“A apatia e falta de iniciativa são problemas que temos de resolver”

O Instituto de Empreendedorismo Social (IES) está a fazer o retrato das iniciativas com potencial de transformação social. Nuno Frazão explica como querem, no futuro, fazer a ponte entre empreendedores sociais e investidores.

Nuno Frazão, gestor do primeiro Mapa de Inovação e Empreendedorismo Social (MIES) do país, diz que a mentalidade portuguesa ainda dificulta a mudança, mas há escolas onde a educação para o empreendedorismo já se faz.

Os investigadores do MIES (iniciativa do IES em colaboração com o IPAV - Instituto Padre António Vieira) dizem que, de norte a sul do país, se começa a perceber a importância de procurar soluções novas para problemas sociais e de estabelecer parcerias para as pôr marcha, mas ainda tem de se contrariar um problema chamado apatia. Nuno Frazão, gestor do projecto, acredita que algo está a mudar, pois há escolas onde a educação para o empreendedorismo já é uma realidade.

Os portugueses são considerados pouco empreendedores se comparados com outros povos, como por exemplo os do norte da Europa. Que factores explicam essa diferença?
Existem dados que fundamentam essa característica de apatia e falta de iniciativa. Noutros países da Europa, a sensibilização da população para esta temática do empreendedorismo social através da participação cívica existe há vários anos e a população acaba por interagir na procura de soluções inovadoras para problemas negligenciados. Aqui em Portugal vemos que a mentalidade da sociedade portuguesa é muitas vezes identificada pelos stakeholders como um factor crítico para a transformação social. Podemos caracterizar a apatia, a falta de iniciativa e de uma cultura de educação para o empreendedorismo em geral (empreendedorismo comercial e social) como um problema que precisa de ser resolvido, a par da promoção do trabalho em rede e da criação de mais e melhores parcerias. Nas entrevistas que vamos fazendo vemos que é cada vez mais referida a importância das parcerias e do trabalho em rede. Achamos que esta consciência poder ser uma oportunidade e o início de uma mudança efectiva. É também essa sensibilização que pretendemos fazer com este projecto.

Concorda com a criação de uma disciplina obrigatória de empreendedorismo nas escolas? Como é que se promove o empreendedorismo na sociedade?
No MIES já foram identificadas boas soluções locais de empreendedorismo nas escolas, com metodologias que estão a ser experimentadas em vários tipos de contextos e com potencial de replicação. Na nossa investigação, uma das questões colocadas aos stakeholders é sobre o conhecimento e maturidade do ecossistema local da inovação e do empreendedorismo social. Vimos por exemplo que a maioria das pessoas entrevistadas na região do Alentejo já tinha conhecimento sobre o empreendedorismo social e soube apontar a existência de algumas soluções locais, mas reconheceu, porém, que estas actuam de forma dispersa, sem estarem em rede e por isso sem terem potencial de capacidade de estruturação e de crescimento. O exercício de analisar a eficácia e eficiência das soluções pode ser um caminho muito importante para a promoção do empreendedorismo. É importante tirar lições dos factores de sucesso e de insucesso. Consolidar a promoção do empreendedorismo no ensino secundário e nas universidades pode ser uma solução transformadora em várias situações, nomeadamente a do desemprego entre recém-licenciados, que são hoje dos mais afectados por este problema.

Como é que se despertam as mentes jovens para estas temáticas?
É muitíssimo importante educar e sensibilizar desde cedo as crianças para a temática do empreendedorismo social. Não só porque é uma forma de os educar civicamente, mas porque permite potenciar a sua participação e empenhamento na sociedade de forma activa. É importante mostrar-lhes realidades com necessidades sociais que estejam a ser negligenciadas e dar-lhes as ferramentas para que, de forma inovadora, consigam pensar em soluções para os problemas.

Se tivermos mais empreendedores é mais provável que tenhamos também mais empreendedores sociais? Uma sociedade com maior número de empreendedores é também uma sociedade mais aberta à criação de novas soluções com impacto social?
Segundo o Global Entrepreneurship Monitor de 2011, os países com mais actividade de empreendedorismo social da Europa Ocidental [a análise não inclui Portugal] em termos de população activa foram a Islândia e Finlândia, com 5,1%, seguindo-se o Reino Unido, com 4,2%. Em contrapartida, a Espanha foi o país que apresentou a percentagem mais baixa, 0,9%. Ao examinar os níveis de educação dos empreendedores sociais, encontramos a maior taxa de prevalência entre aqueles com educação pós-secundária. É bastante claro que a propensão para o envolvimento em actividades de empreendedorismo social está relacionada com os níveis de educação. De acordo com a nossa experiência no terreno, podemos sublinhar a importância da motivação do empreendedor social em querer resolver um problema social negligenciado e poder criar a partir daí seu próprio emprego. O que é importante depois desta motivação, que pode vir de qualquer tipo pessoa com capacidade de iniciativa e que pode ter características de empreendedor tradicional ou social, é ter o conhecimento e ferramentas necessárias para diagnosticar bem o problema, saber envolver os beneficiários e parceiros de rede, e criar uma solução com capacidade de inovação e sustentabilidade. Em suma, mais empreendedores significam potencialmente mais empreendedores sociais e empreendedores sociais com conhecimento e ferramentas para criar soluções sustentáveis vão gerar mais impacto, com melhor aproveitamento de recursos e menos custos.

A educação é fundamental, mas a criatividade parece indispensável para encontrar soluções engenhosas para fazer muito com poucos recursos. Isso também tem de ser estimulado?
O que o MIES pretende fazer com a disseminação das soluções com potencial de inovação certificadas pela metodologia de identificação ES+ é que qualquer pessoa consiga, através dos vídeos de estudos de caso que disponibilizamos no nosso site, perceber como é que estas surgiram, quais foram os objectivos, as actividades desenvolvidas, os factores críticos de sucesso e os seus resultados e impactos, para que possam aprender e ficar inspirados. Na maioria dos casos identificados, podemos analisar as características criativas associadas aos produtos e serviços e as formas como se gerem os recursos. O princípio do MIES é ser um projecto de estímulo, por isso procuramos que as características dos projectos que analisamos sejam passíveis de replicar noutras regiões e noutros países.

Empreendedores comerciais e empreendedores sociais podem/devem trabalhar juntos para um fim comum? São importantes parcerias entre entidades que têm fins diferentes?
Sim, é um factor fundamental. As ferramentas e soluções utilizadas pelo mercado comercial podem muitas vezes ser úteis e tornar as soluções sociais mais eficazes e eficientes. Um dos factores de inovação e sustentabilidade no âmbito das parcerias é conseguir motivar e canalizar alianças entre vários tipos de stakeholders, públicos e privados, num objectivo comum. Só assim se garante a optimização de recursos para o objectivo central que é a maximização do impacto social.

Sabemos que o empreendedorismo social gera valor social, mas gera também valor económico. Como se quantifica o impacto gerado?
Estamos neste momento a desenvolver uma ferramenta de performance com o INSEAD [escola de negócios francesa que é parceira institucional do IES] que está em fase de desenho e piloto e que será um complemento importante ao nosso trabalho de identificação de iniciativas. Existem, no entanto, diversos tipos de ferramentas para medir o impacto, como o SROI - Social Return on Investment, que tem estado a ser utilizado a nível global mas ainda parcamente em Portugal. A medição de impacto pode ter várias dimensões; dos beneficiários directos dos programas, às várias organizações envolvidas. A importância da medição de impacto é crucial pois é aqui que a maioria das iniciativas analisadas tem menos competências e mais dificuldades. É também aqui que os investidores sociais têm tido mais dificuldades em perceber o retorno dos seus investimentos. Havendo uma medição, podem aprender com o resultado dos projectos e adaptar os seus mecanismos de financiamento.

Patrocínio: BIS-Banco de Inovação Social
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