Arquitecto acusa câmara de desrespeitar projecto na ribeira de Gaia

Autarquia alterou parte do passadiço na marginal ribeirinha sem consultar Carlos Prata, o autor do projecto. Souto de Moura, Alexandre Alves Costa e Francisco Barata Fernandes juntam-se às críticas.

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Souto de Moura considera que os postes pendurados sobre o rio servem para iluminar os peixes Paulo Pimenta
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Os pontos onde havia focos, no pavimento, foram tapados com madeira Paulo Pimenta
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Para o autor, a intervenção transformou a obra num "arraial de luz" Paulo Pimenta

O arquitecto Carlos Prata, autor do projecto do arranjo urbanístico da marginal ribeirinha de Gaia, entre o centro histórico e a Afurada, acusa a Câmara de Gaia de ter desrespeitado o seu trabalho, ao promover alterações num troço do passadiço pedonal ali construído sem o consultar. O projecto tinha sido realizado pela Mota-Engil para a Gaia Polis, no início da década passada, era famoso pela forma como alargou a marginal, e a tornou mais acessível, de uma forma discreta, mas agora foram-lhes acrescentados postes de iluminação, sobre o rio, que segundo Prata desfiguram o sentido da obra original. Solidário, Souto de Moura diz que os novos candeeiros servem para iluminar os peixes

Em Junho, com o São João à porta, e num troço de 500 metros da marginal, onde havia iluminação no pavimento de madeira, foram instalados postes verticais, fixados na face exterior da estrutura de ferro e madeira. Ao PÚBLICO, o gabinete de imprensa do município explicou que se está “a resolver um problema que afectava o sistema de iluminação naquela zona, que era constantemente vandalizado, o que tornava o local inseguro para quem ali passa”. Mas para o autor, esta fiada de candeeiros transformaram uma “intervenção discreta num arraial que se impõe desde longe e que, à noite, quase não deixa, desde aí, ver a paisagem magnífica” do outro lado do rio.

Em declarações ao PÚBLICO, o arquitecto lembra que a intervenção que desenhou para o Polis criou boas condições para a circulação automóvel e, através de um passadiço balançado sobre o rio, acrescentou nesta zona "um percurso pedonal de onde se disfruta uma paisagem de excelência, uma das melhores vistas sobre o Centro Histórico do Porto. Quis-se que esta intervenção fosse o mais discreta possível. E desde pontos de vista mais distantes não era legível”, sendo essa uma das suas mais-valias enquanto projecto, insiste.

Segundo o arquitecto, a iluminação pública escolhida “submetia-se a este desígnio” de discrição. De um lado da rua os postes, para a iluminação geral associada aos edifícios. Do outro, o passadiço iluminado apenas desde o pavimento, "com uma intensidade de luz ajustada à função". “À noite, a intervenção continuava a ser muito discreta. Era uma obra referenciada, publicada em revistas e livros da especialidade e visitada por muitos arquitectos portugueses e estrangeiros”, descreve, falando já no passado, o autor de outras obras de referência, como a dos molhes do Douro.

Carlos Prata sabe que o direito de propriedade se sobrepõe, num caso destes ao direito de autor. Mas ficou de tal forma indignado que pediu a um advogado que proceder à análise jurídica da situação, pois considera que devia, pelo menos, ter sido consultado. Logo à partida, “por respeito”. Questionada pelo PÚBLICO, fonte do executivo da Câmara de Gaia admitiu entretanto que, neste caso, houve um "problema de comunicação", e que os serviços "deveriam ter falado com o arquitecto". E admitiu que isso possa ainda ser feito, até pelo envolvimento do município num esforço metroolitano para valorização das margens do Douro. 

Nesta questão, o autor deste projecto tem o apoio de outros colegas de profissão, entre eles Eduardo Souto de Moura, que lhe escreveu, solidário, contra esta alteração. “Tenho a lamentar que, mais uma vez em Portugal, os Arquitectos não sejam respeitados e que os clientes não respeitem os direitos de autor, até um dia em que vão ter que pagar por essa falta de princípios, éticos e deontológicos”, escreveu-lhe o arquitecto que venceu o prémio Pritzker.

O autor do Plano de Pormenor de são Paio/Canidelo, Francisco Barata Fernandes, também se ofereceu para apoiar Prata, e outros colegas de profissão, e alterar esta forma de actuação de entidades públicas, às quais exige uma atitude exemplar. “Recordo as "demolições clandestinas" das antigas fábricas de conservas localizadas na Marginal de S. Paio / Canidelo, que tanto afectaram o plano que tinha para a marginal”, escreveu, considerando “fundamental continuar a denunciar estas situações e exigir, conforme manda a lei, que os autores dos projectos sejam consultados, caso se pretenda ou haja necessidade de se fazer alterações às obras”.

Também Alexandre Alves Costa, que recebeu da Câmara de Gaia uma medalha de ouro de mérito profissional pela co-autoria do Centro de Interpretativo do Património da Afurada, se insurgiu contra a situação. “Passei a considerar como projecto meu aquele que fizeste para a marginal e, nesse sentido, estou contigo para participar em todas as acções que reponham a tua obra na sua integridade. Sim, estamos vivos para corrigir erros, caso os haja, mas devemos ser nós a fazê-lo e não qualquer profissional outro por delegação da câmara que aceite, para defender o lugar, alterar a obra de um colega sem o consultar”, criticou.

Alexandre Alves Costa frisou, ao PÚBLICO, que os arquitectos orgulhosos das suas obras estão sempre disponíveis para as repensar, e promover alterações. E Carlos Prata garante que estaria disponível para procurar alternativas aos problemas detectados pela Câmara de Gaia. No texto que lhe enviou, Souto de Moura até dá uma opinião gratuita, entre críticas a esta opção “contra-natura”, de pendurar postes numa balaustrada suspensa. Para o autor das estações do metro “poder-se-ia, se a anterior iluminação não fosse a conveniente, manter os postes encostados ao muro e mudar o ângulo e altura da luminária, o que seria mais económico”. Mas não foi essa a opção seguida, neste caso.

 
Mais um quilómetro para passear à beira-rio

Polémica à parte, a reabilitação que vem sendo feita, na última década e meia, na marginal ribeirinha de Gaia (em complemento com a da orla costeira), tem alterado, positivamente, a relação dos habitantes com o rio. E é isso que a autarquia espera que venha a acontecer com o projecto Encostas do Douro, de requalificação da frente fluvial mais a montante. Em Oliveira do Douro, a primeira fase está concluída e representou um investimento de mais de dois milhões de euros, estando a sua inauguração prevista para esta sexta-feira, às 18h, numa festa que inclui um concerto de Pedro Abrunhosa, ao pôr-do-Sol, e um espectáculo pirotécnico multimédia.

"Temos 18 quilómetros de costa de rio que queremos reabilitar como o que fizemos no passado com a costa de mar", afirmou o vice-presidente da Câmara de Gaia, adiantando estar já programada uma classificação das Encostas do Douro como paisagem protegida. O projecto municipal data de 2010 e visa a valorização em termos paisagísticos, ambientais, económicos e sociais desta zona extensa zona ribeirinha, à semelhança do que aconteceu já no troço mais urbano.

As obras arrancaram em 2012 mas, por vicissitudes várias, só agora a primeira fase, de requalificação da frente fluvial junto ao Areinho de Oliveira do Douro, foi terminada. Representando um investimento de 2,2 milhões de euros, comparticipados em 1,4 milhões por fundos comunitários, a requalificação passou pela construção de um passadiço ciclo-pedonal de 550 metros em madeira entre o Cais de Quebrantões e o Jardim do Areinho de Oliveira do Douro, "o qual suporta também o colector-emissário de águas residuais domésticas", refere a autarquia em nota divulgada esta quinta-feira.

As intervenções realizadas incidiram numa extensão de cerca de um quilómetro, "promovendo a continuidade de ligação desde o Jardim do Areinho até à zona da Quinta da Alegria", tendo sido substituídas as infra-estruturas subterrâneas de abastecimento de água, drenagem de águas pluviais e residuais domésticas, infra-estruturas eléctricas, telecomunicações e iluminação pública.

"Foi instalada uma rede de iluminação pública em toda a área de intervenção, tornando este espaço convidativo à fruição pública, mesmo durante o período nocturno", destaca a autarquia, acrescentando que "nesta operação de valorização adoptaram-se soluções técnicas e escolheram-se materiais que garantam maior longevidade, reduzida manutenção e, simultaneamente, a integração paisagística da obra na envolvente". O projecto teve como princípio geral a "manutenção da maior parte das árvores existentes", tendo-se também previsto a plantação de novas espécies e a criação de "uma área verde que contorna toda a extensão da Alameda do Areinho".

"Investimos nestes dois anos mais de dois milhões de euros, mas os projectos que queremos realizar nos próximos anos nas Encostas do Douro estão orçados em 20 milhões de euros ", destacou o vice-presidente Patrocínio Azevedo segundo o qual está já programada uma intervenção no Areinho de Avintes, orçada em 1,5 milhões. A autarquia quer também avançar com a reabilitação da Escarpa da Serra com a criação de percursos pedonais e ciclovias a ligar a Ponte Luiz I e a Ponte D. Maria Pia, uma obra de cerca de oito milhões, e promover a reabilitação do bairro da Serra do Pilar, com cerca de 70 habitações. Com Lusa

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