Investimento público em startups corre “riscos superiores” ao privado

“Criar massa crítica leva-nos a tomar decisões que um operador privado não está disposto a tomar”, diz o presidente da Portugal Ventures

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José Epifânio da Franca Daniel Rocha

Há dois anos, o Governo criou a Portugal Ventures, uma sociedade de gestão de fundos de risco, que investe em empresas numa fase inicial. São 20 milhões de euros por ano destinados a novas startups. Até agora, a sociedade financiou, através da compra de uma participação no capital, cerca de 40 empresas numa fase de arranque. Tem também participações em várias empresas mais maduras. Aproximadamente 80% do dinheiro é do Estado e de fundos comunitários, com o restante a ser investimento privado.

Quando, em Setembro, abriu pela oitava vez as portas para que startups se candidatassem a investimento, a Portugal Ventures recebeu candidaturas de 61 empresas, a maioria na área das tecnologias de informação, electrónica e web. Estes projectos são avaliados por um painel internacional de especialistas antes de receberem uma eventual proposta de investimento. 

Investir em empresas nesta fase inicial implica fazer várias apostas, sabendo que muitas vão falhar. O modelo de negócio passa por ter um número reduzido de investimentos muito bem sucedidos, capaz de compensar os fracassos e permitir retorno.

Em Portugal, o investimento privado simplesmente não é suficiente para financiar todas as startups que precisam de capital, diz José Epifânio da Franca, o presidente da Portugal Ventures. “Tipicamente, não têm alternativa à Portugal Ventures. O que é um problema. Com qualquer mercado, é bom haver alternativa”, explicou, numa conversa com o PÚBLICO nos escritórios da empresa em Lisboa. É esta falta alternativa que acaba por fazer com que o Estado vá aonde os privados não chegam.

“No nosso caso, se calhar até corremos riscos superiores ao que um operador privado correria, o que tem a ver com o objectivo de natureza pública”, diz Epifânio da Franca, um académico que também já criou uma empresa, a tecnológica Chipidea, vendida em 2007 à americana MIPS por 108 milhões de euros. “Como operador público, entendemos que criar massa crítica leva-nos a tomar decisões de investimento que um operador privado de capital de risco não está disposto a tomar”, acrescentou.

Entre os accionistas da Portugal Ventures estão várias entidades estatais: o Turismo de Portugal, o IAPMEI - Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, a AICEP - Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, e a Direcção Geral do Tesouro e Finanças. Há ainda bancos, entre os quais o BCP, o Novo Banco e o BPI. 

Este género de investimento é feito através de participação no capital. Na prática, isto significa que o investidor compra uma parte da empresa. Quando, e se, essa empresa for comprada por outra ou (numa situação menos provável) entrar em bolsa, os investidores conseguem multiplicar o investimento inicial. 

A Portugal Ventures pode até investir em negócios que não atraem os investidores privados, mas Epifânio da Franca afasta a ideia de financiamentos a fundo perdido. “ Na lógica da actividade de um operador de capital risco, há uma preocupação que deve ser permanente: a garantia do desempenho financeiro da actividade. Assume-se o risco do investimento, mas deve-se procurar que, pelo menos, o capital investido seja recuperado. É uma lógica relevante quando se trata de capital público.” 

Epifânio da Franca argumenta, no entanto, que a sociedade tem preocupações diferentes dos investidores privados. “Um privado procura maximizar a rentabilidade do investimento. A preocupação do desempenho financeiro não tem necessariamente a ver com a maximização do retorno, se em paralelo perseguirmos um conjunto de objectivos que justificam a intervenção pública. 

Ainda não há nenhum caso de sucesso entre as empresas em que a sociedade investiu desde 2012. No mês passado, a AnubisNetworks, uma empresa de cibersegurança em que a Portugal Ventures tinha uma participação, foi vendida a uma companhia americana. Mas este era um investimento anterior, feito por uma das entidades que hoje compõem a sociedade. Epifânio da Franca argumenta que, por ora, é cedo para fazer avaliações. “Estes são ciclos de muitos anos e é preciso dar tempo ao tempo. Qualquer operador de capital de risco sabe que há uma parte de investimentos feitos que perde, sobretudo na área das startups. Quanto mais inicial é a fase em que se investe, maior é o risco que se assume.”

Quatro perguntas a José Epifânio da Franca

Quais são os objectivos da Portugal Ventures enquanto operador público de capital de risco?
Dinamizar o ecossistema e a actividade privada, e tentar criar condições para atrair o capital internacional. São objectivos de política pública e podem levar a desenharem-se um conjunto de instrumentos que podem não ter associados a máxima rentabilidade. Actualmente temos 20 fundos. Estes fundos têm os seus próprios investidores. Temos fundos com participação praticamente só pública. E outros com participação pública e privada. 

Este modelo de investimento de risco público-privado existe noutros países?
Uma das boas referências que tenho é Israel. A intervenção pública terá representado 100 milhões de dólares, durante relativamente poucos anos. Hoje não existe. Mas, por ano, em Israel, os operadores privados investem 1500 milhões de dólares. 

Que problemas podem surgir num modelo deste género?
Um dos erros é o fenómeno de crowdout [afastamento] da actividade privada. Na Portugal Ventures, procuramos agregar esforços. Dizemos aos nossos parceiros que se tiverem disponibilidade e quiserem investir sozinhos, nós saímos do caminho. Se não quiserem investir, investimos nós. Se quiserem investir em sindicato [em conjunto], nós também estamos disponíveis para discutir.

Se a Portugal Ventures fomenta o aparecimento de outros investidores, não está a fomentar a sua própria concorrência?
O que interessa é haver mecanismos competitivos que venham a beneficiar as empresas. Essa lógica de dinamização da actuação privada está definida numa resolução de conselho de ministros.
 

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