O sonho do futebol nos EUA tem cada vez menos limites

Campeonato norte-americano comemora vinte anos e está no auge. De Lampard, a Gerrard, passando por Drogba. São cada vez mais as estrelas a não resistir ao "american dream".

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Drogba é um dos jogadores que se destaca na MLS Jean-Yves Ahern/Reuters

David Villa tinha acabado de vencer a Liga espanhola e jogado a final da Liga dos Campeões, que o Atlético de Madrid perdeu no Estádio da Luz frente ao rival Real. Recuperara, assim, o sorriso, após uma arreliadora lesão – fractura da tíbia da perna direita -, quando ainda representava o Barcelona. Villa podia já não ter a velocidade de outrora mas mantinha o instinto goleador. Foram 15 golos em 47 partidas. Estava no auge da carreira, além da titularidade nos colchoneros era uma peça indiscutível no "onze" da selecção espanhola de Vicente del Bosque. Ao todo, participou em 94 jogos e marcou 56 golos, cartão-de-visita que impõe respeito. Mas o avançado não pensou duas vezes quando surgiu a proposta do New York City.

“É um projecto muito aliciante. Trata-se de uma grande oportunidade jogar numa nova liga e num país diferente. Uma das razões pelas quais aceitei é porque ainda tenho muito futebol. Senão, teria ido para casa”, vincou o goleador na altura, que antes de ter assentado arrais na “big apple” esteve alguns meses na Austrália a ganhar forma no Melbourne City.

Nos últimos meses, foram vários os futebolistas que seguiram as pisadas de David Villa. O êxodo tem sido cada vez maior. De Franck Lampard (New York City), a Steven Gerrard (LA Galaxy), passando por Didier Drogba (Impact Montréal), Andrea Pirlo (New York City), Giovani dos Santos (LA Galaxy), Giovinco (Toronto FC), entre outros. Não resistiram ao apelo e decidiram embarcar no sonho norte-americano e canadiano. Além do lado financeiro - uma espécie de reforma antecipada -, a vertente desportiva de uma liga que está num processo sustentado de crescimento, foram factores que pesaram na hora de dizer “sim”.

No ano em que comemora 20 anos, a Major League Soccer (MLS) nunca atraiu tanta atenção. Não há salários em atraso, os estádios estão cada vez mais lotados e a expectativa dos seus responsáveis é que em 2020 seja um dos melhores e mais competitivos campeonatos do mundo. E que, ao mesmo tempo, rivalize com outros desportos de massa como a liga de basquetebol (NBA), o campeonato de futebol americano (NFL), a liga de hóquei no gelo (NHL) e a major league do beisebol (MLB). Quem vive por dentro o dia-a-dia da MLS acredita que será uma questão de tempo até que esta faça sombra à Premier League, à Liga espanhola, alemã, italiana e francesa.

“O nível competitivo do campeonato está a crescer, há mais jogadores de grandes campeonatos europeus que estão a vir jogar na MLS, isso ajuda a liga e os clubes a crescer. Agora os norte-americanos estão a perceber que o futebol pode ser um desporto que poderá rivalizar com o basquetebol e o beisebol mas ainda faltam alguns anos para que isso aconteça. Estou feliz por ajudar no crescimento da modalidade no país”, disse ao PÚBLICO José Gonçalves, que há três anos decidiu arriscar e aceitou uma proposta do New England Revolution. Para o defesa, a evolução no futebol em terras do “Tio Sam” é notória. E dá exemplos práticos.

“Os estádios estão mais cheios, o público que enche os recintos percebe melhor o jogo e as regras. Gostam de ir aos estádios, as partidas são cada vez mais difíceis, as equipas estão melhor preparadas, têm jogadores de qualidade, trabalha-se mais e melhor nos treinos os aspectos técnicos e tácticos, o que é fundamental. É sempre bom quando o grau de dificuldade dos jogos aumenta. Os responsáveis da MLS querem que a liga seja cada vez mais competitiva e têm o objectivo de ter um grande campeonato, que esteja ao nível dos melhores da Europa em 2020 ou 2022. A MLS será muito valorizada nos próximos anos. No futuro, tenho a certeza que iremos ter mais jogadores de renome mundial na MLS”, assegura o jogador de 29 anos.

“É tudo muito organizado, podemos comparar o campeonato às melhores ligas da Europa. Nos EUA nunca haverá salários em atraso”, acrescenta José Gonçalves, um dos cinco jogadores portugueses que neste momento alinham na MLS. Os outros são o luso-canadiano Steven Vitória (Philadelphia Union), Paulo Renato (San Jose Earthquakes), Rafael Ramos (Orlando City) e Valdomiro Lameira - Estrela -, também do Orlando City. Foi precisamente com este último que o PÚBLICO falou. Depois de ter feito toda a formação no Benfica, o médio decidiu que tinha chegada a altura de partir. E não se arrepende da decisão, apesar de estar a jogar menos tempo do que aquele que projectava.

“Foi um desafio muito entusiasmante. É a minha primeira experiência fora de Portugal, logo no meu primeiro ano de sénior, e poder jogar no mesmo clube que Kaká, um dos melhores jogadores do mundo também pesou na minha decisão”, recorda o jogador de 19 anos. O médio, que recentemente fez parte da selecção nacional sub-20 que marcou presença na fase final do Mundial, na Nova Zelândia, não esconde a satisfação por ser parte integrante do crescimento do futebol norte-americano.

“A visibilidade tem sido evidente. Há dois, três, cinco anos quase ninguém falava do campeonato de futebol dos EUA. E se falavam era por causa do David Beckham. A MLS tem ganho cada vez mais visibilidade e notoriedade. Através de grandes contratações que os clubes têm feito, como o Kaká, Gerrard, Lampard, Pirlo, Obafemi Martins, Giovinco, Dempsey, Giovani dos Santos que são jogadores de grande nome, que já fizeram muito no futebol mundial e europeu. Convidando estes craques, a competitividade da liga aumenta”, explica, acrescentando que todos os clubes são “obrigados” a apostar em talentos “made in USA”, que são recrutados e escolhidos anualmente num “draft”, tal como ocorre nas outras modalidades. É nessa mescla – experiência e juventude – que estará o sucesso da MLS, sublinha, antes de recordar um episódio que tem semanas.

“Estive há pouco tempo a passar uns dias de férias em Miami com o Kaká e tive o privilégio de conhecer o Marcelo, do Real Madrid. Ele tem em mente, um dia, vir jogar nos EUA na MLS. Não duvido nada que daqui a dois, três, quatro anos o campeonato continue a crescer, porque os clubes já conseguiram atrair jogadores como Kaká e Drogba. Nas próximas épocas pretendem passar a contar com a presença de outras estrelas como Cristiano Ronaldo, Zlatan Ibrahimovic… São jogadores que eles vão conseguir contratar mais cedo ou mais tarde. E quando conseguirem isso vai ser brutal”, conta.

No entanto, nem tudo é perfeito. Nalguns aspectos, a liga norte-americana está a anos-luz do que é feito na Europa.

“A nível táctico ainda não se pode comparar à Europa, fiz a formação toda num dos melhores clubes europeus, o Benfica, e tacticamente aprendi muito. Os jogos nesse aspecto ainda não são tão evoluídos: a partir dos 70 minutos, os encontros estão partidos, é ataque contra defesa. As linhas, defesa, meio-campo e ataque estão distantes. Na Europa não, o futebol é mais compacto. Na MLS é muito fácil fazer golos”, destaca.

O “american dream” está mais vivo do que nunca. De acordo com a revista Forbes, em média, cada clube da MLS tem um valor de mercado a rondar os 140 milhões de euros, um crescimento de 52% relativamente ao último registo feito há um ano. A avaliação teve como base os valores dos contractos de patrocínio, a presença do público nos estádios e outras fontes de rendimento, como a venda de bilhetes e a audiência televisiva das partidas. A média de pessoas nos estádios é de 21.100 espectadores, superior à da NBA, 17.800.

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