornais o texto do despacho de arquivamento do inquérito ao negócio do terreno.

O tribunal, porém, entendeu que os denunciantes tinham agido, “sem ultrapassar os limites admissíveis de juízo de valor”, no âmbito do seu direito/dever de denúncia de factos que, “em termos objectivos”, são “susceptíveis de levantar dúvidas a qualquer cidadão”. 

A sentença, datada de 31 de Março, nota também que “quem exerce cargos públicos (...) sabe que está sujeito ao escrutínio público e dos seus pares que, por vezes, e foi o caso, cria para quem exerce esses cargos situações desagradáveis, até de alguma devassa, mas que não entrando na esfera privada de cada um e sendo exercido no limite do necessário não pode ser penalizado”. 

Se tal penalização ocorresse, acrescenta a juíza Maria Amélia Lopes da Silva, “a vida democrática de uma sociedade plural como é a nossa” poderia “sair ferida em aspectos que são e devem ser essenciais, [como] a transparência da conduta dos entes públicos e seus titulares perante os cidadãos ao serviço dos quais exercem os seus cargos”.

Para justificar a absolvição dos réus, o tribunal valoriza também o facto de, pelo menos no caso de Carlos Fradique, a denúncia ter sido incentivada por um dos autores da acção, a então presidente da câmara, à qual o antigo vereador fez saber, ainda antes de o fazer, que iria pedir uma investigação ao Ministério Público e a outras entidades.

Esta situação esteve aliás na origem da condenação de Maria Amélia Antunes por litigância de má-fé a pedido de Carlos Fradique. A sentença salienta o facto de a então autarca ter reconhecido numa entrevista ao PÚBLICO, em 2005, que foi ela quem encorajou a denúncia. “Ele abordou o assunto publicamente e eu, que fiz tudo com clareza e transparência, disse-lhe que se ele não participasse o caso ao Ministério Público, seria eu a fazê-lo para que tudo fosse esclarecido”, disse a então a autarca e membro do actual Secretariado Nacional do Partido Socialista.

“Perante este circunstancialismo não temos dúvidas em afirmar que ao intentar a acção contra o réu Carlos Fradique, a autora Maria Amélia Antunes agiu com notória má-fé, usando o tribunal para disputas políticas que são inadmissíveis nesta sede”, escreveu a juíza.

Por esse motivo, a ex-autarca foi condenada a pagar uma multa de 1530 euros como litigante de má-fé, sendo também condenada a pagar uma indemnização de 10 mil euros àquele réu.

Inconformada com a decisão do tribunal, Maria Amélia Antunes já afirmou que vai recorrer para o Tribunal da Relação.

Suspeitas arquivadas em 2010
As suspeitas sobre o caso que deu origem a este processo surgiram em 2004, quando se soube que um terreno cuja compra a câmara aprovara em 2000 por 813 mil euros tinha sido adquirido quatro meses antes, pelos vendedores, por 344 mil.

Perante isto, e a existência de informações que apontavam para que o negócio entre os proprietários originais e a empresa que comprou o terreno antes de o vender ao município tivesse tido o envolvimento de um assessor camarário, dois vereadores decidiram pedir uma investigação ao caso.

Pelo menos um deles deu conta dessa intenção ao executivo municipal, tendo a presidente da câmara, segundo a própria então disse ao PÚBLICO, afirmado que se ninguém participasse o caso ao Ministério Público (MP) ela própria o faria para que tudo fosse esclarecido.

Cinco anos depois do início da investigação, o MP decidiu arquivar o processo, sem chegar a constituir arguidos, por considerar que não tinham sido reunidos elementos que confirmassem a prática de qualquer crime.

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