Custos da instabilidade!

Os políticos, em especial dos partidos da coligação que suportam o governo, falam nas descidas dos preços das acções como argumento para as críticas aos discursos dos que sustentam que está na hora de interromper o ciclo governativo com novas eleições. Muitos do principal partido da oposição usam um argumento idêntico, defendendo que a quebra da bolsa e o aumento dos juros nos mercados secundários não são mais que reacções à falta de confiança na bondade das atuais politicas. Um deputado de um dos partidos considerados mais à esquerda teve sobre este assunto o comentário que mais gostei: “os mercados só mexem por duas coisas, por alguma coisa ou por coisa nenhuma”. Os comentadores resumem este tema chamando à atenção que os mercados não gostam de incertezas. Depois, dividem-se quanto à forma de reduzir essa mesma incerteza da mesma forma que os partidos, uns dizem que é preciso deixar governar como o primeiro-ministro fosse conseguindo fazer, outros dizem que é melhor escolhermos rapidamente outros que ficariam assim com mais legitimidade.

Não tem qualquer sentido falar-se na diferença de capitalização bolsista como sendo um custo para o país decorrente da instabilidade. Analisar se a maioria dos compradores ou vendedores seriam nacionais ou estrangeiros poderia de facto ser relevante, porque aí veríamos a quantidade de euros que tinha ou não saído do País. A reacção nas taxas de juros é óbvia, por certo que perante um contexto de incerteza qualquer investidor considerará que o risco de um eventual incumprimento do país aumenta, tanto mais na situação financeira delicada do País onde a capacidade de vir a pagar os empréstimos existentes depende do sucesso de outras emissões futuras de dívida. Evidente também que só pelo facto das taxas de juro no mercado secundário subirem as avaliações das acções também se alteram de imediato, mesmo que as espectativas de negócio das próprias empresas cotadas não se altere. É que o valor de uma acção, como aliás de qualquer activo financeiro, corresponde à actualização de fluxos financeiros futuros, o que não é mais do que aplicar uma taxa de juro acrescida de um prémio de forma a determinar o valor actual de uma série de montantes futuros. Também é natural que um cenário de instabilidade política induza incerteza quanto à evolução futura dos negócios das empresas. Em resumo, o valor das acções e das obrigações torna-se por certo diferente num clima de incerteza provocado por uma instabilidade política mas daí a podermos dizer que essa diferença de valor é um custo vai uma grande diferença.

Sabemos que o nível de preços do mercado deveria (e na maioria das vezes assim acontece) evoluir de forma positivamente correlacionada com o crescimento da economia do país. Com efeito, um dos aspectos determinantes para o valor de uma empresa é o crescimento, e a evolução da economia, do produto de um País, não é mais que o somatório das vendas da totalidade das empresas. Mas mesmo que se verifique esta correlação a prazo, não significa que se possa chamar a uma desvalorização bolsista um custo para o País, muito menos afirmar, como tantas vezes temos ouvido, que o valor desse custo corresponde à dita desvalorização.

Não se pode quantificar o prejuízo para o País pelas descidas na Bolsa mas é há muito conhecida a relação que existe entre instabilidade política e crescimento económico. Aliás penso que ninguém teria dúvidas dos prejuízos decorrentes da instabilidade política, mas mesmo para os mais cépticos, há uma enorme quantidade de estudos empíricos científicos que nos mostram e comprovam esses efeitos.

Está estudada uma dupla relação entre instabilidade política e crescimento económico. Primeiro porque o contexto de instabilidade reduz o investimento privado o que se traduz numa redução do crescimento e segundo porque a incerteza altera tanto o tipo de investimentos que são realizados como a composição da despesa pública, o que se traduz num efeito directo no crescimento que ultrapassa o impacto pela quebra de investimento. Outros autores sugerem que a instabilidade política aumenta a incerteza quanto às políticas, o que tem um efeito negativo nas decisões económicas. Uma probabilidade mais alta de uma alteração na composição do governo implica forçosamente uma maior incerteza quanto às políticas futuras, o que perante a característica de aversão ao risco dos agentes económicos provoca um adiamento das decisões ou até a opção por se retirarem para investirem algures noutro país com menos incerteza.

Outros investigadores nesta área estudam o problema de forma diferente. Sem entrar em detalhes na metodologia econométrica que utilizam, o que estes autores estudam são as diferenças de características de diferentes países, particularmente medidas de democracia, violência política e estabilidade governativa que possam justificar as diferenças no crescimento económico ou no investimento de um conjunto de países. Há grande unanimidade nas conclusões destes estudos: a instabilidade política reduz o crescimento pela via de menor investimento. Outros trabalhos estendem o âmbito dos efeitos da instabilidade política e estudam o seu efeito na inflação, na dívida externa e no défice e também aqui se comprova um efeito positivo.

Evidentemente que há alguma polémica, entre académicos, de como se deve definir e medir a instabilidade política ou social, mas isto não retira de todo a validade dos inúmeros estudos sobre os seus efeitos negativos. Há no entanto um aspecto curioso, do ponto de vista académico, na aplicação do conhecimento que nos é transmitido por estes estudos para o caso concreto de Portugal. É que os efeitos da incerteza num contexto de instabilidade política são necessariamente maiores nos países com maior grau de polarização política, o que não é de todo o nosso caso. A probabilidade de uma alteração no governo deveria ter um efeito residual se as espectativas quanto às políticas seguidas pelo próximo governo não forem muitas distintas do seu antecessor, que é o que de facto temos assistido em Portugal há muitos anos. Por outro lado, a nossa história recente mostra-nos que mesmo com um tipo de politicas semelhantes nunca tivemos uma estabilidade administrativa, jurídica e processual que se traduza numa vantagem competitiva do nosso país para receber investimento. Temos portanto um problema de instabilidade crónica que não depende da orientação política dos principais partidos políticos que nos têm governado.

A diminuição do crescimento económico pela instabilidade política também se processa por outros factores independentes do investimento no sector privado, nomeadamente porque é normal, em contextos de instabilidade política, que os governos canalizem maiores verbas do investimento para a despesa publica, que descurem o aperfeiçoamento do sistema jurídico e que tendam a aumentar os impostos sobre o capital como contrapartida à redução do investimento privado, tudo factores com efeitos directos e indirectos no crescimento da economia.

Em conclusão, a descida, mesmo que abrupta, das cotações na Bolsa, seja pela demissão de um ministro seja por um discurso do Presidente, não é um custo para o País. Custo para o País é a perda de investimento num contexto de incerteza política e o seu efeito directo no crescimento económico que tanto precisávamos. Três mil milhões de euros de perdas na Bolsa é por certo relevante para muitos investidores, não conseguirmos ter um País com boas condições para atrair investimento é muitíssimo pior!

Consultor em projectos de investimento e seguros de crédito

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