Queda do euro voltou a agravar dívida reportada a Bruxelas em 2015

Tesouro está protegido contra riscos cambiais, mas as novas regras contabilísticas europeias significam que a dívida de Maastricht acaba por sair penalizada.

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Dívida ao FMI é influenciada pelos mercados cambiais

O valor da dívida pública portuguesa que é registada de acordo com as regras contabilísticas estabelecidas pela União Europeia sofreu em 2015 um impacto negativo de cerca de 2400 milhões de euros por causa da depreciação sofrida pelo euro nos mercados internacionais. Em especial, o montante que Portugal regista de dívida ao FMI saiu bastante agravado pela debilidade revelada pela moeda única.

A grande maioria (89%) da dívida pública emitida pelo Estado português usa o euro como divisa. É o caso das emissões regulares de obrigações e bilhetes de tesouro e o caso das dívidas ao fundo e ao mecanismo de estabilidade europeus. Nesse caso, o valor a que está registada em euros não é influenciado por qualquer tipo de variação cambial que possa existir na moeda.

Os restantes 11%, contudo, foram emitidos noutras divisas. Neste momento, o Estado português tem títulos de dívida emitidos em dólares no valor de 4382 milhões de euros e, mais importante, dívida ao Fundo Monetário Internacional, no valor actual de 20.827 milhões de euros, que está denominado em "direitos especiais de saque" (SDR na sigla em inglês), a divisa usada pelo FMI e que consiste num cabaz das principais divisas internacionais (incluindo o dólar, a libra e o próprio euro).

Nesta dívida, o Estado português, que obtém as suas receitas em euros, fica sujeito a ver o valor da dívida em euros subir ou descer consoante o euro perde ou ganha terreno face a essas divisas (dólar e SDR). E estes valores tornaram-se mais relevantes desde que Portugal assumiu empréstimos junto do FMI, a partir de meados de 2011.

Em 2012 e 2013, como o euro ganhou terreno face ao dólar, o valor da dívida a pagar em euros diminuiu por conta das variações cambiais. Em 2014, contudo, a tendência do euro inverteu-se, e o efeito foi um agravamento da dívida da ordem dos 2300 milhões de euros.

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Agora, de acordo com os dados publicados pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), sabe-se que em 2015 esse valor foi ainda superado, num contexto de queda continuada do euro, especialmente face ao dólar. O agravamento do valor da dívida que resultou desse efeito cambial foi de cerca de 2400 milhões de euros, com quase 1900 milhões a serem relativos à dívida do FMI.

O Tesouro português, como medida de gestão prudente, tem adoptado medidas para se defender da incerteza através da celebração de contratos de cobertura cambial que compensam parte do efeito desfavorável da evolução do euro (e também retiram a possibilidade de eventuais ganhos).

Como afirma a presidente do IGCP, Cristina Casalinho, ao PÚBLICO, no caso do empréstimo do FMI, “desde o final do 1.º semestre de 2015 que este empréstimo se encontra coberto praticamente na sua totalidade”, com o montante não coberto a ser “inferior a 0,5% do valor” que está por pagar.

Isto evita que o Estado tenha perdas, caso, no momento da amortização, o euro esteja a um valor inferior ao que estava no momento da emissão.

No entanto, quando se olha para o valor da dívida pública reportada a Bruxelas (a dívida que usa o critério de Maastricht), esse efeito de compensação dos contratos de cobertura cambial não é considerado. Isto acontece porque, no passado mês de Setembro, se procedeu a nível europeu a uma revisão das regras contabilístiscas no cálculo da dívida. Passou-se a determinar que os montantes entregues como garantia ao IGCP pelos intermediários financeiros com que o Estado contratou essa cobertura cambial têm também de ser registados como dívida, o que anula o efeito de compensação. “A cobertura cambial, se tiver valor de mercado positivo, faz reduzir o valor da dívida, mas, em contrapartida, o colateral que recebemos dos bancos por essas coberturas, e que será sensivelmente da mesma ordem de grandeza desse valor de mercado, tem de ser registado como financiamento e anula assim esse ganho”, confirma Cristina Casalinho.

Esta é uma das explicações para que tenha ocorrido, a partir de Setembro do ano passado, uma revisão em alta da dívida pública que Portugal reporta às autoridades europeias, que se cifrou em 2015, de acordo com as contas actuais, nos 128,8% do PIB.

Para já, é difícil prever de que forma é que o mercado cambial internacional irá evoluir durante este ano. Depois de uma queda acentuada em meados de 2015, o valor do euro estabilizou no final do ano, tendo mesmo registado uma apreciação durante o mês de Dezembro.

A evolução do euro face ao dólar depende em larga medida da expectativa dos mercados em relação ao rumo da política monetária na zona euro e nos Estados Unidos. Um cenário em que o BCE se veja forçado a aumentar os seus programas de estímulo, ao passo que a Fed confirma a intenção de subir taxas, poderia conduzir a novas descidas na moeda europeia. Mas uma tendência diferente em qualquer uma das autoridades monetárias pode conduzir a um resultado completamente diferente.

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