O privilégio exorbitante

Os credores estão conscientes de que os riscos decorrentes de uma saída da Grécia da zona euro são muitos e que esse cenário deve ser evitado.

Sem surpresa, o partido de esquerda radical Syriza venceu as eleições gregas do passado domingo, preparando-se para governar em coligação com o partido dos Gregos Independentes.

Contrariamente ao que teria sucedido em caso de vitória do Syriza em 2012, este resultado parece ter sido recebido com serenidade tanto pelos restantes Estados-membros da zona euro como pelos mercados financeiros. Existem boas razões para tal. Por um lado, várias sondagens revelaram recentemente que três quartos dos gregos pretende que o país permaneça na zona euro, o que levou já antes das eleições a uma suavização considerável das posições radicais anteriormente expressas pelo Syriza. Alexis Tsipras não pode correr o risco de ver o país ser empurrado para fora da união monetária. Por outro, os credores estão conscientes de que, por muitas declarações públicas que façam em contrário, os riscos decorrentes de uma saída da Grécia da zona euro são muitos e que esse cenário deve ser evitado. Nesse sentido, a Grécia e os respectivos credores deverão chegar a um acordo – que poderá passar por novo alargamento das maturidades e nova redução dos juros da dívida grega – que permita a ambos os lados reclamar vitória. E seguiremos em frente.

Se a única consequência das eleições gregas for esta, terá sido uma oportunidade perdida. Apesar de todas as medidas de reforço da estabilidade da zona euro adoptadas na sequência da crise de 2011, nenhum dos problemas de fundo foi solucionado. Analisando as decisões passadas, poucos não reconhecem hoje que o voluntarismo que esteve na origem da criação do euro foi um erro. Contrariamente a outras realizações relevantes do projecto europeu, em particular a criação do mercado interno, que podiam prosperar com concessões limitadas de soberania, a criação da zona euro conduziu o projecto para um patamar que exigia uma integração política muito mais aprofundada. As condicionantes geostratégicas emergentes da queda do Muro de Berlim acabaram por conduzir os Estados envolvidos a uma união cujas consequências não terão sido medidas na sua plenitude. A união monetária é hoje mantida mais por receio das consequências de um colapso do que por verdadeira convicção.

Mas se é certo que ninguém conhece exactamente as consequências de um colapso, já todos perceberam ao que se assemelha uma morte lenta. Apesar de Mario Draghi se revelar um ás da “gestão do possível”, a zona euro caminha a passos largos para a deflação, o que conduzirá à explosão das dívidas públicas dos países endividados mesmo que estes consigam com esforço alcançar consecutivamente reduzidos défices. Alguns países da zona euro, em particular a Alemanha e os Países Baixos, continuam a gerar excedentes enormes da respectiva balança de pagamentos, o que deixa os países já em dificuldades, que não têm a possibilidade de concorrer com uma moeda desvalorizada, na necessidade de realizar ajustamentos deflacionários brutais.

As negociações que seguramente decorrerão nas próximas semanas, mais do que aliviar o fardo da dívida grega, deveriam servir para a criação de um novo paradigma para a gestão da zona euro. Para além das tão reclamadas pelos países credores – e efectivamente devidas – reformas estruturais, são urgentes uma mudança radical de regime monetário com impacto efectivo nas expectativas para a inflacção; um programa de despesa substancial que reverta a actual destruição da procura nos países sob ajustamento; e que essa despesa tenha especial incidência nos países credores de forma a reduzir o peso do ajustamento nos países periféricos.          

Enquanto a situação actual perdura, a Alemanha vai concorrendo internacionalmente com uma moeda artificial e largamente desvalorizada. Num momento em que se começa a considerar a possibilidade de o euro caminhar, ainda este ano, para a paridade com o dólar americano, o recente abandono, pelo banco central suíço, do peg ao euro e a consequente explosão em alta da divisa suíça deveria servir de expressivo lembrete do que sucederia num cenário de criação de um novo Deutsche Mark. Se fosse vivo, o general de Gaulle acharia que hoje o privilégio exorbitante é outro.   

Sócio e coordenador da Área de Prática de Direito Europeu e da Concorrência de PLMJ Sociedade de Advogados, RL

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